O ar ainda vibrava com os últimos resquícios de magia. O silêncio que se seguiu era quase ensurdecedor. Mia piscou, sentindo o calor da energia ainda pulsando sob sua pele. O templo em ruínas ao redor dela parecia preso em um limbo entre o passado e o presente.
Davi ainda segurava sua adaga de prata, os olhos fixos nela como se tentasse decifrar um enigma impossível.
Ezra, por outro lado, parecia simplesmente divertido.
— Bem, bem… — Ele cruzou os braços, um sorriso malicioso brincando nos lábios. — Isso foi… inesperado.
Mia estreitou os olhos.
— Você não sabia que eu podia fazer isso?
Ezra riu baixinho, inclinando a cabeça de um jeito que a irritava profundamente.
— Digamos que eu imaginava. Mas ver é diferente de acreditar.
Davi bufou.
— Então nem você tem todas as respostas?
— Claro que não. — Ezra deu de ombros. — Isso não seria entediante?
Davi revirou os olhos.
— Sim, porque lutar contra sombras assassinas é algo super divertido.
Ezra apontou para ele.
— Isso é uma questão de perspectiva.
Mia suspirou.
— Foco, por favor?
Os dois ficaram em silêncio, como crianças pegas no meio de uma travessura.
Ela passou a mão pelo rosto. O poder ainda pulsava em seu corpo, inquieto, como um animal enjaulado. E o pior? Ela gostava dessa sensação. Era como se uma parte dela, antes adormecida, finalmente estivesse viva.
E isso a assustava.
— O que aconteceu comigo? — Sua voz saiu mais baixa do que pretendia.
Ezra a observou por um momento, e dessa vez não havia provocação em seu olhar.
— Você despertou.
Davi fechou a cara.
— E isso é algo bom?
Ezra sorriu, mas não respondeu.
Mia franziu o cenho.
— Ezra.
Ele suspirou teatralmente.
— Certo, certo. Querem a verdade? — Ele abriu os braços. — Eu não sei.
Davi arregalou os olhos.
— Como assim você não sabe?
— Exatamente como soa. — Ezra olhou para Mia. — Você não é como os outros. Nunca foi. Mas agora… você é algo novo. Algo que nem mesmo eu consigo prever.
Mia sentiu um arrepio.
— Isso não ajuda.
— Não era pra ajudar. Era pra ser interessante.
Davi fechou as mãos em punhos.
— Você brinca demais com coisas sérias.
Ezra deu um sorriso preguiçoso.
— E você se preocupa demais.
— Porque tem motivo!
Os dois voltaram a se encarar.
Mia suspirou e deu um passo adiante.
— Se eu sou nova… então preciso entender o que sou.
Ezra a analisou por um momento antes de sorrir.
— Agora estamos falando a mesma língua.
Davi resmungou algo sobre "péssimas ideias", mas Mia já havia tomado sua decisão.
Se um novo caminho tinha sido aberto, ela não podia mais ignorá-lo.
O problema era: onde esse caminho a levaria?
Mia respirou fundo, tentando ignorar a forma como Ezra a observava—com aquela expressão de quem já sabia o final do livro antes mesmo da primeira página.
Davi ainda parecia desconfortável. Ele ajeitou a adaga na cintura e cruzou os braços.
— Então, qual é o plano agora?
Ezra estalou os dedos, apontando para ele.
— Excelente pergunta, guardião da seriedade.
Davi revirou os olhos.
— Só responde.
Ezra sorriu de lado.
— Vamos testar os limites da nossa pequena estrela.
Mia arqueou uma sobrancelha.
— Nossa o quê?
— Estrela. Luz. Você brilha. Literalmente. — Ezra gesticulou no ar. — Pegou a referência ou preciso desenhar?
— Prefiro que pare de falar.
— Uh, direto ao ponto. Gosto disso.
Davi bufou.
— Mia, por favor, não entre no jogo dele.
Ela suspirou.
— Não estou entrando em jogo nenhum. Mas ele tem razão em uma coisa. — Seus olhos brilharam por um segundo. — Preciso entender o que aconteceu comigo.
Ezra bateu palmas.
— Excelente. Primeiro passo da aceitação. Vamos pular a parte da negação e ir direto para a prática?
Davi segurou o braço de Mia, seu olhar firme.
— Você tem certeza disso?
Ela hesitou por um instante. Mas então olhou para as próprias mãos, lembrando-se da explosão de luz dourada.
