Escuridão, uma imensidão infinita de puro nada. Gelado e denso, como um mar infinito feito de magma frio, não há nada, não há luz, não há movimento, nem tato e nem luz. Esse mar treme de repente, vibrando como uma gelatina composta de medo líquido, esse tremor vem de todos os lugares, vem do nada e vem do tudo. Não dá para respirar, nem para ver ou sentir, sou apenas uma consciência flutuando em uma imensidão de nada. Após mais um tremor, como se uma criatura tivesse despertado, uma imensa luz verde-água ilumina aquele universo vazio. Mais um tremor, e outro, e outro, como se mil tsunamis atingissem aquela consciência flutuante. Depois de todos aqueles tremores, tudo parou, o universo voltou a ficar vazio, tirando aquela luz brilhante como mil sois verdes, aquele mar morto foi evaporado por um enorme rugido, tão alto, mas tão alto, que a vida de um planeta inteiro iria se esvair apenas de sentir a vibração desse rugido.
Ghottic acordou completamente arrepiada pelo contato com o chão gélido da floresta. Deitada ali, ela só conseguia olhar fixamente para frente, seus olhos ampliando a visão dos galhos retorcidos das árvores que balançavam violentamente sob a força de uma tempestade iminente. O céu, nublado e escuro como breu, refletia a turbulência do seu próprio interior, enquanto nuvens carregadas de energia se amontoavam, prontas para despejar sua fúria sobre o bosque.
Naquele momento, a natureza estava em cólera, com o próprio bosque estando revoltado com a presença de Ghottic entre suas árvores milenares. O vento uivava entre os galhos, como um coro de lamentos ecoando pela densa vegetação, enquanto o chão tremia sob os pés da bruxa, com a própria terra se insurgindo contra sua presença indesejada.
- ah...
Por um momento, a garota percebeu apenas um silêncio opressivo ao seu redor, como se o mundo estivesse suspenso em expectativa. Nada além das próprias vibrações intensas parecia penetrar em sua consciência, pulsando em seu âmago com uma força avassaladora, como se o próprio universo estivesse gritando em sua direção.
Então, um zumbido mortal ecoou em sua mente, atravessando-a como uma lâmina afiada, enquanto lutava para se erguer do chão. Sua visão embaçada tornava tudo ainda mais confuso, as formas borradas se movendo diante de seus olhos como sombras distorcidas de uma realidade distante.
Nesse emaranhado de sensações e perguntas sem resposta, a bruxa lutava para entender o que estava acontecendo ao seu redor. As palavras de Aren ecoavam em sua mente, mas eram apenas murmúrios distantes em meio ao caos interior. Iwa, sentado à sua frente, parecia flutuar em uma névoa de confusão, seus olhos refletindo a mesma perplexidade que a dela.
Enquanto tentava decifrar o enigma que se desenrolava diante de seus olhos, Ghottic sentiu uma sensação úmida e quente escorrer por suas pernas, o líquido vermelho tingindo o chão ao seu redor. Uma onda de pânico a invadiu, mas foi rapidamente abafada pela névoa densa de confusão e dor que a envolvia. O frio cortante que a envolvia contrastava com o calor pulsante que emanava de suas feridas, uma dualidade de sensações que a deixava ainda mais atordoada.
- ah!...Ghottic!
Exclamou Iwa com uma voz fraca, que estava sentado naquele solo fétido e mortal. O seu rosto estava sangrando, completamente cortado, o seu olho estava roxo, assim como o seu nariz e todos os seus dedos. Naquele meio tempo que Ghottic estava desacordada, Aren, com seu enorme bico, tentou ao máximo ajudar o rapaz, socando e puxando os seus dedos para voltarem ao lugar, a única coisa que o pobre pássaro não conseguiu ajudar foi no joelho do rapaz, que estava completamente deslocado do seu ponto natural, parecia que a qualquer momento aquele osso ia saltar para fora da sua pele.
Gotthic olhava fixamente para suas pernas, em choque. A pele da sua coxa para baixo estava queimada e arranhada. Na região de seus joelhos e pés, cada ferida era uma boca faminta, pronta para devorar sua carne, até mesmo seus ossos expostos estavam banhados em um mar de sangue fresco. Enquanto o sangue escorria em finas linhas vermelhas, misturando-se com a sujeira do chão. O cheiro de carne queimada e sangue fresco impregnava o ar, deixando um gosto metálico na boca de Gotthic. Ela podia sentir a sensação de queimadura, como se estivesse sendo consumida por chamas invisíveis. Mas, estranhamente, sua pele ainda estava quente ao toque. Apesar das terríveis lesões, ela não sentia tanta dor. Aquela visão macabra era como um pesadelo cruel. Uma provação insuportável por ter provocado a natureza ao seu redor. Mas, mesmo em uma agonia insuportável, Ghottic sabia que precisava reunir forças para enfrentar o que estava por vir.
