capítulo 10

Tempestades Externas

O relacionamento entre Rafael e Miguel parecia estar encontrando um ritmo. Apesar dos altos e baixos, os dois estavam aprendendo a navegar juntos pelos desafios. Mas o mundo fora dessa bolha também tinha seus próprios testes a oferecer.

Tudo começou com um convite inesperado. Miguel recebeu um e-mail de uma ONG internacional que trabalhava com direitos LGBTQIA+, oferecendo a ele a oportunidade de liderar um projeto em outra cidade por seis meses. Era o tipo de trabalho que ele sempre sonhara, mas a decisão de aceitar ou não não seria tão simples.

Miguel trouxe o assunto à tona durante um jantar com Rafael.

— Eu recebi uma proposta de trabalho… é algo grande, algo que eu sempre quis fazer. Mas o problema é que o projeto é em outra cidade.

Rafael parou de cortar a comida e olhou para ele, surpreso.

— Outra cidade? Por quanto tempo?

— Seis meses.

Rafael tentou esconder a preocupação. Ele sabia o quanto essa oportunidade significava para Miguel, mas também temia o impacto que a distância poderia ter em um relacionamento que ainda estava em reconstrução.

— E o que você vai fazer?

Miguel hesitou.

— Eu quero aceitar, mas só se isso não colocar a gente em risco. Eu não quero perder o que estamos construindo, Rafa.

Rafael respirou fundo, sentindo o peso da decisão.

— Isso é algo que você quer há muito tempo, Miguel. Eu não vou ser o motivo para você desistir. Mas precisamos ser honestos. Vai ser difícil.

Enquanto Rafael processava a ideia da possível partida de Miguel, um fantasma de seu passado reapareceu: Gabriel, um ex-colega da faculdade, com quem Rafael teve um breve romance antes de conhecer Miguel.

Eles se encontraram por acaso em uma livraria. Gabriel parecia o mesmo de sempre, confiante e charmoso.

— Rafael? Não acredito! Quanto tempo!

Rafael sorriu educadamente, tentando não parecer desconfortável.

— Gabriel, que surpresa. Tudo bem com você?

Eles conversaram brevemente, mas Gabriel deixou claro que queria retomar contato.

— Precisamos marcar algo. Quem sabe um café?

Rafael concordou de forma vaga, sem a intenção de levar aquilo adiante. Mas, nos dias seguintes, Gabriel começou a mandar mensagens com frequência, trazendo à tona memórias de um tempo que Rafael preferia deixar no passado.

Quando Miguel soube da reaproximação de Gabriel, não conseguiu esconder sua preocupação.

— Você sabe que ele ainda gosta de você, não sabe? — perguntou Miguel, tentando parecer tranquilo, mas falhando.

Rafael suspirou, já cansado daquela conversa antes mesmo de começar.

— Ele é só um conhecido, Miguel. Nada mais.

— Mas ele foi mais do que isso no passado. E agora, do nada, ele quer se reaproximar? Você não acha isso estranho?

Rafael cruzou os braços, sentindo a irritação crescer.

— O que você quer que eu faça? Bloqueie ele? Parar de viver minha vida porque você está inseguro?

Miguel recuou, visivelmente magoado.

— Não é isso. Só… eu ainda estou tentando reconquistar sua confiança, Rafael. E, às vezes, parece que você não percebe que eu também tenho meus medos.

As palavras de Miguel o atingiram. Rafael sabia que estava sendo defensivo, mas também não queria que o passado controlasse suas escolhas atuais.

Enquanto o tempo passava, Rafael sentiu a pressão de todos os lados. A possível partida de Miguel e a insistência de Gabriel em se reaproximar criaram uma tempestade emocional que ele não sabia como lidar.

Clara, como sempre, foi seu porto seguro.

— Você precisa decidir o que é mais importante para você, Rafa. Se você quer que o relacionamento com Miguel funcione, precisa conversar com ele de verdade. Mas, acima de tudo, precisa ser honesto consigo mesmo.

Rafael sabia que Clara tinha razão. Ele não poderia continuar evitando os problemas. Era hora de enfrentá-los, mesmo que isso significasse tomar decisões dolorosas.

Em um sábado à noite, Rafael chamou Miguel para conversar no lago. O lugar que sempre simbolizou os momentos mais importantes entre eles agora seria palco de mais uma conversa difícil.

— Eu pensei muito sobre tudo isso — começou Rafael, enquanto observava o reflexo da lua na água. — Sobre você, sobre Gabriel, sobre o que estamos tentando construir aqui.

Miguel ficou em silêncio, esperando que Rafael continuasse.

— Eu quero que você aceite o trabalho, Miguel. Sei o quanto isso significa para você. Mas também preciso que você confie em mim. Gabriel não é uma ameaça. Ele faz parte de um passado que eu deixei para trás, e é lá que ele vai continuar.

Miguel sorriu, aliviado.

— Eu confio em você, Rafael. E quero que a gente enfrente isso juntos, mesmo à distância.

Rafael assentiu, sentindo um peso sair de seus ombros.

— E eu também confio em você. Mas precisamos nos comprometer a fazer isso funcionar. Se não estivermos na mesma página, vai desmoronar.

Miguel segurou a mão de Rafael.

— Estamos na mesma página, Rafa. E prometo que vou fazer tudo o que puder para provar isso.

Com a decisão tomada, os dois sabiam que desafios maiores ainda viriam, mas estavam prontos para enfrentá-los. A distância, os medos e até os ecos do passado seriam obstáculos, mas, pela primeira vez, ambos sentiam que tinham uma base sólida para construir algo verdadeiro.

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