Havia algo dentro dela. Algo que não podia mais ser ignorado.
Ela soltou o braço dele com cuidado e assentiu.
— Tenho.
Ezra sorriu.
— Ótimo. Agora, me ataque.
Mia piscou.
— O quê?
— Você ouviu. Me ataque.
Davi arregalou os olhos.
— Isso é uma ideia horrível.
— Discordo. — Ezra deu um passo para trás e abriu os braços. — Se ela quer entender o próprio poder, precisa usá-lo.
Mia hesitou.
— E se eu machucar você?
Ezra sorriu, seus olhos brilhando com um desafio divertido.
— Tente.
Davi resmungou algo sobre "planos idiotas" enquanto Mia respirava fundo.
Ela concentrou-se, tentando sentir aquela mesma energia que pulsara dentro dela antes.
Nada.
Ezra ergueu uma sobrancelha.
— Está demorando.
— Cala a boca, estou me concentrando.
Ele sorriu ainda mais.
— Vamos lá, Mia. Você não pensou antes de fazer da última vez.
Mia franziu a testa. Ele tinha razão. Naquela vez, tudo aconteceu instintivamente.
Ela parou de pensar.
E sentiu.
A energia voltou, borbulhando sob sua pele.
Ela levantou a mão.
Um lampejo dourado brilhou em sua palma.
Ezra inclinou a cabeça, satisfeito.
— Agora sim.
Mia atirou a energia contra ele.
O brilho avançou rápido como um raio.
Mas, num piscar de olhos, Ezra desapareceu.
— Hã?
Ele reapareceu atrás dela, encostando um dedo em seu ombro.
— Devagar demais.
Mia se virou, atirando outra rajada. Ezra desviou de novo, rindo.
— Você precisa antecipar os movimentos, não reagir a eles.
Ela bufou.
— Fácil pra você dizer.
Davi cruzou os braços, observando em silêncio.
Ezra continuava a esquivar-se com uma facilidade irritante.
— Sua luz é forte, mas ainda está solta. — Ele se moveu rápido, chegando mais perto. — Controle, Mia. Controle é tudo.
Ela cerrou os punhos.
Controle.
Respirou fundo.
E sentiu a energia mudar.
Desta vez, quando atirou a luz, não foi em linha reta.
Ela se moveu como se tivesse vida própria, dobrando-se no ar.
Ezra arregalou os olhos.
E foi atingido em cheio.
A explosão de luz o jogou para trás.
Davi arregalou os olhos.
— Você acertou ele?
Ezra caiu sentado, piscando algumas vezes.
Então sorriu.
— Agora sim.
Mia ofegava, as mãos tremendo. Mas, pela primeira vez, sentiu que tinha controle.
Ezra se levantou, sacudindo a poeira das roupas.
— Muito bem, estrela. Parece que temos algo aqui.
Davi suspirou.
— Isso ainda é uma péssima ideia.
— É o que torna tudo mais divertido.
Mia olhou para as próprias mãos.
Ela estava no caminho certo.
Mas o que viria agora?
Ela não sabia.
Só sabia que não havia mais volta.
O silêncio pairou no ar por alguns segundos. O choque ainda estava estampado nos rostos de Davi e Ezra. Mia tentou ignorar o tremor sutil que percorria seus dedos.
Ela tinha conseguido.
Não foi apenas sorte. Dessa vez, ela controlou a energia.
Ezra massageou o ombro, ainda sorrindo como se tivesse ganhado um prêmio.
— Isso foi inesperado.
Davi não parecia impressionado.
— Ou você subestimou ela, ou finalmente percebeu que brincar com fogo pode te queimar.
Ezra riu.
— E se eu disser que foi um pouco dos dois?
Davi bufou.
— Por que exatamente estamos treinando?
Ezra cruzou os braços.
— Porque Mia precisa entender a si mesma antes que outra pessoa tente fazer isso por ela.
O tom dele mudou ligeiramente.
Mia sentiu um arrepio.
Davi percebeu também.
— Outra pessoa?
Ezra suspirou e olhou para o céu.
— Você acha que ninguém sentiu o que aconteceu no templo?
Mia franziu a testa.
— Você disse que eu libertei alguma coisa…
— Sim. E agora, minha cara, essa coisa pode estar procurando por você.
Davi ficou tenso.
— Você sabia disso o tempo todo e não nos contou?
Ezra deu de ombros.
