Capítulo 20

Henrique foi para o seu quarto ainda muito nervoso. Ficou andando de um lado para o outro com a mão na cabeça.

— Droga! Quem ela pensa que é? Deve tá doida pra voltar pra vida de antes, né? Vagabunda!

Ele sentou-se à beira da cama recapitulando os eventos daquela noite. Ele não queria reconhecer, mas a espontaneidade de Mel o encantava. Lembrar

dela contando sobre seu dia de um jeito tão leve, o fez sorrir. Lembrou-se, então, do beijo. Ficou tentando entender o que o impeliu a beijá-la. E quão

gostoso foi aquele beijo.

— Ah Mel, por que você tinha que ser tão linda?

Lembrou-se dele a chamando pelo nome da ex.

— Droga, por que eu fui falar o nome da Marcela? — Perguntou ele, jogando-se na cama de costas.— A noite poderia ter sido diferente!

Ele ficou ali por um tempo pensando e concluiu:

— Talvez tenha sido melhor assim. Já prometi que não quero me envolver com mulher alguma mais.

O celular em seu bolso vibrou. Ele conferiu. Era uma mensagem de voz de Drica, a amiga de Mel. O celular estava bloqueado por uma senha numérica e ele

não fazia ideia de qual sequência poderia ser. Ignorou a mensagem e fechou os olhos. Depois de um tempo. O celular vibrou novamente. Dessa vez era uma mensagem escrita do tal Romeu e ele conseguiu fazer a pré-leitura.

Romeu— Preciso te ver amanhã. Mesmo lugar da outra vez, pode ser?

Henrique se enfureceu e sentou-se com o celular na mão querendo decifrar a senha, mas não arriscou a tentar uma combinação. Depois de um tempo

outra notificação apareceu.

Romeu:— Por que não me responde, amor? Seu maridinho tá aí do lado, é isso?

Henrique esquentou o rosto e falou:

— Cliente, né? Com certeza esse desgraçado é muito mais que um simples cliente!

Ele queria muito responder àquela mensagem como se fosse ela para descobrir mais coisas, tentou desbloquear o celular, mas não conseguiu. Romeu

enviou outra mensagem.

Romeu:— Seu marido sabe de mim? Espero que não tenha sido tola de ter deixado ele saber!

— Sei sim, desgraçado! E vou acabar com a sua raça, seu filho da puta!

Henrique abandonou o celular de Mel e levou as mãos ao rosto.

— Mulher é bicho que não presta mesmo! Ou eu tenho o dedo muito podre

pra escolher! — Ele contou até dez para se acalmar — Ah, Melissa, você não vai me fazer de trouxa! Não vai mesmo! Eu te avisei que teria consequências se me traísse!

Mel, por sua vez, estava se preparando para se deitar.  Limpou o rosto, colocou seu pijama e já estava

pronta para dormir. Deitada abraçada às almofadas e contemplando a lua através da janela, esperava pelo sono, mas ele não vinha. Sua mente dava voltas e insistia em trazer à lembrança todos os seus problemas. Ela tentava pensar em coisas boas, mas era impossível. Se estivesse com seu celular, Drica com

certeza a distrairia fazendo-a rir com seu jeito bem-humorado de ser. Ela era uma verdadeira comediante. Por mais que Mel tentasse pensar em outra coisa, sua mente sempre voltava para ele. Henrique. Apesar de ser um grosso e insensível, era impossível esquecer o beijo que ele lhe deu. Foi o seu primeiro beijo. Sim, ela nunca havia beijado ninguém até então. Não por falta de oportunidade, pelo contrário, muitos rapazes se interessavam por ela, mas sim porque queria uma experiência de qualidade. E apesar das circunstâncias, foi exatamente como ela

imaginou: Maravilhoso! Ela fechou os olhos e levou a mão à boca tocando seus lábios com delicadeza, lembrando da sensação.

— Ah, Henrique!  Por que você tinha que ser tão... Tão insuportável!

Ela mordiscou a unha do indicador ainda extasiada com a lembrança.

— Ai, como eu sou boba! Ele tava pensando nela! Marcela.

Lembrou-se dele lhe dizendo que ela era o tipo de mulher por quem ele nunca se apaixonaria.

— Meu Deus, não permita que eu me apaixone por ele! Por favor! Eu não quero sofrer!

No outro dia, Mel acordou cedo e já estava cumprindo suas tarefas juntamente com Dirce. A mesa do café estava posta e Dirce se preparava para ir ao mercado. Era uma sexta-feira.

— Eu já fiz uma lista do que tava faltando. A senhora quer acrescentar mais alguma coisa? — Perguntou Dirce.

— Deixa eu ver!

Mel pegou a lista para conferir.

— Costeletas de cordeiro. — Foi Henrique quem falou.

Ele havia acabado de chegar na cozinha, puxou a cadeira para sentar-se e continuou:

— Estou muito curioso para saber se você vai mesmo conseguir reproduzir aquele prato, lembra?  Bom dia!

— Bom dia, seu Henrique! — Respondeu Dirce apressando-se em servi-lo sua vitamina.

— Bom dia! — Respondeu Mel sem esconder que sua presença a aborrecia. E dirigindo-se a Dirce, falou: — Inclua, então, as costeletas.

Henrique bebeu um gole da vitamina e falou:

— Dirce, hoje você se superou! Essa é a melhor vitamina que já fez!

Dirce sorriu e falou:

— Obrigada, seu Henrique, mas foi a dona Melissa que preparou!

Henrique olhou para Mel surpreso.

—Hum... Nesse caso, obrigado, meu amor!  — Falou ele com leve ironia.

— Por nada, amorzinho! — Ela respondeu no mesmo tom.

Dirce olhou com estranheza para os dois, pediu licença e saiu.

— Já tomou café? — perguntou ele.

— Ainda não.

— Então, sente-se! Quero que todos os dias a gente tome café juntos.  Temos que criar esse costume de sentarmos à mesa. Quando tivermos nossos filhos, quero que eles tenham esse hábito.

Mel sentou-se desemborcando sua xícara, enquanto questionava:

—   Filhos? Você quer mesmo uma família de comercial de margarina? Pra quê? Só pra fazer pose?

Henrique se irritou com a pergunta.

— Eu preciso constituir uma família, Melissa. E você aceitou fazer parte disso, esqueceu?

— Mas por que tem que ser assim?

— Assim como?

— Uma família é mais que isso! Um casamento deve ter como base o amor, Henrique!

Ele jogou o guardanapo sobre a mesa chateado.

— Você acha que eu não tentei? Acha que não é o que eu queria estar vivendo? — Henrique a olhou por um instante. A voz embargada por uma emoção que ele tentou disfarçar — Todas as mulheres que passaram por minha vida me

abandonaram, Melissa! E eu tenho quase certeza que é o que você está prestes a fazer também!

Ela o olhou com um pouco de pena.

— Não, eu não vou te abandonar!

— Pode até ser que não, mas não é porque você quer. Temos um contrato,não é mesmo?

Os dois ficaram se olhando por um instante. Mel não disse mais nada.

Henrique se levantou.

— Preciso ir! — Avisou ele olhando para o relógio.

Ele saiu e Mel ficou ali parada olhando ele desaparecer pelo corredor.

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