capítulo 6

Sementes do Perdão

Nos dias que se seguiram, Rafael tentou focar em resolver as pendências do funeral e os papéis da casa. Cada canto da residência parecia sussurrar lembranças de sua infância, e com elas, os ecos de Miguel. Por mais que tentasse se concentrar, seus pensamentos sempre voltavam para o lago, para o olhar sincero de Miguel e para as palavras que ainda martelavam em sua mente.

Do outro lado da cidade, Miguel também não conseguia afastar Rafael dos pensamentos. Ele sabia que as palavras eram apenas o primeiro passo. Precisava agir. Decidiu começar algo que pudesse mostrar a Rafael que ele realmente havia mudado — algo que fosse além de palavras.

No final da semana, enquanto Rafael organizava os pertences de sua mãe no quarto, uma batida suave na porta o fez parar. Ele desceu as escadas e, ao abrir a porta, viu Clara segurando uma pequena caixa.

— Clara? O que faz aqui? — perguntou ele, confuso.

Clara sorriu, um tanto misteriosa.

— Não sou eu quem quer falar com você. Só estou entregando isso.

Ela entregou a caixa a Rafael e foi embora antes que ele pudesse perguntar mais. Rafael olhou para o objeto com desconfiança. Era leve, envolto em papel pardo, com uma nota presa por um barbante. Ele desamarrou o pacote e abriu a caixa, encontrando um caderno encapado em couro.

Na capa, em letras gravadas com cuidado, estava escrito: "Para Rafael".

Ele abriu a primeira página e encontrou uma mensagem escrita à mão:

"Este caderno é para você, Rafael. Nele, escrevi tudo o que nunca tive coragem de dizer. Tudo o que senti, o que errei, e como aprendi com isso. Não espero que você leia agora, mas, se algum dia decidir me dar uma chance, quero que saiba que sempre estive disposto a ser honesto. — Miguel"

Rafael segurou o caderno como se ele pesasse toneladas. Havia algo ali, algo que parecia mais verdadeiro do que as palavras ditas no lago. Ele hesitou antes de folhear as páginas, mas a curiosidade foi mais forte.

A escrita era detalhada, cheia de memórias que Rafael havia tentado enterrar. Cada linha parecia arrancar uma camada de sua dor, enquanto também o lembrava do amor que eles compartilhavam. Miguel falava de suas falhas, do medo de não ser suficiente e da profunda vergonha que sentiu ao perceber o quanto havia magoado Rafael.

As palavras o tocaram de uma forma que ele não esperava. Rafael fechou o caderno, sentindo lágrimas se acumularem. Ele sabia que aquilo era mais do que um pedido de desculpas. Era uma prova de vulnerabilidade e um convite para recomeçar.

No dia seguinte, Rafael tomou uma decisão. Pegou o caderno e foi até o centro comunitário onde sabia que encontraria Miguel. Quando chegou, encontrou-o ajudando uma jovem que parecia emocionada enquanto conversava com ele. Rafael ficou observando por um momento, vendo o cuidado genuíno de Miguel ao ouvi-la e apoiá-la.

Quando a jovem se afastou, Miguel notou Rafael parado na entrada. Ele se aproximou, hesitante.

— Rafael? — perguntou, com uma mistura de surpresa e esperança.

Rafael levantou o caderno, mostrando-o a Miguel.

— Li tudo. — Ele respirou fundo, sentindo o peso do momento. — Você foi honesto. Pela primeira vez em muito tempo, eu sinto que você realmente está falando a verdade.

Miguel olhou para Rafael, tentando não demonstrar a ansiedade que sentia.

— Eu nunca quis mentir para você, Rafael. Só tinha medo… medo de perder você.

Rafael assentiu lentamente.

— Eu ainda não sei se estou pronto para te perdoar, mas… quero tentar. Quero ver se conseguimos reconstruir algo, mesmo que seja só amizade no começo.

O alívio e a emoção no rosto de Miguel eram inegáveis.

— Isso é tudo o que eu poderia pedir. Obrigado, Rafael. Obrigado por me dar essa chance.

Rafael sorriu de leve, sentindo algo que não sentia há anos: esperança.

Naquele dia, enquanto caminhavam juntos pela cidade, conversando sobre tudo e nada, Rafael percebeu que o amor que sentia por Miguel ainda estava lá, escondido sob as cicatrizes. Talvez, com o tempo, fosse possível deixar o passado para trás e abrir espaço para um futuro diferente — um futuro juntos.

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