Após termos feito aquele feitiço, colocamos cuidadosamente o líquido resultante em um frasco. Eu ainda sentia o peso do que acabara de realizar, como se tivesse dado um passo decisivo em um caminho que não podia mais voltar atrás. A noite já havia se instalado, e, mesmo com a visão aprimorada, decidi usar uma lanterna. Não era necessário, claro, já que meus olhos poderiam enxergar perfeitamente no escuro, mas usar a lanterna evitava chamar a atenção das bestas ao meu redor. Se usasse meus poderes fora da escola, as criaturas poderiam sentir, e saberiam exatamente onde eu estava. Isso nunca era bom.
Cheguei ao poço com a lanterna iluminando meu caminho, ainda mais com o ar frio da noite tornando tudo mais denso. Quando o alcancei, despejei o conteúdo do frasco na água escura do poço. Esperei uma reação, mas o poço simplesmente não se encheu como de costume, e fiquei ali, em silêncio, observando. Isso significava que o feitiço tinha surtido efeito, mas de uma maneira diferente do que eu imaginava. Não sabia ao certo o que isso significava, mas uma coisa era clara: tudo estava chegando ao fim, ou melhor, estava prestes a começar.
De repente, como se tivesse saído de dentro da própria escuridão, o necromante apareceu diante de mim, quase me fazendo saltar do susto. Era tão repentino que meu coração disparou, e eu quase perdi o controle. Ele estava ali, como uma sombra viva, com sua presença ainda mais intimidadora do que antes. Eu não sabia por quanto tempo ele estava me observando, mas, com a calma que podia reunir, disse:
- Não pode aparecer assim do nada, quer matar alguém?
Ele riu com um tom de diversão. Uma risada baixa e quase provocativa. Era assim que ele sempre se comportava, distante e imponente, mas com um toque de diversão que me irritava. Ele então respondeu:
- Bom, talvez eu tenha feito isso. Você cumpriu com sua palavra, e logo você descobrirá que eu cumprirei com a minha. Tudo aquilo que um dia esteve em seu coração, aqueles que estão mais próximos, você os verá novamente. Mas vai demorar um pouco. Quando o instrumento do poço se recuperar, minha magia também se regenerará. Quando isso acontecer, a guerra e sua família estarão juntos. E quando isso acontecer, tudo chegará ao fim. Você entenderá cada palavra em breve.
O necromante, com essas palavras misteriosas e vagarosas, desapareceu tão repentinamente quanto havia surgido, me deixando sozinha e cheia de dúvidas. "Instrumento do poço"? O que isso significava? Ele falava com tanta certeza, como se soubesse mais do que eu. E o que queria dizer com a guerra e minha família estarem juntos? Eu não sabia, mas uma coisa era certa: suas palavras pesaram em minha mente, e ele, mais uma vez, havia conseguido me deixar com mais perguntas do que respostas.
Ainda confusa e um tanto frustrada com o encontro, me apressei de volta à escola. Era quase 2 da manhã quando cheguei, e, embora estivesse exausta, havia algo que eu precisava fazer antes de tentar descansar. Lembrei de Selene, minha amiga lobisomem, a quem havia dado uma missão importante. Selene, embora fosse apenas um ano mais nova que eu, sempre fora uma pessoa de confiança, alguém em quem eu podia me apoiar.
A razão pela qual eu a havia enviado atrás de Dante Kang, o garoto que, de acordo com o destino, eu deveria me casar, não era segredo. Quando minha mãe revelou meu destino, fiquei furiosa. Nunca aceitei o que eles diziam ser o meu caminho. Então, decidi visitar o tal garoto. Eu não entendia a atração instantânea que senti por ele, um garoto de cabelo preto que, ao me olhar pela primeira vez, despertou em mim algo que eu nunca havia sentido antes. Era uma mistura de raiva por não poder demonstrar isso, e uma necessidade inexplicável de protegê-lo. Foi por isso que pedi para Selene ficar de olho nele, mesmo que ela não gostasse muito da ideia. Ela aceitou, afinal, era seu dever.
Fui direto ao ponto quando liguei para ela naquela madrugada. A voz sonolenta de Selene soou do outro lado da linha.
- O que foi? - ela perguntou, com um tom cansado.
Eu não perdi tempo e disse logo:
- Quero um relatório sobre Dante. Como ele tem estado nesses últimos meses? Não falo com você há algum tempo.
Selene, imediatamente acordando e recuperando a compostura, começou a me atualizar:
- Tudo parece estar indo bem com ele, mas eles mudaram de cidade novamente. Agora estão em um lugar bem deserto, não muito pequeno. Ele está morando com o avô. E a mãe dele, bem, parece estar tentando encontrar o pai, John, que desapareceu anos atrás.
Eu franzi a testa, um tanto surpresa. A situação de Dante parecia mais complicada do que eu imaginava. Interrompi Selene antes que ela pudesse continuar:
- Ainda não encontraram esse lobo? Como é que humanos conseguem esconder tão bem assim?
Selene, com uma calma que só ela conseguia manter, respondeu:
- Não, ainda não encontraram John. Mas sobre Dante... tem algo importante para te contar. Nessa cidade nova, há uma alcateia de lobisomens. Ele está se dando bem com eles, mas... tem algo estranho. O irmão dele, está no processo de transformação. Ele ainda é muito novo, mas vai se transformar antes dos 20 anos. Está trancado há três dias, não sei o que está acontecendo. Não cheguei muito perto deles, mas algo me diz que não está tudo certo.
Meu interesse aumentou ainda mais, mas eu queria saber de algo mais. Então, perguntei:
- E aquela garota? A loira, de quem você me falou meses atrás, quando mencionou tê-la visto em pelo menos dois lugares onde Dante estava, na mesma cidade em que ele, seu irmão, e sua mãe estavam. Você investigou mais sobre ela? Quem é ela, afinal?
Selene respondeu com um tom cauteloso, como se ela mesma estivesse desconfiada:
- O nome dela é Brittany. Ela não parece ser confiável. Pelo que observei, ela tem envolvimento com caçadores, esse que são soldados de Felipe o caçador que capturou o pai de Dante. Ninguém sabe onde ele está. Algo não cheira bem, e eu não gosto da ideia dela se aproximando de Dante.
A essa altura, eu já estava completamente atenta. Sabia o que precisava fazer:
- Fique de olho nela, Selene. Não deixe ninguém machucar Dante ou seus amigos. E se algo acontecer, me avise imediatamente.
E não existe em mata-la se for preciso, falei séria.
- Sem problemas,se ela tentar algo para o machucar eu a matarei da pior forma possível.
Selene, agora mais descontraída, respondeu com humor:
- Agora posso voltar a dormir, senhorita?
Eu ri, sentindo um alívio momentâneo. Respirei fundo e disse:
- Desculpa pela demora, mas não tive tempo durante o dia. Obrigada por estar sempre lá.
Antes de desligar, ela perguntou:
- Algo novo está acontecendo?
Eu, com um sorriso irônico, respondi:
- Não, nada demais. Só estava ajudando um necromante a destruir o poço da escuridão.
Selene ficou em silêncio por um momento, surpresa com a resposta. Então, antes que ela pudesse fazer mais perguntas, desliguei. Agora, finalmente, podia descansar em paz, sabendo que Dante Kang estava seguro... por enquanto. Mas, dentro de mim, sabia que a guerra estava longe de acabar, e que tudo o que aconteceria ainda estava além do que eu poderia prever.
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Atualizado até capítulo 69
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