O sol da manhã era tímido, filtrando-se pelas nuvens como se o dia também estivesse incerto sobre o que esperar. Melissa ajeitou o cabelo diante do espelho do banheiro do metrô, respirou fundo e ensaiou um sorriso confiante — ou ao menos o que ela achava que seria um. O estômago roncava, mas ela não tinha comido nada. A ansiedade ocupava espaço demais.
Vestia uma blusa branca simples, calça jeans escura e um casaco cinza emprestado por Hanna. “Tô parecendo adulta?”, ela perguntou antes de sair. Hanna só riu. “Tá parecendo nervosa, mulher. Vai lá, arrasa.”
Ao chegar à mansão D’Arcy, Melissa foi recebida com a mesma rigidez por Madame Lacroix.
— Pontual. Bom começo — comentou, levando-a diretamente à ala infantil.
O dia começou com tarefas básicas: aquecer a mamadeira, trocar a fralda de Aurore, cantar canções de ninar. Melissa se surpreendeu ao notar como aquela bebê sorriu pra ela com facilidade, mesmo sem saber quem era. Era como se houvesse uma conexão instantânea, um acolhimento silencioso entre duas almas ainda marcadas pelo abandono.
— Ela gosta de você — comentou Lacroix, observando ao fundo com os braços cruzados. — Isso não acontece com frequência.
Melissa sorriu, aliviada.
— Eu… gosto dela também. Acho que… gosto de cuidar. Faz a vida parecer mais leve, sabe?
Lacroix não respondeu. Apenas anotou algo em uma prancheta.
Por volta das 14h, Melissa foi chamada para tomar um chá com a governanta na varanda dos fundos, onde era possível ver parte dos jardins impecáveis. Ao longe, um homem de terno escuro conversava com um jardineiro. Alto, ombros largos, cabelos castanho-escuros bagunçados pelo vento. Mesmo à distância, exalava autoridade.
— Quem é aquele? — Melissa perguntou sem pensar, tomando um gole tímido do chá.
Lacroix hesitou por um segundo.
— Um conhecido da casa — disse, breve. — Não se preocupe com ele.
Melissa deu de ombros, mas não conseguiu deixar de notar que ele a observava de volta. Por apenas alguns segundos. Intensamente.
Mathew D’Arcy não costumava frequentar os jardins durante o dia, mas algo naquela manhã o fizera mudar de ideia. Ele precisava pensar, respirar. E foi ali, entre rosas e dúvidas, que viu pela primeira vez a jovem que segurava Aurore como se fosse feita de vidro. Os olhos brilhando de cuidado. O sorriso leve, apesar das olheiras. A roupa simples, destoando da sofisticação ao redor.
— Quem é ela? — perguntou discretamente ao jardineiro.
— Nova candidata pra vaga de babá, senhor. Chegou ontem.
Mathew ficou em silêncio. De repente, o vento pareceu soprar mais forte.
Lacroix voltou com Melissa ao quarto da bebê, entregando-a a mais uma tarefa: colocar Aurore para dormir. Quando Melissa pegou a bebê no colo e começou a cantar baixinho, sentiu algo mudar dentro de si. Como se aquele silêncio embalado de respiração infantil preenchesse um vazio antigo.
— Pode me deixar sozinha com ela? — pediu, quase num sussurro.
Lacroix hesitou, mas concordou com um leve aceno. Do lado de fora, Mathew se aproximava do corredor. Passou pela porta entreaberta, e por um instante, parou. A cena o atingiu com força: a jovem sentada na poltrona, embalando sua filha, cantando com a alma.
Ele não disse nada. Não podia. Apenas sentiu o peito apertar.
Melissa, do outro lado, jamais imaginou que já estava sendo observada pelo próprio dono da casa. Por um homem que dizia não ter mais espaço para sentimentos — até ver o impossível começar a se mover.
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Atualizado até capítulo 68
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