O Sussurro das Sombras

O salão ainda ecoava o grito distante da sombra corrompida, mas a escuridão ao redor parecia mais densa do que nunca. Aya segurava a lança negra com força, os dedos trêmulos pela adrenalina que ainda corria em seu corpo. Seu coração batia forte, ecoando em seus ouvidos como tambores de guerra.

— Kaoru…

Ela quebrou o silêncio, a voz um fio de som.

— O que estava acontecendo aqui? Por que aquela coisa tentou atravessar?

Kaoru não respondeu de imediato. Seus olhos estavam fixos nas portas seladas, as correntes ainda pulsavam em um brilho prateado, mas agora enfraquecido. Finalmente, ele virou-se para ela, a expressão séria, quase grave.

— Essa porta sela algo que jamais deveria ser libertado.

Começou ele, a voz baixa, quase um sussurro. 

— Há muito tempo, quando os Herdeiros das Sombras ainda governavam em harmonia com os Guardiões, surgiu um poder que não podia ser controlado: O Vazio.

Aya sentiu um arrepio correr por sua espinha. A palavra parecia viva, vibrando no ar, como um segredo proibido.

— O Vazio? O que é isso?

Kaoru se aproximou, seu manto negro farfalhando pelo chão de pedra. Ele apontou para os símbolos entalhados nas portas, agora visíveis com mais clareza: runas antigas que giravam em padrões complexos, como um sistema vivo de proteção.

— O Vazio é o lado mais sombrio das sombras. Ele é o resultado da corrupção, da perda de equilíbrio. É uma força que devora tudo, até mesmo aqueles que a invocam.

Kaoru olhou diretamente nos olhos de Aya.

— Essa porta o mantém selado, mas algo, ou alguém, está tentando libertá-lo.

Aya sentiu o peso das palavras dele e desviou o olhar, observando as portas e as correntes. A lembrança da criatura que acabara de enfrentar ainda estava viva em sua mente, e o fato de que algo pior poderia estar atrás daquela barreira fez sua pele arrepiar.

— E por que eu estou aqui? 

Ela murmurou, quase para si mesma.

— O que eu tenho a ver com isso?

Kaoru caminhou até ela e colocou uma mão firme em seu ombro.

— Porque você é a Herdeira.

Sua voz soava firme, mas havia um tom de compaixão.

— Você foi escolhida pelas sombras não apenas para controlá-las, mas para mantê-las em equilíbrio. Se o Vazio escapar… o mundo inteiro pagará o preço.

Aya sentiu o peso da responsabilidade cair sobre seus ombros como uma pedra. Não pedira por nada daquilo, e tudo parecia estar acontecendo rápido demais. Ela queria negar, gritar que não era capaz, mas algo dentro dela — uma chama pequena, porém insistente — dizia que Kaoru estava certo.

Ela olhou para as mãos, onde a lança negra começava a se dissipar em névoa. O poder estava ali, dentro dela, e agora não poderia mais o ignorar.

— O que preciso fazer? 

Ela finalmente perguntou, erguendo os olhos para Kaoru.

Ele sorriu de leve, satisfeito com a determinação em sua voz.

— Precisamos fortalecer sua conexão com as sombras. Quanto mais controle você tiver, mais difícil será para o Vazio escapar. Mas…

Kaoru fez uma pausa, a expressão endurecendo.

— Isso significa enfrentar partes de você mesma que talvez não queira ver.

Aya franziu o cenho.

— Partes de mim mesma?

Kaoru apenas fez um gesto com a cabeça para que ela o seguisse. Eles deixaram o salão selado para trás, subindo os corredores sinuosos da Fortaleza em silêncio. Aya podia ouvir seu próprio coração batendo enquanto andavam. O que ele queria dizer com “enfrentar partes de si mesma”?

Eles chegaram a uma sala que Aya não conhecia. Era ampla, mas diferente da Arena ou das salas antigas da Fortaleza. O chão era feito de espelhos  perfeitos, brilhantes, e refletiam o teto alto, coberto por estrelas gravadas em prata. As paredes eram nuas, apenas pedra negra que absorvia a luz das tochas.