- o que...o que aconteceu?
Disse a bruxa num sopro, Aren voava a sua frente, ele estava assustado e não parava de bater as suas asas fortemente.
- aquilo era um...digi-olugbeja
Aren suspirou e pousou no solo perto das pernas da bruxa, ela o olhou atentamente, querendo entender aquilo.
- Alika o criou junto aos lobetes antes de partir...para te proteger do mundo exterior.
Aren abaixou a cabeça, sentindo o peso da tristeza se acumular em seu peito. Uma sensação quente e salgada escorreu por suas penas, marcando seu pequeno rosto com rastros úmidos. Cada lágrima carregava consigo o peso do medo e da preocupação, uma expressão silenciosa de sua angústia diante da situação.
O tucano fechou os olhos por um momento, permitindo-se sentir a emoção que transbordava dentro dele. Com cada gota de água que escapava de seus olhos levava consigo um fragmento de sua aflição, deixando um vazio doloroso em seu lugar.
- mas...acho que ela...queria te manter aqui...ela mentiu para mim...
Após sussurrar para si mesmo, o tucano olhou para o corpo deplorável de Ghottic e depois para Iwa
- minha alase...perdoe-me por te manter presa aqui por tanto tempo...agora é a hora de você ser livre...
Ghottic balançou a cabeça em negação, seu gesto carregado de frustração e desespero. Com um suspiro pesado, ela bateu as mãos no chão, a sensação áspera da terra sob suas palmas era um lembrete tangível de sua impotência diante da situação. O eco do impacto reverberou pelo bosque, um som solene que parecia ecoar a resignação da bruxa diante dos desafios que enfrentava.
- não tem como sair! Estamos muito feridos! Eu não consigo voar e o céu está muito escuro
O choro de Ghottic ecoava pelo bosque, um lamento angustiante que se misturava ao vento. Seu coração batia descompassado, como se tentasse escapar do peito em desespero. Cada lágrima que rolava por seu rosto marcava o caminho da dor que ela carregava consigo. Iwa, com dificuldade, arrastava-se até ela, suas roupas sujas de terra testemunhas do esforço para alcançá-la. Com mãos trêmulas, ele acariciava os cabelos de Ghottic, a única parte de seu corpo que permanecia ilesa, um gesto de conforto em meio à devastação que os cercava.
- ei! Nós vamos sair daqui! Eu consegui entrar, então tem como sair.
Com um sorriso tímido nos lábios, Iwa dirigiu seu olhar ao pássaro, seus olhos transmitindo uma mistura de gratidão e admiração pela criatura que os acompanhava.
- não é?
Aren suspirou profundamente, sentindo o peso da decisão sobre seus ombros. Seu olhar recaiu sobre Ghottic e Iwa, o coração apertado pela tristeza da situação, mas a convicção de que aquilo era o correto pulsava em seu peito.
- vou ajuda-los a sair daqui...
O pássaro voou até a garota e olhou no fundo de seus olhos
- ...Ghottic...eu amei cuidar de você por todos esses anos, esse mundo novo será desafiador, mas sei que você é forte como seus pais e sei que eles, juntos com nossos ancestrais, vão te guiar nessa jornada...eu estava esperando você fazer 300 anos para poder te contar tudo...mas...
Ghottic arqueou as sobrancelhas, surpresa estampada em seu rosto pálido. Seu coração, acelerado como um tambor frenético, parecia querer escapar do peito, batendo com tanta força que ecoava em seus ouvidos.
- tudo o que?
O pássaro balançou a cabeça em negação, mas um sorriso travesso dançava em seu bico enquanto ele observava Ghottic com olhos perspicazes. Sem hesitar, arrancou uma pena de sua asa com um gesto gracioso e, com movimentos precisos, desenhou o mesmo símbolo daquela besta no solo, com traços elegantes e fluidos.
- vou permitir que o próprio mundo te conte.
Com um sorriso no rosto, o pássaro bicou o próprio peito. E o sangue começou a jorrar, tingindo suas penas e tons rubros. Em seguida, ele se assentou calmamente sobre o símbolo desenho no solo. E com isso, uma luz dourada como o sol começou a pulsar. Como se a estrela da manhã emergisse da Terra. Ghottic e Iwa observaram com uma mistura de fascínio e apreensão, enquanto o pássaro era envolvido pela resplandecente luminosidade.
