outro mundo

-Isso está errado! Por quê eu não via essa floresta de pedra lá no bosque? Por que só estou vendo agora?

Ghottic começou a sentir a ansiedade se infiltrando em sua mente, uma confusão turvando seus pensamentos. Seu coração batia acelerado, e calafrios percorriam seu corpo enquanto mal percebia o pássaro gigante pousar suavemente no chão, em uma mata próxima à uma trilha.

- quer ajuda?

Iwa desceu do enorme pássaro com uma expressão curiosa estampada no rosto, enquanto estendia sua mão para ajudar Ghottic a descer do pássaro místico. Seus olhos buscavam respostas na face da bruxa, mas ela permanecia em silêncio, perdida em seus pensamentos tumultuados.

Ghottic sentiu o peso da incerteza sobre seus ombros enquanto aceitava a ajuda de Iwa para descer do tucano. Cada movimento era lento e cauteloso, como se estivesse caminhando por um terreno desconhecido. Seu olhar vagueava pela paisagem distorcida diante dela, tentando encontrar algum vestígio de familiaridade naquela nova e estranha realidade.

- Ghottic? Você tá bem?

O ruivo se aproximou dela com cuidado, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Ghottic começou a gritar de repente. Seus gritos ecoaram pela floresta, revelando sua agitação e confusão internas. Lágrimas de desespero escorriam sem controle de seus olhos, traçando trilhas brilhantes em suas bochechas pálidas. O medo e a incerteza se misturavam em sua expressão, enquanto ela lutava para compreender a surrealidade do que estava diante de seus olhos.

- Beko! Eu não tô bem! Minha vida inteira aquele domo me mostrava algo que não existia! E agora tem toda uma civilização de humanos tão perto de mim e não sabia de nada!

Ela vira para o enorme pássaro e começa a gritar com ele

- Por que você mentiu pra mim? Por que?!

O pássaro obviamente não respondeu, apenas a olhou de forma neutra, com seus olhos brilhantes refletindo a tristeza que emanava de Ghottic. A mente da bruxa formigava com uma confusão avassaladora, com pensamentos competindo por espaço em sua cabeça. Ela se viu dominada pelo desespero e caiu de joelhos no chão, começando a chorar compulsivamente. Seus soluços ecoavam pela floresta, misturando-se com os sons da natureza distorcida ao seu redor. Com mãos trêmulas, ela socava a terra fria, como se buscasse encontrar alguma resposta ou alívio na dor física. Iwa, perplexo diante da cena, não entendia totalmente o desespero de Ghottic, mas sua vontade de confortá-la era evidente. Ele se aproximou dela com cuidado, pronto para oferecer o apoio que ela tão desesperadamente precisava, mesmo que não compreendesse totalmente o motivo de seu sofrimento.

- ei...Ghottic, relaxa, hoje foi um dia cheio e...

A dor de Ghottic ecoava pela clareira, seus gritos penetravam o silêncio da floresta como uma sinfonia de agonia, cada nota carregada de desespero. Seu corpo contorcia-se no chão úmido, como se fosse subjugado por uma força invisível e cruel. Iwa, horrorizado, observava as mudanças abruptas que ocorriam diante de seus olhos, impotente diante da transformação dolorosa de sua amiga. As orelhas pontiagudas de Ghottic, uma vez símbolo de sua natureza mística, encolhiam diante de seus olhos, perdendo sua forma característica e assumindo uma aparência frágil e deformada. A costura em seu olho, antes estável e discreta, agora mostrava sinais de deterioração, inchando e se abrindo lentamente como uma ferida exposta, lançando uma sombra de desespero sobre o coração de Iwa. Ele se sentia atordoado e impotente diante do sofrimento de Ghottic, incapaz de compreender totalmente o que estava acontecendo ou como ajudá-la.

- que porra é essa??

As contrações musculares ecoavam como uma trilha sonora para a transformação que ocorria. Ghottic, antes uma figura mágica, assumia uma aparência mais humana, mas não era essa transformação que deixava iwa perplexo. Era a visão dolorosa daquela cena grotesca.

