Retorno

Aurélio passa pela sala e a sua mãe o aborda da sala de jantar:

__ Aonde vai com essas malas!?

__ Vou para a fazenda\, estou preocupado com o meu pai e preciso resolver algumas coisas. __ A sua mãe entra em choque e pergunta:

__ Samanta vai com você? Afinal ela passou a noite no seu quarto, penso que esteja tudo bem entre vocês.

__ Não\, mamãe! Ela não irá comigo e já sabe que não haverá casamento\, __ Ele fala\, pegando a mala do chão e a sua mãe fica pálida e muito nervosa.

__ Como não haverá casamento? Está tudo pronto e os convidados já estão chegando do interior. __ Rosa se desespera e Samanta aparece na sala\, enrolada num roupão e os olhos inchados de tanto chorar.

__ Você terá coragem de me deixar\, depois da noite linda que tivemos e dos momentos da minha vida que dediquei a você!? Eu fiquei ao seu lado estes anos e fiz tudo por nós dois\, agora\, que você tem um bom emprego no hospital\, é um médico respeitado na sua área\, está largando tudo para se enfiar numa fazenda e numa cidade do tamanho de um ovo\, sem perspectiva de crescimento e sem futuro. __ Samanta fala desesperada\, pois todas as suas jogadas para tê-lo\, foram em vão.

__ Não posso acreditar! Está largando o seu trabalho no hospital para ir atrás do seu pai\, aquele velho teimoso e sem ambição. __ Rosa resmunga e finge passar mal\, mas\, os escândalos das duas mulheres não comovem o coração decidido do homem que as encara e diz:

__ Sinto muito\, mas cancelem o casamento e Samanta\, eu não pretendo voltar\, por isso não espere por mim\, desculpa-me por ter lhe dado alguma esperança\, confesso que tentei gostar de você como merecia\, mas não sinto que esse seja o nosso futuro. Se eu não me adaptar na fazenda\, partirei para alguma missão\, não quero perder mais tempo e preciso ir. __ Sua decisão em não voltar para a capital\, se dá pela convicção de que precisa encontrar Lívia a todo custo.

Aurélio sai e as deixam desoladas, mas Rosa não desiste e trama mais uma vez, com as suas ideias mirabolantes, um novo plano para casar o seu filho com a Samanta e fazê-lo retornar para a capital. Samanta ouve a mulher que a convence a fazer de tudo para que ele volte.

Horas viajando e os pensamentos distantes o faz lembrar da sua adolescência, quando morava na fazenda e como conheceu o seu primeiro amor verdadeiro. Esse que jamais esqueceu e tem a curiosidade em rever.

Passando pela cidade, antes de ir para a fazenda, ele passa no hospital e conversa com o diretor, colocando-se à disposição para atender na cidade, pelo período em que ficar por ali. O seu sobrenome lhe abre portas e o seu currículo é impecável.

O que não justifica querer trabalhar num local com tão poucos recursos e que se paga tão mal.

__ O senhor chegou em boa hora! O neurocirurgião foi embora semana passada e estamos enviando todos os pacientes para a cidade vizinha. E no seu currículo consta a sua especialização em doenças genéticas. O que será maravilhoso\, pois temos um programa de atendimento para pessoas com necessidades especiais e o tratamento por meio de Equoterapia. __ Aurélio ouve o diretor do hospital com atenção e logo se entusiasma com o projeto\, pois gosta do trabalho voluntário e de assistência no campo. Não sabendo ele que todo o projeto é de Lívia.

__ A doutora Pilar é a veterinária responsável pelos tratamentos, o senhor a conhecerá em breve. Eu soube que o haras pegou fogo noite passada, mas o programa continuará atendendo os pacientes, eles já contornaram a situação e se o senhor quiser conhecer melhor o projeto, posso lhe passar o contato dela ou do seu sócio, o doutor Caio.

Aurélio pega o cartão do haras e olhando o nome do local, tem uma sensação estranha, como um presságio. “__ Equoterapia, Amigos Para Sempre.