- ri e ni aye miiran, Alase Ghottic.¹
Uma última lágrima escorreu dos enormes olhos do tucano, refletindo a luz que o envolvia. Com um gesto gentil e determinado, a gigantesca massa brilhante emergiu do símbolo, expandindo-se até alcançar três metros de altura e cinco de largura, erguendo Ghottic e Iwa em seu interior antes mesmo de se formar completamente.
Enquanto o corpo do tucano começava a se fundir com a luz, ele realizou um último ato de bondade. Com o bico, agora uma pequena massa brilhante, ele dirigiu-se ao pescoço de Ghottic e retirou o colar de cristal dela com cuidado, sem que ela percebesse. O colar, junto com o cristal pendurado, caiu no solo e foi envolvido pela luz brilhante, desaparecendo dentro dela como a terra consome um corpo após a morte.
- Aren?!
Exclamou Ghottic, sua voz ecoando na vastidão de luzes que se estendiam abaixo deles. Ela procurava desesperadamente por seu companheiro de tantas aventuras, mas tudo o que via era um mar infinito de brilho e energia. Iwa, ao seu lado, parecia estar em transe, seus olhos capturando cada faísca luminosa como se estivesse imerso em um rio de estrelas, uma visão que nenhum ser humano jamais contemplara. O ar ao redor deles pulsava com uma energia desconhecida, fazendo com que cada respiração fosse uma experiência surreal e encantadora.
- Aren!?
Gritou a menina com toda a força de seus pulmões, ela chorava desesperadamente, mas suas lágrimas evaporavam e se transformavam em pequenas estrelas, que subiam ao céu. Já a alguns centímetros do chão, aquela massa tomou a forma de um enorme tucano, com olhos tão brilhantes quanto o sol, bico e patas feito de cristal e seu corpo era feito de nuvens, que tomavam a forma de enormes penas que tinham entre vinte e 80 centímetros. Aquele pássaro subiu aos céus junto aquela coluna de luz e assim que atingiu o céu o símbolo no chão parou de brilhar e a enorme ave começou a voar em direção ao horizonte.
Iwa abraçou a bruxa e a mesma fechou o olho, se preparando para o impacto do ar sólido, mas a ave passou da área da floresta como se fosse nada. Ghottic olhou para trás e viu aquelas mesmas ondas azuis antes de desmaiar tomando conta do céu da floresta, assim, formando o formato de um domo em volta.
- vale, ile mi².
Ghottic não sabia se sentia alegria, alívio ou tristeza, ela olhava para trás, observando aquele domo diminuir lentamente, ela não queria olhar para frente, ela queria voltar para sua casa.
- ghottic! Olha!
Exclamou iwa apontando para o horizonte, a bruxa se virou e seu olho se encheu de lágrimas quando ela viu o mar, o sol e a areia tão perto dela.
- ali! Dá para ver todo o bairro daqui!
O coração de Ghottic parecia congelar em seu peito ao seguir o gesto de Iwa e perceber a verdade diante de seus olhos. Ela piscou várias vezes, tentando assimilar a realidade distorcida que se revelava diante dela. A paisagem familiar da praia se transformara em uma floresta de pedra, uma visão surreal que desafiava tudo o que ela conhecia.
Uma onda de confusão, medo e ansiedade a envolveu, fazendo-a tremer levemente. Como poderia acreditar que o mundo lá fora era tão diferente do que ela imaginava? O domo que a cercava por centenas de anos escondia uma realidade completamente distinta, e essa descoberta abalava as bases de sua compreensão sobre o mundo. Perdida em um mar de dúvidas e incertezas, Ghottic sentiu-se mais vulnerável do que nunca.
...•dicionario celtiano•
...
...Ri e ni aye miiran: vejo você em outro mundo
...
...Vale, ile mi: adeus, minha casa.
...
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Luna006
afe chorei
2023-09-19
1
Natalia Alves
Porque porque?desceu uma lagrima....nao queria que ele fosse....
2023-08-12
1
Ana pontel
MANO, já disse q adoro o fato de vc detalhar tão bem as cenas? isso me faz meio q "entrar no livro" sabe? é uma sensação tão incrível q nem sei explicar lkkkakzks alias tô no 5 cap e n consigo nem contar o tanto de vezes q eu surtei lendo, tem algumas cenas q realmente me pegam de jeito, como essa agr do aren----- ai chorei pra caramba lendo kkKzkkamzksksk
2023-07-24
1