— Eu preferia não estragar a surpresa.
Davi parecia pronto para esganá-lo.
Mia, por outro lado, sentiu uma pontada de medo misturada com… excitação?
Aquela energia dentro dela queria mais.
— Então o que fazemos agora?
Ezra inclinou a cabeça.
— Nós esperamos.
Davi cruzou os braços.
— Esperamos pelo quê?
Ezra sorriu, mas seus olhos estavam mais sérios.
— Para ver quem chega primeiro.
A Chegada
A espera não demorou muito.
Naquela mesma noite, Mia sentiu algo se aproximando.
Uma presença.
Ela acordou sobressaltada, o peito subindo e descendo rapidamente.
Davi e Ezra estavam em pé, tensos.
Do lado de fora, o vento uivava.
Mia sentiu um arrepio na espinha.
— Está aqui.
Ezra assentiu.
— Eu sei.
Davi já segurava sua adaga.
Mia olhou para suas próprias mãos.
A energia ainda estava ali, pulsando sob a pele.
Mas ela não sabia contra o quê iria usá-la.
O primeiro som veio como um sussurro no ar.
Depois, pés arrastando-se sobre as folhas secas.
Ezra respirou fundo.
— Acho que a visita chegou.
Uma sombra moveu-se na entrada da clareira.
Alto. Esbelto. Os olhos brilharam em um tom carmesim.
Mia sentiu seu estômago se revirar.
O estranho não parecia completamente humano.
— Mia… — A voz soou como um eco, vibrando no ar.
Ela sentiu um choque percorrer sua espinha.
A criatura sabia seu nome.
Davi rosnou, colocando-se entre ela e o desconhecido.
— Quem é você?
O estranho deu um passo à frente.
— Alguém que veio buscar o que lhe pertence.
Ezra sorriu de lado.
— Ah, essa eu quero ver.
Mia cerrou os punhos.
Ela não sabia quem era aquele ser.
Mas sabia que não deixaria ninguém tomar nada dela.
O Confronto
O estranho moveu-se rápido.
Tão rápido que foi apenas um borrão no ar.
Davi girou a adaga, tentando acertá-lo, mas foi lançado para trás com um simples movimento da mão da criatura.
Mia agiu por instinto.
Ela sentiu a luz antes de vê-la.
Uma rajada dourada explodiu de suas mãos, indo direto para o ser sombrio.
Mas ele não desapareceu como as sombras do templo.
A luz apenas o fez recuar um passo.
Mia ofegou.
— Não funcionou?
Ezra estreitou os olhos.
— Isso é novo.
O estranho ergueu uma das mãos.
A escuridão ao redor começou a se mexer.
Ela se contorcia como fumaça, formando correntes negras no ar.
Mia sentiu seu peito apertar.
Aquela coisa controlava a escuridão assim como ela controlava a luz.
Davi se levantou, cuspindo sangue.
— Isso é ruim.
Ezra não parecia tão preocupado.
— Ou interessante.
O estranho avançou novamente.
Mia respirou fundo.
Dessa vez, ela não atacaria com desespero.
Ela sentiria.
A luz voltou a crescer dentro dela.
Mas, em vez de lançar um ataque direto, Mia moldou a energia ao seu redor.
Ela absorveu a luz da lua, sentindo-a correr por suas veias.
A criatura hesitou.
— O que você está fazendo?
Mia abriu um sorriso.
— Descobrindo.
A luz mudou de forma.
Ela se tornou uma lâmina em suas mãos.
O estranho recuou um passo.
Ezra assobiou.
— Agora isso é interessante.
Mia sentiu a energia pulsar.
Ela não estava apenas soltando rajadas.
Ela controlava aquilo agora.
E quando o estranho tentou atacar novamente…
Mia foi mais rápida.
A lâmina de luz cortou o ar.
E atingiu seu alvo.
O ser sombrio gritou, cambaleando para trás.
A luz brilhou ainda mais forte.
E então…
Ele desapareceu.
O silêncio voltou à floresta.
Davi olhava para Mia como se estivesse vendo um fantasma.
Ezra parecia… genuinamente impressionado.
— Bem, bem, bem… parece que nossa estrela está se tornando uma constelação.
Mia respirou fundo.
Ela havia vencido.
Mas algo dentro dela dizia que aquilo era apenas o começo.
Afinal…
A escuridão sempre volta.
E agora, ela estava esperando.
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Atualizado até capítulo 100
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