— O Salão dos Reflexos 

Anunciou Kaoru, parando ao lado dela.

— Aqui, as sombras não apenas obedecem, mas também mostram a verdade.

Aya se agachou, tocando o chão. A superfície do espelho parecia fria e sólida, mas quando seus dedos encostaram nela, ondulações suaves se espalharam, como água.

— O que preciso fazer? 

Perguntou, hesitante.

— Ficar no centro.

Respondeu Kaoru, apontando para o ponto exato no meio do salão.

— E encarar o que vier.

Aya engoliu em seco.

— E o que vai aparecer?

— Você mesma.

Respondeu Kaoru, simplesmente. 

— Mas não a parte que você conhece. As sombras revelam os medos, as fraquezas, tudo o que tentamos esconder até de nós mesmos.

Aya olhou para o centro da sala, sentindo um frio na espinha. Parte dela queria fugir dali, mas a lembrança do Vazio, das correntes enfraquecidas, e da criatura corrompida a fez respirar fundo e seguir em frente. Ela caminhou até o centro do salão e parou, olhando para seu reflexo nos espelhos.

No início, tudo pareceu normal: apenas ela, com o semblante cansado. Mas, de repente, algo começou a mudar. Seu reflexo sorriu — um sorriso frio, distorcido, que não combinava com ela. Aya deu um passo para trás, mas o reflexo permaneceu imóvel, a encarando.

— O que… o que está acontecendo?

Sussurrou, a voz falhando.

O reflexo finalmente se moveu, inclinando a cabeça de um jeito que parecia impossível. Quando voltou a falar, a voz era idêntica à de Aya, mas carregada de um tom cruel.

— Por que está lutando? Acha mesmo que pode salvar alguém?

Aya sentiu o coração apertar.

— Cale-se…

O reflexo continuou, dando um passo à frente, como se pudesse sair dos espelhos.

— Você tem medo, não tem? Medo de falhar, de não ser forte o suficiente. Medo de ser abandonada… como sempre foi.

Aya sentiu as palavras como facas em seu peito. Cada frase trazia lembranças enterradas: momentos de solidão, fracassos que ela tentara esquecer, pessoas que haviam partido. Sua respiração ficou pesada, o chão parecendo ceder sob seus pés.

— Não sou… assim.

Murmurou, apertando os punhos.

O reflexo sorriu ainda mais.

— Aceite, Aya. Você não pode vencer as sombras… porque você é uma delas.

As palavras ecoaram pelo salão, e Aya caiu de joelhos, os olhos arregalados. A escuridão começou a se espalhar ao redor dela, como uma maré negra tentando engoli-la.

— Aya!

Gritou Kaoru, mas sua voz parecia distante.

A escuridão se aproximava cada vez mais, e Aya podia ouvir os sussurros crescendo. “Fracassada. Indigna. Fraca.” As palavras a rodeavam, sufocando-a.

“Não…”, ela pensou, apertando a cabeça com as mãos. “Não sou fraca.”

Uma pequena luz brilhou dentro dela — a mesma chama que surgira antes, quando lutara contra a sombra corrompida. Aya respirou fundo e levantou a cabeça.

— Vocês não vão me vencer.

Murmurou, fechando os olhos e se concentrando.

A luz dentro dela cresceu e, de repente, as sombras ao seu redor começaram a recuar. O reflexo distorcido se contorceu, soltando um grito agudo antes de se despedaçar em milhares de fragmentos.

O salão ficou em silêncio. Aya abriu os olhos, agora brilhando levemente com energia negra. Ela se levantou, exausta, mas mais determinada do que nunca.

Kaoru a observava da entrada, um sorriso discreto no rosto.

— Você está começando a aceitar, Aya.

Ela olhou para ele e assentiu, a voz firme.

— Eu não vou perder para as sombras.

No fundo, de sua mente, os sussurros ainda permaneciam, mas agora… ela sabia que poderia enfrentá-los.

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