- Ghottic! Precisamos de um hospital! Agora!

A bruxa disse nada, estava abalada física e mentalmente de mais para reagir a qualquer coisa, sua mente estava em branco, ela apenas suspirou e sentiu o rapaz levantar ela, O enorme pássaro, vendo tudo aquilo nada fez, apenas retirou de seu corpo brilhante uma pena pequena enrolada em um colar, aquele era o último presente de Aren antes de partir para sempre. O tucano gigante deu gentilmente aquele colar para Iwa, que logo guardou no bolso, ele não sabia para o que aquilo era, mas sabia que não o pertencia.

- tchau carinha...queria ter te conhecido melhor.

Com um nó na garganta e lágrimas nos olhos, Iwa viu aquele enorme pássaro levantar voo e acompanhou seu bater de asas até o céu, onde assim, sumiu entre as nuvens brancas no infinito de mar azul. Descansando naquele lugar calmo, Aren para sempre se recordará dos bons momentos que teve com sua tão amada e querida Alase.

Iwa suspirou e olhou para Ghottic, que estava quieta, quase em estado catatônico, ela precisava descansar seu corpo e sua mente, O ruivo também precisava, mas antes disso teria que andar por uma trilha com seu joelho fora do lugar.

- Socorro!

Gritou Iwa pela trilha, na esperança de alguém achar eles, mas sua voz ecoava da mesma forma que um grito se propagava num abismo, ninguém respondia.

- Preciso de ajuda! Socorro!

Quanto mais ele andava, mais ele sentia que suas pernas iam desabar, mas ele precisava continuar, ele precisava salvar sua vida, a de Ghottic e honrar o esforço de Aren.

- Alguém me ajuda!!!!

Iwa gritou com toda a força de seus pulmões antes de suas pernas falharem e ele cair de joelhos no chão, Ghottic estava em seus braços e apenas o olhou, aquele maldito olhar cinza, sem vida, sem esperança. Com suas pernas fracas, o ruivo começou a pensar em tudo que lhe desse raiva, para conseguir sair daquela maldita trilha na força do ódio.

- Pensa Isaac, pensa nas vezes que você comeu coxinha ressecada, na Ana Eduarda falando que é baixinha, no dia que o Tompero comeu seu chinelo do Botafogo, no...

Iwa levantou e vermelho de raiva, ajeitou Ghottic nos seus braços e começou a andar, ignorando o fato de que sua perna estava estalando e fazendo muito barulho a cada passo que ele dava, mas sua raiva era tanta que ele conseguiu caminhar

...meu Deus eu realmente odeio quando uso meia molhada, andar com meia molhada é uma merda, caramba como eu odeio por meias molhadas no pé!.

Uma ansiedade tomou conta de seu corpo quando o rapaz começou a ouvir barulhos ao longe, não sabia o que era, mas era alguma coisa, logo, ele começou a andar mais rápido, mas sua perna começou a doer cada vez mais.

- Socorro! Socorro! Socorro!

Gritou Iwa múltiplas vezes, para chamar atenção do que fosse aquilo, entre as árvores ele já podia ver os parapeitos de madeira do final da trilha, seu coração acelerou, ele estava ansioso, ele iria sair dali.

- Me ajuda! Por favor!

Ele gritou, sorrindo, com lágrimas quentes escorrendo de seu rosto e caindo no corpo da bruxa, a animação tomou conta de seu corpo, ele finalmente ia sair dali.

- acho que tem alguém na trilha

- alguém ouviu isso?

- acho que tem alguém ferido

- pode ser uma pegadinha

- será que é alguém gravando vídeo?

- e se alguém estiver em perigo?

Iwa podia ouvir algumas conversas paralelas ao longe, ele não desistiu, o rapaz parou de caminhar, seu corpo não aguentava mais, ele sentou no chão com Ghottic em seus braços, respirou fundo e gritou uma última vez.

- Por favor me ajudem! Eu e minha amiga estamos feridos! Socorro!.

O ruivo abaixou a cabeça e abraçou Ghottic, sorrindo em alívio e chorando desesperadamente ao ouvir passos em sua direção. Logo, ele começou a sentir o quão seu corpo doía, o quão sua mente estava chiando e o quão seu coração estava acelerado.

