A Feirante
Ferry Plaza Farmers Market, San Francisco
A vida ficou bem difícil depois que me despedi das irmãs Clementina e Lucinda. Saí do orfanato onde passei dezenove anos da minha vida, e foi uma mudança drástica para mim. Naquele dia, eu tinha que me virar sozinha. As irmãs me deixaram ficar um ano a mais no orfanato, já que o normal era sair aos dezoito. Implorei tanto para que me deixassem ficar, que acabaram me escondendo por mais um ano, até que a bruxa da Cármen descobriu que eu dormia no quarto da irmã Clementina.
— Menina, quanto está o quilo da batata?
— Quatro e oitenta, minha senhora.
— Vou querer três quilos!
— Agora mesmo. — Respondo, pesando as batatas, embalando-as e entregando-as rapidamente.
— Obrigada, senhora!
— De nada.
A cliente se vai.
— Promoção na barraca da tia Jô! Venham, freguesia! Aqui na barraca da Jô tem legumes fresquinhos e de boa qualidade!
— Estamos na desvantagem, hein, Beth! Linda desse jeito, os fregueses vão todos para sua barraca.
— Eu não tenho culpa de ter nascido linda, nem de ser uma boa e talentosa feirante — retruquei, rindo.
— Se aceitar se casar comigo, você venderia seus próprios legumes e não precisaria mais trabalhar para a dona Jô.
Revirei os olhos e ri da proposta absurda.
— Eu sou muito nova para me casar, Nick. Acabei de completar vinte anos.
— Devia pensar nisso. Sou um homem bonito, másculo, e cuidaria de você como uma princesa.
— Bonito você é, mas não o suficiente para me fazer cometer a loucura de me casar tão jovem.
— Não me maltrata desse jeito. Sabe que meu coração é seu.
Suspirei, fingindo tédio.
— Tô devolvendo o seu coração. Não quero, já tenho o meu, e ele está funcionando muito bem.
Nick, como sempre, insistiu na brincadeira e tentou colocar a mão no meu peito. Peguei uma cenoura e bati na cabeça dele antes que conseguisse.
— Ai, Beth, isso dói!
— É para você parar de ser atrevido. Na próxima, eu vou enfiar essa cenoura no seu... você sabe onde.
— Eu estava brincando, Beth.
— Não gosto desse tipo de brincadeira. Vai para a sua barraca!
Ele sorriu, como se eu tivesse dito algo engraçado.
— É isso que me deixa louco: esse seu jeito mandão e selvagem.
— Não me provoca, Nick — falei, levantando o punho como se fosse socá-lo.
Nesse momento, dona Jô se aproximou, percebendo a cena.
— Para de importunar a menina, Nick.
— Ah, dona Jô! Eu amo a Beth, e ela só me bate e me despreza.
— Quem manda ser bobo! — respondeu dona Jô, balançando a cabeça.
Nick é um bom rapaz. Vive me chamando para sair e já se declarou para mim várias vezes. Mas, para ser sincera, não sinto nada por ele além de um carinho de amiga. Dona Jô, a dona da barraca onde trabalho, é prima da irmã Clementina. Quando a Cármen descobriu que Clementina me deixava morar no orfanato, fui expulsa. Sem ter para onde ir, Clementina pediu a Jô que me alugasse um quarto em sua casa. Em troca, comecei a trabalhar na barraca dela.
— Pode ir, menina. Eu guardo tudo aqui — disse dona Jô, quando começamos a fechar a barraca.
— Nem pensar, dona Jô. Eu vou ajudá-la a guardar as coisas.
— Vai! Não vai querer se atrasar no seu primeiro dia na faculdade!
Eu relutei um pouco, mas acabei cedendo.
— Tudo bem. Tchau, dona Jô — falei, dando um beijo no rosto dela.
— E eu? — perguntou Nick, esperançoso.
— Tá bom, feche os olhos. — Ele obedeceu, e eu aproveitei para sair correndo, deixando-o plantado ali.
Já um pouco afastada, ouvi ele gritar:
— Você é muito malvada!
Mostrei a língua para ele enquanto corria. Estava tão ansiosa para o meu primeiro dia na faculdade! Ganhei uma bolsa de estudos para cursar Letras e queria ser uma grande escritora. Muitas vezes me peguei sonhando com fãs apaixonados pelos meus romances.
Depois de tomar banho, fui procurar uma roupa decente, mas só encontrei trapos.
— Mamãe comprou um vestido lindo para o seu primeiro dia na faculdade — disse Heloísa, aparecendo na porta do meu quarto com uma sacola na mão.
— Ah, não precisava, Helo.
— Precisava, sim. Toma, é seu. Você merece, Beth!
Peguei a sacola e a abracei forte. Heloísa sempre me tratou como uma irmã.
Dentro da sacola, havia um vestido branco com pequenas flores lilases, mangas caídas e um leve rodado. Vesti o vestido, prendi parte do cabelo para trás e fiz uma maquiagem leve, destacando os lábios com um batom vermelho.
— Está linda, Elisabeth! — elogiou Heloísa.
— Ah, obrigada, Helo!
Depois de me despedir dela, corri para pegar o ônibus. Olhando o relógio, percebi que estava uns vinte minutos atrasada.
A ansiedade tomou conta de mim. Hoje seria o primeiro passo para realizar meu sonho. Quando saí do ônibus, corri para atravessar a rua, mas fui surpreendida por um farol bem forte que quase me cegou. Uma buzina alta soou, e meu sangue pareceu congelar. Não acredito que vou morrer antes de realizar meu sonho!
Por sorte, o carro freou e desviou por milímetros. A porta se abriu, e um homem saiu. Ele era simplesmente deslumbrante, como se tivesse saído de um filme.
Ele se aproximou, visivelmente irritado.
— A sua mãe não lhe ensinou que tem que respeitar os sinais de trânsito? Se o sinal está vermelho, você não atravessa!
Revirei os olhos, ainda atordoada.
— Olha aqui, bonitão! Para começar, eu não tenho mãe. E sua sorte é que estou atrasada para meu primeiro dia de aula. Então, não vou perder meu tempo mostrando do que sou capaz quando alguém acha que pode gritar comigo. E, para terminar: vá à merda!
Saí andando, mas ele gritou:
— Sua maluca!
Aquilo me deixou furiosa. Vi um pedaço de paralelepípedo, peguei e arremessei no carro dele. O vidro quebrou, e minha única reação foi correr para dentro da universidade.
— Sua doida, você vai pagar por isso! Eu vou achar você! — ele gritou.
Dentro da universidade, comecei a rir sozinha da minha travessura.
— Do que está rindo? — perguntou um rapaz com cara de nerd.
— Eu sou maluca! — respondi, rindo ainda mais.
— Prazer, maluquinha. Eu sou o Gustavo. E você, qual o seu nome?
— Elisabeth — respondi, estendendo a mão. Ele apertou minha mão com um sorriso.
Acho que já fiz um amigo.
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Atualizado até capítulo 58
Comments
Olhos de Girassol
que pena que ela não deu uma chance pro Nick. já estou gostando da história. espero que eles se encontrem mais vezs
2025-03-05
1
Juliana Vicentina da Costa Nerys
Iniciando a leitura 06/07/2025, já li uma obra sua e gostei muito "A princesa na Turquia".
2025-07-06
0
Deuza Silva
começando a ler agora parece que é bonita essa história vamos ver se é mesmo
2025-05-02
0