Sexta feira tem os olhos verdes

Acabei de limpar o ferimento e fechei, dei pontos e fiz o mesmo com o ferimento do ombro.

-Agora, preciso te tirar desse lugar molhado.

Busquei uns panos secos e um colchonete, enxuguei da melhor forma, puxei ele de lado, enfiei o colchonete embaixo dele, deitei em cima, desamarrei ele, fui devagar até tirar a jaqueta, a calça cortei, a perna fora e a outra deixei. Quando ele acordar, vejo como faço. Dei uma injeção de antibiótico na coxa boa e estou tão cansada que parece que corri uma maratona.

-Lassie fica aqui de olho nele que tomarei um banho, qualquer coisa late.

***Na Cidade, Bruno o filho.

Continuo olhando para o aparelho e tentando entender a conversa que tive com minha mãe, eu a conheço demais, sei que está me escondendo alguma coisa.

Mas vindo da minha mãe pode ser qualquer coisa, desde uma picada de cobra até um corte no dedo. Para não me deixar preocupado, ela me esconde tudo. Tentarei ir lá no sítio mais tarde, ela me mandou não ir, mas sou tão teimoso quanto ela e verei de perto o que ela me esconde.

“Rose”

Entrei para tomar banho e, quando saí, ouvi conversar na sala. Sexta-feira, estava sentado acariciando meu gato e a safada da Lassie estava com a cabeça deitada no colo dele.

Quando ele ergueu a cabeça e eu vi aqueles olhos verdes me encarando, fiquei sem ação, apontei minha escova de cabelos para ele e disse a primeira idiotice que veio na minha mente.

-Lassie não te falei para me avisar, se ele acordasse.

Ele abriu um sorriso e me disse:

-Ela até queria, mas eu pedi para ela te deixar tomar banho que depois nós conversávamos. E você fará o quê com essa escova de cabelo?

Aí que me liguei que estava apontando a escova de cabelo para ele.

-Você não me conhece, de repente sou uma ninja e te mato com a escova.

-Tudo bem, peço desculpas.

-Vou me trocar porque estou me sentindo ridícula, você não se mexe porque pode abrir seus pontos.

“Roberto”

-Lassie sua dona é muito louca, mas acho que devo minha vida para ela. Será que ela sabe quem sou? Você sabe? O que será que aconteceu comigo?

Ouvi ele falando com minha cachorra, coloquei um short e uma camiseta e voltei na sala.

-Você se lembra de quem é? Como chegou aqui?

-Onde estou? É uma aldeia indígena?

-Porque está perguntando isso?

-Porque você parece Índia, eu não sei como, mas parece que já te conheço.

-Eu nunca tinha te visto até ontem à noite. Você se lembra de alguma coisa? Tipo, quem atirou em você?

-Tiro? Atiraram em mim?

-Não sei quantos, mas dois acertaram.

-Você mora aqui sozinha?

Achei melhor mentir.

-Meu marido saiu para caçar, volta daqui a alguns dias.

-É casada? Uma mulher dessa não ia estar solteira.

-Acho que você está delirando, deixa eu pegar o termômetro e você coloca para ver se está com febre.

-Como você se chama?

-Rose, e você lembra seu nome?

-Não, parece tudo meio confuso.

-Então, continuarei te chamando de sexta-feira.

-O indígena de Robson Crusoé?

-Está vendo! Sua mente só precisa de um pouco de descanso, logo você vai se lembrar de tudo.

Peguei o termômetro e fiquei longe o suficiente, se ele tentar alguma coisa, eu corro, estiquei minha mão para ele pegar.

-Pega e você deve saber como usar.

Fiquei olhando ela com medo de mim, eu também teria medo, estou todo sujo e fedendo, e devo mesmo estar com febre, sinto frio. Mas resolvi me fazer de bobo.

-Não sei como usar isso, me ensina?

-Tira ele da caixinha.

-Como? Venha aqui me ensinar.

-Olha! É só tirar ele da caixinha e apertar o botão azul, é fácil sexta-feira.

-Você está com medo de mim?

-Claro que tenho medo de você, é um estranho que eu trouxe para dentro de casa. Ontem, com você desacordado, me pareceu uma boa ideia, agora, com você falando comigo, já não tenho certeza.

Estiquei a mão e devolvi o termômetro para ela, que tirou da caixinha, apertou o botão, e me deu.

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