" Estamos abraçados, sentados no gramado, ao que me parece, ser da praça do centro. Ela segura suavemente meu rosto com suas delicadas mãos. Eu não resistirei mais, lhe darei o primeiro beijo, e é quando vejo aquele crápula passar todo cheio de sangue, a raiva me consome! Levanto-me no intuito de terminar minha vingança, mas quando vou em sua direção, ouço gritos de dor. Tapo meus ouvidos, mas os gritos só aumentam.
- Faça parar! - grita, mas não surte efeito.
Vou em direção ao homem, pego em seu pescoço, ele me olha chorando, sangue escuro!
- De quem são esses gritos? Faça parar!
Ele segura meus braços e balança a cabeça em negativa, soltei seu pescoço, sigo para a gola de sua camisa toda suja de sangue.
- Você, só você poderá parar os gritos! Faça parar, e você conseguirá ser feliz! - ele me diz."
André acorda todo suado e se senta na cama. Parecia tão real, o sentimento de alegria ao tentar beijar Nycie, a raiva que o dominou ao ver Math, os gritos, o lugar escuro, o cheiro podre. Sua boca ainda sente o gosto amargo do ambiente. "O que é isso?" - Ele se pergunta.
- O Dunga não consegue dormir, é? Parece que estava dançando na cama! - diz o homem ao lado, rindo.
André não diz nada ao parceiro de cela, se levanta do beliche, toma uma água, lava o rosto e vai desenhar. Nas noites sem sono ele desenhava sua filha, sua mãe, seu pai, raros pássaros que visitavam o pátio, porque até os pássaros mantinham-se distante do presídio. Hoje começou a desenhar o rosto de sua advogada e ele é muito bom, ali tem um dom.
Sarah está em sua sala, averiguando a carta que a vítima tinha em suas mãos para comparar com a assinatura do policial Erick.
- Bom dia, Sarah! Como anda o procedimento?
- Bom dia, Wilham! Bem, coloquei no sistema para processar os dados e o resultado sairá em 10 segundos.
Wilham se senta na banqueta do balcão e aguarda.
- Prontinho! - Sarah entrega ao colega antes mesmo de averiguar.
- Temos, novamente, Erick como suspeito de assassinato. Vou deixar a sala e vou direto procurar por ele. Ele ainda tem muita coisa para me dizer - diz Wilham.
***
Na delegacia, Wilham espera Erick explicar o porquê não havia mencionado sobre a carta.
- Então... estou esperando você me responder!
Erick pigarreia e não tem certeza do que falar. Além das denúncias que envolvem seu nome, ainda tem esse detalhe que pode definitivamente acabar com sua carreira.
- Vamos! Não vai dizer nada? Então posso lhe colocar a culpa do assassinato de Math!
- Não! Mesmo que ele tenha tido a coragem de me denunciar. - Erick balança a cabeça negativamente. - Nunca teria coragem, não ele!
Wilham levanta uma de suas sobrancelhas e apoia as mãos na mesa, batendo os dedos na mesma, confuso e impaciente.
- Fala logo! Qual foi o motivo então, porra!!!
- Erick se assusta com o grito, nunca tinha visto Wilham nervoso.
- Tá, tá legal, calma, vou contar! - Erick faz uma pausa e continua. - Bem ele é... hum... como dizer...? Meu... é, eu tinha um relacionamento com ele. Sou gay - confessa encabulado.
- Como é? Não escutei direito, fale alto! - Wilham realmente não havia entendido a última palavra dita, pois Erick havia sussurrado.
Ele então, empurra sua cadeira para mais perto, e se aproxima do rosto de Erick para escutar, já que o mesmo queria falar baixo para não ser ouvido.
- Sou gay - repete Erick.
Wilham fica surpreso, nunca poderia imaginar.
- Mas você poderia tê-lo matado por ciúmes? - indaga Wilham.
- Nunca! Como ele me contou todo seu passado e se sentia arrependido, fomos nos aproximando até que rolou. Nos encontrávamos no banheiro e na despensa da cozinha do presídio, nunca havia lhe mandado uma carta, até o dia que resolvi, para que me encontrasse na cozinha. Mas quando cheguei lá não o encontrei. Depois fiquei sabendo de sua morte. Eu, mais do que ninguém, quero justiça! Ele estava entregando os colegas e alguns policiais para poder sair em breve e pedir perdão aos que ele prejudicou. Isso o consumia dia a dia, ele só queria uma segunda chance. Aliás, quem é o outro suspeito?
- Não posso lhe dizer. A partir de hoje você está afastado de suas funções e só poderá voltar, caso prove que não faz parte dos que cobram propina dos presidiários. - Wilham diz com firmeza. - Ah!Você sabe o protocolo, não saia da cidade até sua sentença.
Wilham se levanta, se despede de Erick e vai para um restaurante almoçar, o mesmo que toda equipe do IML almoçava sempre.
Sentado com a equipe, Adrian lhe pergunta o que havia conseguido com Erick. Ele resume a história e todos ficam surpresos, menos Sarah, que já desconfiava. Afinal, mulheres têm melhor intuição para isso.
- Eu não encontrei nenhum resíduo de pele ou DNA nas unhas da vítima. E seu sangue só comprovou que sua morte foi devido ao enforcamento pois também não tinha vestígios de veneno ou droga. Outra coisa que descobri é que o enforcaram com o cordão usado nos calções dos detentos.