Ele entra no carro e pegando novamente o cartão, olha os dois nomes dos profissionais de terapia e pensa ser um casal. Com um sentimento saudosista ele pensa que se tivesse voltado anos antes, poderia hoje ter uma família e trabalhar com Lívia em um negócio familiar e teriam muitos filhos, seriam a família perfeita. Mas logo se dá conta de que a vida tomou um rumo inesperado e a perdeu para sempre.

Lívia, Caio e Célio, limpam o haras e improvisam um pequeno chalé de madeira, como sede do sítio, para atendimento dos pacientes. Pedro contratou uma empreiteira e logo cedo começaram a construção das baias e o novo consultório, que ficará pronto em pouquíssimo tempo.

__ Pilar\, o Príncipe está muito agitado\, talvez fosse melhor levá-lo para cavalgar.__ Caio fala\, passando a mão na crina negra do cavalo que está agitado\, traumatizado pelo fogo.

__ Você tem razão, sele ele para mim, enquanto isso olharei como está Estrela, ela também anda agitada. Os outros cavalos, solte-os no pasto e os deixem por um bom tempo.

Lívia caminha até a baia improvisada e Célio a acompanha e com o seu jeito dócil a questiona:

__ Por que você aceitou a proposta do Pedro? Podíamos vender os animais e pagar as contas, depois compraríamos outros.

__ Irmão\, pensa comigo! Como ficariam os nossos pacientes do programa\, que já se acostumaram com os animais treinados para o tratamento? Como eu prestaria conta para o diretor do hospital que nos deu todo apoio no projeto e quando poderíamos comprar outros animais novamente\, sendo que teríamos que vender o sítio!? Eu teria que encontrar uma solução para isso e infelizmente não tive opção.__ Lívia fala em tom de desabafo e os dois se abraçam forte e ela o acalma:

__ Serão apenas sete meses\, logo estarei livre outra vez e o haras voltará ser nosso\, precisamos apenas termos paciência e aturar as exigências do meu algoz. __ Eles dão uma risada de cumplicidade e olhando a égua prenha ela a carinha e conversa com o animal\, como se fosse uma pessoa amiga.

Aurélio entra na estrada de terra, próxima à fazenda e dá carona para um senhor que caminhava a pé pela estrada empoeirada. Ele se apresenta ao doutor e conta o assunto do momento, como manchete do dia:

__ Dona Pilar é uma mulher maravilhosa\, ela cuida da mãe e dos irmãos. Ainda ajuda todos os moradores da comunidade. Ela trata das crianças da APAE\, como se fossem os seus filhos. Ajuda o asilo e o hospital\, com as suas arrecadações nas feiras e os jantares beneficentes. Todos ficaram tristes quando souberam que o seu consultório pegou fogo. Falaram que ela ficou desesperada e entrou até nas chamas para salvar os animais do sítio. __ O velho aumenta\, mas não inventa\, falando a respeito da jovem veterinária\, com orgulho e atiçando ainda mais a curiosidade do médico que só ouviu falar nessa mulher desde que chegou na cidade.

__ Falando nela\, olha ela lá! __ Diz o senhor\, apontando para a mulher que cavalga a frente do carro\, na pastagem ao lado da estrada. Os seus cabelos longos e cacheados\, voam com o vento\, curtindo a liberdade do animal que precisava esparecer os seus medos e traumas.

Aurélio se encanta com a cena, mas não a reconhece. Pois o seu corpo de mulher e a sua estatura estão muito diferentes.

Ele acelera, tentando se aproximar, mas os galopes a distância e o brilho do sol que reluz no pelo negro do animal, não o deixa se aproximar e ofusca a silhueta da mulher misteriosa que desaparece das suas vistas, como uma miragem.

__ O senhor disse que aquela mulher é a senhorita Pilar? __ Aurélio pergunta e o homem o corrige.

__ Senhorita\, não! Dona Pilar\, ela tem uma filha e ouvi dizer que é a namorada do futuro prefeito. __ A sua resposta\, deu-lhe um nó na cabeça\, pois pensou que ela fosse casada com o tal do Caio.

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