Os barulhos aos poucos foram se misturando, primeiro passos, depois algumas vozes cochichando e gritando. A mente do ruivo estava tão dormente que só conseguia prestar atenção em Ghottic, que ainda o olhava de forma vazia, mas agora com um leve sorriso no rosto. Ele não sabe o que aconteceu, não sabe se alguém viu ele lá, não sabe se o acharam por acaso ou por causa dos gritos, só sabia que estava bem, são em salvo e aliviado.

- senhor? Senhor!

Sua mente parou de formigar quando percebeu uma forte luz em seus olhos, duas guardas estavam em sua frente, atrás delas uma multidão curiosa tentava entender o que estava acontecendo.

- sim?

Perguntou o ruivo ainda desorientado, um cobertor estava enrolado em seu corpo e Ghottic estava sentada ao seu lado olhando para baixo.

- senhor, pode nos dizer seu nome? Sabe onde está?

- ahm...eu...

O garoto respirou fundo e fechou os olhos, tentando encaixar as palavras em sua mente, logo, olhou para a guarda e respondeu com uma voz vazia.

- eu sou Isaac Kaji de Ramos, tenho 18 anos, meus pais são Antônia Gonçalves de Ramos e meu pai é Daishiro Kaji Nakagawa, eu moro no Jardins, em Seropédica e eu estou no parque da Tijuca.

- ótimo, ótimo! Consegue me dizer algo de sua amiga? Ela está em estado catatônico, não conseguimos falar com ela.

Disse a outra guarda, uma mulher baixinha e gorda, branca e de cacheados cabelos ruivos, que estavam escondidos presos debaixo de sua boina militar. Tudo o que Iwa dizia ela anotava em seu celular.

- bem, o nome dela é Ghottic...

O ruivo deu uma pausa, ele precisava pensar rápido, não sabia nada sobre a bruxa.

- Ghottic? Como se soletra?

Perguntou a guarda.

- G H O dois tês I C, Ghottic Kimyona Mendes, tem 17 anos também e mora numa casa móvel junto com...um grupo hippie.

- 17 anos? Preciso do nome dos responsáveis dela.

Perguntou a guarda seriamente, observando Iwa com julgamento.

- ahm...Alisson kimyona Costa e....Betina Mendes da Silva...

Iwa sorriu de canto, com seu coração acelerado, ele nunca achou que mentiria para alguém de autoridade, mas eram guardas de parque, o que poderiam fazer? A culpa não é dele, com certeza o prenderiam por uso de drogas caso ele falasse que entrou numa caverna de ametistas e conheceu uma bruxa que tinha um tucano falante, que virou um pássaro gigante feito de nuvens que salvou eles de uma besta-lobo de uma floresta mágica atemporal.

- hum...certo.

A guarda baixinha se afastou e a outra guarda colocou a mão no ombro do rapaz, ela era morena e possuía curtos cabelos negros, que combinavam com seus olhos âmbar.

- já chamei uma ambulância para vocês, poderia me passar o número de seus responsáveis? Os avisarei que estarão no UPA.

Iwa engoliu seco e disse o número de seus pais, para a Ghottic, apenas inventou uma desculpa de que o grupo hippe dela não usava celular, antes de terminar, a guarda pediu o documento dos dois, o ruivo entregou sua identidade sem problemas, mas ao pedir os de Ghottic, ele dá a desculpa que eles perderam alguns objetos na floresta e a carteira da bruxa era um desses objetos perdidos.

- certo. Obrigada por me informar.

A guarda não se afastou deles, observando o ruivo com desconfiança e ficou lá e esperou a ambulância chegar, o que demorou aproximadamente 40 minutos, nesse meio tempo alguns curiosos se aproximavam deles, tirando fotos ou cochichando, aquilo incomodou muito Iwa, ele se sentia uma aberração.

- Será que era disso que Aren queria tanto proteger Ghottic? Da sensação de se sentir uma aberração? Aí...eu só quero ir logo para casa.

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