Resquícios do passado

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O festival de Royauté poderia garantir a colheita, mas os segredos de Angus e Evelyn ameaçavam lançar Morsaden num caos que nem os deuses poderiam, remediar.

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O festival de Royauté seguia com a pompa e esplendor que Morsaden esperava. As festividades ocupavam todo o reino, com as cores vibrantes das bandeiras ondulando ao vento, o cheiro doce de flores e ervas perfumadas preenchendo o ar, e a música ecoando pelos corredores do palácio. Mas para Piter, tudo aquilo era uma fachada. O peso de sua descoberta sobre Evelyn e Angus o consumia, e a única coisa que mantinha sua sanidade era o crescente sentimento por Emily, a mulher que ele jamais deveria desejar.

Os dias de festa passavam lentamente, e Piter se via cada vez mais incapaz de esconder o que sentia. Desde que descobriu a traição de Evelyn, sua mente se voltava para Emily. No fundo, ele sabia que sempre nutrira sentimentos por ela, mas nunca havia ousado admitir, nem para si mesmo. Ele era apenas um servo, um Mensageiro Real de Anthony, Rei de Ahort, em sua posição, e ela, a princesa de Ahort. Porém, as noites de insônia e os dias de inquietação tornaram impossível ignorar o que havia em seu coração.

Naquela tarde, o segundo dia do festival chegava ao fim, e o palácio estava em êxtase, preparando-se para o banquete noturno que marcaria o penúltimo dia de Royauté. O clima festivo contrastava com a agitação interna de Piter. Ele sabia que precisava falar com Emily, confessar o que sentia, mesmo que isso custasse sua vida.

Ele a encontrou em um dos jardins mais afastados do palácio, onde flores de lavanda e jasmim preenchiam o ar com seu perfume doce. Emily estava sozinha, observando o céu crepuscular que se tingia de laranja e roxo, seus pensamentos pareciam distantes. Talvez ela estivesse refletindo sobre tudo o que havia descoberto naqueles últimos dias, ou talvez, como ele, estivesse sentindo o peso de um reino que pendia na balança.

Piter hesitou por um momento antes de se aproximar. Suas mãos estavam trêmulas, seu coração acelerado. Ele sabia que aquela conversa mudaria tudo entre eles.

— Princesa. Ele chamou, sua voz firme, mas com uma ponta de nervosismo.

Emily virou-se lentamente, surpresa ao vê-lo ali. Ela esboçou um pequeno sorriso, mas havia cansaço nos seus olhos.

— Piter, o que faz aqui? Não deveria estar com Angus? Perguntou, com a voz suave, mas curiosa.

Piter se aproximou mais, até estar a poucos passos dela. Ele respirou fundo, lutando contra a ansiedade crescente.

— Eu precisava falar com você... a sós.

Emily franziu a testa, notando a seriedade em sua voz. Ela acenou levemente, indicando que ele continuasse.

— Emily... Ele começou, hesitando em usar o seu nome de forma tão íntima. Mas aquela confissão não poderia ser formal, não poderia ser distante.

— Desde que o festival começou, algo tem me atormentado. Algo que, na verdade, já me atormenta há muito mais tempo.

Ela estreitou os olhos, a preocupação surgindo no seu semblante.

— O que aconteceu, Piter?

Ele engoliu em seco, sentindo a pressão aumentar. Aquela era a única oportunidade que ele teria, e não poderia desperdiçá-la.

— Eu descobri algo sobre Evelyn... algo terrível. Mas antes que eu possa te contar o que realmente está acontecendo, eu preciso... eu preciso ser honesto com você sobre algo mais pessoal.

Emily cruzou os braços, agora visivelmente mais cautelosa, mas curiosa.

— Pode falar.

— Desde que fui trazido ao palácio, desde que o Rei Anthony fez-me escravo de Angus, eu nunca acreditei que ainda pudesse sentir algo além de raiva, além de dor.

— Piter fez uma pausa, tentando organizar os seus pensamentos.

— Mas você, Emily... você sempre esteve presente. Mesmo sem perceber, você trouxe um pouco de luz para a escuridão em que eu estava mergulhado. E, ao longo do tempo, eu percebi que... eu estava me apaixonando por você.

Emily arregalou os olhos, surpresa com a confissão repentina.

— Piter...

— Eu sei que isso parece loucura. Ele continuou rapidamente, temendo que ela o interrompesse antes de terminar.

— Sei que sou apenas um escravo, um homem sem títulos ou riqueza. Sei que sou o último que deveria ousar ter esses sentimentos por você. Mas eu não posso mais ficar calado. Eu te amo, Emily. E não importa o que aconteça, quando este festival terminar, eu vou lutar por você. Não vou permitir que Angus, ou Evelyn, ou qualquer outra pessoa, continue manipulando sua vida.

Emily deu um passo para trás, processando as palavras de Piter. Ela não sabia o que dizer. Parte dela queria negar, afastar aquele sentimento, mas outra parte sentia o peso da sinceridade nas palavras dele. Ela sabia que algo entre eles havia mudado desde que ele retornara ao palácio. Mesmo que tentasse ignorar, sempre havia uma tensão, uma conexão que ela não conseguia explicar.

— Você... você realmente sente isso. Perguntou ela, a voz vacilante.

Piter assentiu, seus olhos fixos nos dela.

— Mais do que qualquer coisa. Eu pensei que estivesse preso nesse destino terrível, mas agora vejo que a pior prisão é manter esses sentimentos dentro de mim, sem te contar a verdade.

Emily virou-se, olhando para o horizonte, o coração acelerado.

— Eu... não sei o que dizer, Piter. Minha vida está tão cheia de intrigas, de responsabilidades. Angus, o trono... tudo parece uma prisão, e agora isso...

Piter deu um passo à frente, mas não a tocou, mantendo uma distância respeitosa.

— Eu não estou te pedindo uma resposta agora, Emily. Só precisava que soubesse o que sinto. E quando o festival acabar, quando os deuses enviarem a chuva e o reino estiver em paz, eu vou lutar por você, não importa o que aconteça. Angus pode ter poder, mas ele não tem o meu coração. E o meu coração pertence a você.

Emily virou-se para ele, os olhos brilhando com uma mistura de emoções. O homem que amava desde sua adolescência, quando descobriu o amor, agora estava se declarando para ela, talvez fosse um pouco tarde, mas isso era tudo que ela sempre quis ouvir, do mensageiro real de seu pai, que havia roubado seu coração.

— Piter, você não sabe no que está se metendo. Angus não vai permitir que isso aconteça. Se ele descobrir...

— Eu não me importo com o que ele fará. Piter respondeu, sua voz cheia de determinação.

— Eu vou lutar, Emily. Mesmo que isso me custe a vida.

Ela suspirou, sentindo o peso daquela promessa. A incerteza do futuro pairava sobre eles, como uma tempestade prestes a desabar. Mas naquele momento, sob o céu tingido de laranja e roxo, algo havia mudado entre eles.

O festival de Royauté continuaria, e as aparências seriam mantidas. Mas no coração de Piter e Emily, uma nova batalha estava apenas começando.

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