- Então, temos mais 2.330 suspeitos! - Rindo, William se pronuncia.
- Temos que voltar ao local para procurar pelo tal cordão. - sugere Adrian, e todos concordam.
Passam-se dois dias e Nycie já havia preparado a papelada para a audiência de André.
Os pais de André recebem um recado do filho, eles irão lhe fazer uma visita e querem levar Ingrid. Mas como o próprio filho disse na carta, não gostaria que sua filha fosse, então deixaram-na com a prima do mesmo, Angélica, que os ajudavam com a netinha depois de saber o que aconteceu ao seu primo.
- Esse silêncio seu é de matar, cara. Você só sabe desenhar? Vou pedir para trocar de cela, você é muito chato! Pô Dunga, você nem prestou atenção né!? - Seu parceiro de cela diz nervoso tampando seu rosto com o travesseiro.
André o olhava de rabo de olho enquanto desenhava. Então, ouviu os outros detentos exclamaram, um guarda passava o cassetete nas grades até chegar na cela de André.
- Dunga, visita! - O guarda destranca a cela, vira André de costas e o algema.
Dona Meuri estava sentada, mas quando vê seu filho entrar, se levanta e corre para abraçá-lo, em prantos.
- Senhora, quer se sentar, por favor! - pede o policial.
- Por que algemaram meu filho? Ele não é nenhum marginal! - grita a senhora.
O Sr. Pedro se levanta, segura os ombros da esposa e a chama para sentar. André fica comovido por ver a reação da mãe.
- Mãe, é o protocolo, não fique nervosa, ou não permitirei suas visitas. Como está minha filha?
A mãe enxugou as lágrimas e o pai a abraçou pelos ombros.
- Filho, ela está ótima, tá tão esperta, ela sente sua falta - responde sua mãe.
- Ficamos sabendo que te denunciaram por outro crime - lamenta seu pai.
- Sim pai, mas não foi denúncia, encontraram uma faca que continha o sangue do infeliz e também meu DNA.
- Mas filho, você trabalha na cozinha, tem seu DNA por toda a cozinha - diz a mãe.
André balança a cabeça em negação.
- Mãe... - André suspira fortemente. - Fui eu! - confessa.
Pedro segura as mãos da esposa e olha para o filho com ternura, mesmo que não se orgulhe de seu comportamento. A mãe chora e limpa suas lágrimas com um lenço que retirou de sua pequena bolsa marrom de mão.
- Mas por que, filho? Vocês brigaram? - pergunta seu pai.
- Foi em defesa? - inquire sua mãe.
- Não foi briga, o peguei desprevenido. Ele foi a causa de todo o meu sofrimento por anos. Mas não foi para matá-lo, foi para impor medo, não acertei nenhum órgão.
- O que você quer dizer com todo o seu sofrimento? Quem era esse homem? - indaga seu pai.
- Mas ele morreu, você o matou! - A mãe agora coloca a mão sobre a boca enquanto o filho lhes conta o que havia feito e quem era Math.
- Oh, filho... por que não nos contou? Poderíamos tê-lo ajudado. Por isso você culpava sua mãe. Ela te levava na escola e não viu o que te... - Seu pai engole as palavras.
- Foi culpa minha. Oh, filho... me perdoa! Por isso você voltou de lá estranho. Perguntei à pessoa errada o que havia acontecido, é claro que ele não me contaria.
- Nos perdoa filho! - O pai diz, segurando as mãos do filho que chorava.
- Eu não tenho que perdoá-los, vocês não tiveram culpa. Aqui na cadeia tive tempo de refletir e a culpa foi toda minha por não conseguir contar.
- Não, filho, a culpa é daquele monstro! Mas deixa a mãe te aconselhar uma coisa, posso?
- Sim mãe, pode!
- O que tá feito, já tá feito, a água suja não volta atrás. Para que ela possa se limpar, ela segue em frente até desaguar no mar, e renasce em sua nascente, límpida e pura. Filho, perdoe este homem para que possa seguir em frente, meu filho. Não remoa mais ódio, deixe-o descansar. Só Deus pode saber qual será a sua punição!
- Mas... não posso...
- Meu filho, lembra como você adorava orar, dizia a todos como o seu amigo Jesus te amava mais que ninguém, meu filho. Com certeza ele chorou junto com você, ele não te abandonou, e apesar do sofrimento, você é um homem de bem, teve sua filha, criou juízo. Você acha que foi quem te aconselhou a essas escolhas? Não fique no ódio, ele te destruirá, meu filho!
Depois da despedida de seus pais, André fica pensativo, os sonhos vêm à mente como um filme e agora as coisas parecem fazer sentido. Mas ele ainda não se sente preparado, pelo menos ainda não. E pela primeira vez, depois de anos, ele resolve falar com Deus.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Mariane Oliveira
que dó..
2024-12-10
0
Nete Roque
Conselho de mãe e bom só que a gente só lembra um pouco tarde
2022-07-02
7
Stephany Ricarte
não pode e nem consegue sem anos de terapia, quero dizer na vida real né ... tomara que na ficção tenha um final feliz de superação.
2022-06-29
2