gritaria

Se passou algumas luas desde o incidente na praia, Ghottic se isolou na casa de Iwa, o ruivo respeitou seu espaço mental e físico, mas ainda sim o observava de longe, até que não quinta noite, ele decidiu acolher o bruxe, se aproximando dele e o ouvindo. O mundo nunca esteve tão quieto, o vento soprava, mas não fazia estalos nas árvores, as pragas urbanas viviam, mas não existiam, a grama gritava, mas ninguém escutava. Ghottic estava sentade no quintal de Iwa, mais uma vez, observando o nada ao seu redor, elu estava parade como uma pedra, seus pés tocavam a gélida grama, que estava umedecida devido ao sereno.

- ei...esta frio aqui

Disse iwa, se aproximando e quebrando aquele vazio, ele trazia um cobertor em suas mãos e o colocou no ombro de Ghottic, que agradeceu com a cabeça, o ruivo, sentou ao seu lado e abraçou o bruxe de lado. O silêncio predominou por alguns segundos, com aquele vazio quase voltando.

- eu sinto a grama gritar...

Disse Ghottic suspirando, Iwa olhou para elu confuso, enquanto olhava os dedos do pé do bruxe se mexendo na grama

- ...A grama grita, mas...ninguém escuta, eu não escuto ela gritar, mas...eu sinto que ela está

O bruxe abaixa a cabeça e suspira novamente

- e se tudo isso foi um erro? E se eu desencadeei algo ao sair do bosque? E se...e se todo o universo estiver gritando e ninguém está ouvido?

O ruivo não estava entendendo sua filosofia, mas concordou com a cabeça, tentando acalma-lo, Iwa apenas escutou Ghottic.

- já faz dias desde que fui a praia e...desde então esses pesadelos de que estou me afogando no universo não param, eu não durmo a dias...A grama estava gritando e eu não consigo ouvir!

- o que significa isso? A grama está literalmente gritando?

Perguntou Iwa, querendo saber o que o bruxe dizia

- eu não sei...há coisas que são tão incompreensíveis que aquilo que é incompreensível não consegue compreender...

Ao olhar para Iwa, Ghottic percebeu que o garoto não entendeu nada que elu disse, suspirando ele reformulou sua frase

- quero dizer que...se eu sou complexa para você, se celtianos são incompreensíveis para humanos, há coisas que são complexas para os celtianos, que pros humanos são mais não compreensíveis ainda! Entende? Eu...eu consigo falar com os animais...ou melhor, conseguia...enfim, mas...

Ghottic dizia pausamente, pensando em suas palavras

- ...mas há coisas que eu não compreendo, Mas que Alika compreendia, ela conhecia a linguagem elemental, que...é muito mais antiga que a linguagem celtiana, ela ouvia a grama gritar, o fogo tremer, o ar assobiar e a água chorar; parece estranho, mas..Os mais sábios celtianos sabiam se comunicar com os elementos e...A última vez que a grama gritou...

Ghottic engoliu seco, sua voz começou a tremular junto com suas mãos, o ar pareceu ficar mais frio, o clima mais pesado e Iwa jurou que pode ouvir sua sombra tremer.

- o que aconteceu quando a grama gritou?

Perguntou o ruivo calmamente, mas se arrependeu ao ver o olho de Ghottic cheio de lágrimas e com uma voz fria como a de um morto, elu sibilou palavras que fez o vento parar.

- minha espécie foi extinta.

O ruivo prendeu a respiração, seu corpo arrepiou por completo, ele arregalou os olhos, todo o calor de seu corpo parecia ter saído de uma hora para outra, ele sentia que as estrelas o encaravam e sua alma gritava.

- quando Alika ouviu a grama gritar, os humanos invadiram nosso bosque com roupas verdes e galhos barulhentos, não pudemos fazer nada pois estávamos fracos, não me lembro de muita coisa...apenas de eu estar sozinha no bosque pintado de vermelho, ele estava silencioso como o fundo do mar e tão morto quanto o universo...e...

Ghottic olhou para seus pés, logo, suspirou profundamente, Iwa estava tenso, olhando para elu com medo

- ...eu tenho medo de estar sentindo isso, e se algo estiver por vim?

Elu se questiona novamente, assim, olhando para o céu noturno, que estava repleto de estrelas, as mesmas pareciam zombar da existência quase nula de Ghottic e Iwa, aquele silencio era tão gritante, como se fosse muito melhor estar em um cemitério barulhento do que em um silencioso.

- as vezes...um e “se” é muito mais doloroso do que uma verdade nua e crua

Disse o bruxe, logo, olhando para Iwa com preocupação, o mesmo suspirou, logo abraçando Ghottic.

- eu entendo seu medo...quando eu era criança eu ficava nesse “e se” para tudo, “e se um meteoro cair na terra?”, “e se acontecer um tsunami?”, “e se acontecer uma invasão de robôs alienígenas?”, por mais poderose que você seja, Ghottic, há coisas que simplesmente não conseguimos controlar e esses “e se” que não nos envolvem como protagonistas, nós não podemos controlar. “e se algo muito ruim acontecer?” nós vamos deixar isso acontecer, já que não podemos controlar e logo, daremos um jeito de contornar, por mais que seja difícil ou impossível, você me entende?

O bruxe suspirou uma última vez e encostou sua cabeça no peito do rapaz

- eu...quero dormir...

O ruivo deu uma leve risada e esticou os braços, assim, com uma certa dificuldade encaixou Ghottic ali e levantou, assim, o levando no colo até dentro de casa.

- e se você dormir comigo hoje? Se tiver um pesadelo pode me abraçar.

Elu concordou com a cabeça, sentindo todo o cansaço pesar em seu corpo, naquele momento, Ghottic sentia que um embaralho de novelo de lã se desfez em sua mente, que estava muito mais leve. Mal sentiu quando o ruivo colocou elu em sua cama, não notou quando Iwa aconchegou elu e deitou ao seu lado.

- licença, por favor.

Disse ele de uma forma gentil, enquanto calmamente envolvia Ghottic em seus braços em um aconchegante abraço, logo, levando uma de suas mãos até sua cabeça e a acariciando. Naquele momento Ghottic pode sentir o calor do corpo de Iwa, que era completamente acolhedor, aquele calor tomou conta de seu corpo e como uma flor após o entardecer, o bruxe adormeceu levemente, depois de dias com a mente pesada e bagunçada, elu finalmente pode descansar, tentando por na sua cabeça que, realmente, há algumas coisas que elu não podia controlar, aquele aperto no peito, coração acelerado e mente formigando finalmente passaram junto com a grama gritando lá fora.

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