Sobre Nós Dois
O despertador tocou às 6h15 da manhã. Melissa levantou devagar, sentindo o frio cortar a pele assim que saiu de debaixo das cobertas finas. Andou até o banheiro apertado, fez sua higiene matinal, prendeu o cabelo num coque rápido e vestiu o jeans surrado e a blusa de gola alta. Pegou a mochila no chão do quarto e saiu de fininho, tentando não acordar a mãe que dormia no sofá da sala — mais uma vez com uma garrafa vazia ao lado.
O cheiro de cigarro misturado com álcool já fazia parte da casa. E do silêncio entre elas também.
Melissa seguiu para a rua, respirou fundo e apertou o passo. A vida não esperava.
— OLHA A RAINHA DA PONTUALIDADE! — gritou Isabela, acenando enquanto batia com a mão no banco da praça em frente à faculdade.
Melissa sorriu, aliviada por ver as amigas.
— Oxente, até parece que eu sou a única que acorda cedo nessa cidade — disse, se sentando ao lado das duas.
Hanna tomou um gole do café que comprou na cantina e falou com um bico:
— Acordar cedo é fácil, quero ver é sobreviver à aula de anatomia hoje, viu?
— Se a professora vier com aquele humor de ontem, eu finjo desmaio e peço atestado — brincou Isabela, fazendo as três rirem.
— Mas sério, miga — Hanna virou-se para Melissa. — Como tá lá em casa? Dona Katherine ainda tá na base do álcool?
Melissa soltou um suspiro discreto.
— Tá sim. Quando saí ela tava dormindo no sofá, como sempre. Nem sei se jantou ontem.
— Eu juro que fico passada com isso. Tu é forte demais, viu? — Isabela disse, pegando a mão de Melissa por um instante.
— Forte ou não, a gente tem que seguir, né? E é por isso que eu tô aqui. Bora, meninas. Hoje eu quero aprender tudo. A vida só vai mudar se a gente não desistir — respondeu com firmeza, mesmo com o cansaço no olhar.
As três se entreolharam e sorriram. Sabiam que, apesar de tudo, estavam ali uma pela outra. A amizade era o que dava força pra continuar.
Elas se levantaram juntas e caminharam para a sala de aula, misturando sonhos, sarcasmo e esperança em cada passo.
Mal sabiam que aquele semestre mudaria o rumo de tudo. Inclusive dos seus corações.
A sala de aula estava agitada como sempre. O barulho de vozes, o som das carteiras arrastando, e a professora chegando com sua pasta recheada de provas para entregar.
— Silêncio, turma! — disse a professora Renée, com seu sotaque parisiense carregado. — Hoje vamos revisar a anatomia do sistema circulatório. E depois… surpresa prática. Então, foco!
Melissa mergulhou nos estudos. Ela era do tipo que copiava tudo, prestava atenção em cada palavra e fazia perguntas. Não era bajulação — era necessidade. Estudar era sua forma de escapar. Era o que mantinha a cabeça firme e o coração longe das dores.
À tarde, Melissa seguiu para o hospital universitário, onde fazia estágio como parte da bolsa que ganhou.
— Bonjour, Mademoiselle Beaumont! — disse a enfermeira Claire, uma mulher na casa dos cinquenta com olhos carinhosos e um jeito maternal.
— Bonjour, Claire. Pronta pra mais um dia?
— Sempre. E você? Dormiu bem?
— Dormi o suficiente pra não desmaiar — brincou, pegando o jaleco.
— Gosto do seu humor. Sabe, vai longe nessa carreira, menina.
Melissa sorriu, tímida.
No corredor, cruzou com pacientes, médicos e outros estudantes. A rotina era puxada, mas ali ela se sentia viva. Viu uma criança no setor pediátrico sorrir ao receber um balão improvisado de luva. Ajudou a trocar curativos. Anotou prontuários. Suportou o peso das histórias e das dores dos outros como se também fossem suas.
Por volta das 17h, enquanto anotava dados numa prancheta, ouviu duas enfermeiras cochichando perto do bebedouro.
— Dizem que o herdeiro do hospital vai aparecer essa semana…
— O filho do diretor? Aquele sumido?
— Esse mesmo… Mathew D’Arcy. Bonito, rico, viúvo. Parece até enredo de novela.
Melissa nem deu bola. Não tinha tempo pra fofoca de rico. Seu mundo era outro. Mal sabia ela que aquele nome ia atravessar sua vida como um furacão silencioso.
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Atualizado até capítulo 68
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