capítulo 6

Ainda no beco, ponderando sobre o que fazer, concluí que ainda era cedo para ir a Sulgá. Decidi agir como qualquer humano faria, apesar de começar a achar que estava ficando louca. Retornei à loja e tive um dia de trabalho peculiar. Realizei algumas vendas, forçando simpatia com cada mulher que entrava, mentindo descaradamente sobre como as roupas ficavam ótimas nelas. Descobri que os humanos preferem ouvir o que desejam, mesmo que seja uma mentira. Assim, mantive a simpatia, apesar de detestar profundamente aquele emprego.

Ao final desse dia, pela primeira vez, desejei ansiosamente minha cama. Ansiava por não ter que sorrir mais, ser simpática, e só queria deitar em meu refúgio e refletir sobre os motivos que me levavam a me torturar com a convivência com esses seres.

Cheguei em casa, tomei um banho e fiz um café. Mesmo tentando assistir algo na TV para distrair minha mente, a desconexão com o que se passava na tela revelava minha ansiedade. Desliguei o aparelho e, sem demora, me dirigi à cama. O cansaço físico e emocional ansiava por refúgio no sono.

Após cerca de três horas de sono profundo, um brilho laranja intenso rasgou a escuridão do meu quarto, rompendo a tranquilidade noturna. Ao abrir os olhos para essa luz penetrante, fui tomada por um grito involuntário, enquanto meu corpo se encolhia reflexivamente sob a proteção da coberta. A luminosidade invasiva lançava sombras distorcidas pelas paredes, e eu sentia meu coração pulsar descompassado.

O quarto, mergulhado nessa luminosidade alienígena, parecia um espaço surreal e ameaçador. Nesse momento, a fragilidade da minha condição humana diante do desconhecido tornou-se palpável. A tentação de recorrer aos meus poderes como uma resposta instintiva à ameaça crescia, mas resisti. Manter a calma tornou-se uma batalha interna, uma vez que a incerteza e o medo se entrelaçavam em meu peito, como se desafiassem minha determinação.

Aos poucos, a intensidade da luz foi diminuindo, e mesmo percebendo seu enfraquecimento, resisti à tentação de olhar. Contudo, a curiosidade venceu minha determinação, e pela pequena fresta da coberta, me deparei com a presença imponente de um ser transcendental. Seu corpo resplandecia na luz laranja, seus cabelos e unhas eram negros, criando uma aura que lembrava chamas, mas sem consumi-la. Havia uma beleza sobrenatural nela, uma expressão que escapava às explicações convencionais.

Imersa nesse espetáculo, percebi que não estava sozinha no quarto. O ser dirigiu-se a mim com uma voz doce, ecoando através da escuridão.

— Querida Lua, estou aqui para oficializar seu chamado. Você é uma das humanas especiais, dotada de habilidades únicas, capazes de moldar o mundo para melhor. — Ao colocar os pés no chão, sua pele transformou-se de laranja para morena, revelando uma metamorfose que desafiava a compreensão.

Com a cabeça ainda coberta, ouvi suas palavras e questionamentos sobre minha vida entre os humanos. A entidade revelou-se como Izaly, uma Guardiã de sulgá, encarregada de treinar jovens bruxas para a proteção tanto dos humanos quanto de sulgá.

— Deixe sua vida em ordem entre os humanos. Em uma semana, você iniciará seu treinamento em sulgá. — Sua voz, serena como a calma de um riacho, transmitia uma determinação inabalável.

— O quê? Como? Pra onde? Quem é você? Como invadiu minha casa?

Disparei uma torrente de perguntas, não por ignorância, mas para dissimular medo e nervosismo. Entretanto, antes que pudesse obter respostas, Izaly desapareceu diante dos meus olhos, deixando-me em um quarto agora imerso na escuridão.

Movida pela necessidade de compreender o que sulgá sabia sobre mim, mergulhei no banco de dados, desvendando informações que ecoavam a narrativa fictícia que criei. Lá, constava que nasci humana e que meus pais, Samanta e Israel, foram brutalmente assassinados por assaltantes quando eu tinha dezessete anos. A versão que apresentei à polícia, de estar com uma amiga no momento do crime, estava meticulosamente reproduzida.

Cada detalhe da minha vida, dos meus pais fictícios à minha atuação como guarda florestal, estava registrado. No entanto, havia algo mais profundo e invasivo: sulgá sabia da minha solidão, do vazio que permeava meus dias, e até mesmo da fachada de distração que eu construí. Descobrir que sulgá selecionava indivíduos sem laços, sem família, fez meu coração acelerar de raiva. A realização de que eles retiravam a escolha, arrancando seres humanos que não deixariam falta, amplificou meu sentimento de indignação.

Entre lágrimas que queimavam minha pele, refleti sobre a invasão da minha privacidade, sobre como eles escarafunchavam cada pedaço da minha existência. Sentia-me vulnerável e exposta diante dessa entidade que ousava manipular vidas humanas como se fossem peças de um jogo. A intensidade da emoção, misturada com a percepção da traição, criava uma tempestade interna que clamava por justiça.

Com as lágrimas secas e um novo entendimento, percebi que correr riscos na floresta não era apenas um requisito, mas a cereja do bolo para manter a farsa. Ao longo dos últimos oito anos, mantive a tradição de acampar uma vez por ano, ocultando meus verdadeiros segredos. Era crucial parecer o mais humana possível, mesmo diante dos meus próprios mistérios.

O encontro com Izaly, a guardiã de sulgá, trouxe uma inesperada confiança. O fato de ela não ter percebido minha verdadeira natureza indicava que eu controlava minhas emoções e poder. A vontade de adentrar sulgá cresceu dentro de mim, e o improvável se tornou possível. Não precisava depender da sorte para ir para lá; bastava ser quem eu era, uma gestrice solitária, com aparência humana e ausência de vínculos. Assim como eu os buscava, sabia que, de alguma forma, eles viriam atrás de mim.

Fechei meu computador, tentando retomar o sono, pois ainda tinha um plano a seguir. A floresta aguardava minha presença, e eu precisava descobrir se Filipe apareceria em cinco dias, movido pela curiosidade ou pelo interesse. O jogo estava apenas começando, e eu estava determinada a jogar do meu jeito.

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