Primeira Noite

O silêncio preenchia os cômodos da mansão D’Arcy, mas dentro de Melissa, tudo era barulho. Aurora dormia serena, aninhada em seus braços, como se tivesse finalmente encontrado o colo certo, a segurança que buscava desde o nascimento. Melissa ajeitou o cobertor da pequena, se afastou devagar do berço e apagou a luz do quarto, deixando apenas o abajur aceso.

Ela caminhou pelos corredores da casa como se ainda não acreditasse que estava ali. Era tudo tão grandioso, tão diferente da realidade que conhecia... E mesmo assim, ela estava ali. Escolhida para cuidar da filha de Mathew D’Arcy, um dos homens mais poderosos da cidade.

Ao descer para a cozinha, encontrou Madame Lacroix preparando um chá.

— Não conseguiu dormir, mademoiselle? — perguntou a governanta com gentileza.

— Ainda estou me adaptando — Melissa sorriu. — Queria só um copo d’água.

Madame Lacroix a observou com olhos cuidadosos, depois se aproximou.

— Monsieur Mathew pediu para que você desça ao escritório quando terminar. Ele gostaria de conversar com você antes de dormir.

Melissa assentiu, com o coração acelerado.

Poucos minutos depois, ela bateu suavemente à porta do escritório. A voz dele a convidou a entrar, firme como sempre.

— Com licença, senhor D’Arcy.

Ele estava de pé, com um copo de uísque na mão, olhando pela janela. Ao se virar, seus olhos se fixaram nela com certa curiosidade.

— Obrigado por vir. Como foi sua primeira noite?

— Aurora dormiu bem depois do banho. Achei que demoraria mais pra se adaptar a mim, mas... ela é doce — Melissa respondeu, mantendo a postura.

Ele assentiu lentamente.

— Ela parece mesmo ter se acalmado com você. Isso é... novo pra mim.

Melissa abaixou um pouco o olhar, sem saber o que responder. Até que, com o tom respeitoso, ela disse:

— Senhor D’Arcy, amanhã pela manhã... eu gostaria de sair por algumas horas. Preciso ir à faculdade resolver a transferência do meu curso para o turno da noite, como o senhor sugeriu.

Mathew a olhou com atenção redobrada.

— Claro. Agradeço por fazer esse esforço. Posso te fazer uma pergunta?

— Claro.

— Quantos anos você tem?

— Vinte.

Ele arregalou levemente os olhos, surpreso.

— Vinte? E já tão responsável assim... Parece mais velha. Mais madura.

Melissa sorriu de canto, mas seus olhos carregavam um certo cansaço.

— A vida meio que me obrigou a amadurecer cedo, senhor D’Arcy.

— E qual curso você faz?

— Medicina. Quero ser pediatra.

A surpresa no rosto dele foi ainda maior.

— Pediatra? Isso explica a forma como você olha pra Aurora. Você tem um jeito com ela.

— É o que eu mais quero — ela respondeu, com um brilho sincero. — Sempre quis cuidar de crianças. Talvez porque... eu mesma tenha sentido falta de cuidado por muito tempo.

Ele não respondeu de imediato. Apenas assentiu com um leve movimento de cabeça, como se tivesse compreendido mais do que gostaria.

— Amanhã, depois da sua saída, faremos os ajustes no quarto. Se for confortável pra você, gostaria que dormisse aqui até Aurora estabilizar melhor as noites. O choro dela tem sido... difícil.

— Entendo. E tudo bem pra mim — respondeu ela, sem hesitar.

— Boa noite, Melissa. E... obrigado.

— Boa noite, senhor D’Arcy.

Quando saiu do escritório, Melissa respirou fundo. Havia algo diferente naquele homem. Uma dor silenciosa, escondida atrás da frieza. Talvez ela soubesse bem como era carregar esse tipo de dor.

E ali, naquela casa imensa, duas solidões começavam a se encontrar.

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