Ecos de um Passado Perdido

Ayana abriu os olhos, ofegante, o coração batendo acelerado como se tivesse acabado de enfrentar um inimigo invisível. O sonho — ou melhor, a memória de uma vida passada — ainda pulsava em sua mente, tão vívido quanto perturbador. Ela e Kael, deuses de um tempo distante, equilibrando luz e escuridão, caos e ordem. Eles eram mais do que apenas aliados; eram um só, unidos pelo amor e pelo destino. Mas então veio o Vazio, uma entidade que destruiu tudo o que eles haviam construído, forçando-os a se separar, a perder o que mais amavam: o equilíbrio e um ao outro.

Ayana passou a mão pelo rosto, tentando afastar as lembranças perturbadoras. Ela se sentou lentamente, olhando para a fogueira que ainda ardia na ruína onde haviam decidido descansar. Kael estava em pé, próximo à entrada, vigilante como sempre. Seus olhos vermelhos brilhavam sob a luz suave das chamas, atentos a qualquer perigo.

Sentindo a inquietação de Ayana, Kael se virou para ela.

— Você não conseguiu dormir? — perguntou ele, com a voz baixa, quase um sussurro, para não romper a calma da noite.

— Eu dormi, mas... — Ayana hesitou, tentando encontrar as palavras certas para descrever o que havia sonhado. — Foi mais do que um sonho. Eu vi... nós, Kael. Eu vi quem éramos no passado. Como éramos um só, equilibrando luz e escuridão, mantendo o mundo em harmonia. E então, o Vazio... ele destruiu tudo.

Kael franziu a testa, suas mãos instintivamente se apertando nas laterais. — O Vazio? — Ele repetiu o nome com um tom sombrio, como se a simples menção daquela entidade fosse suficiente para despertar algo profundo dentro dele. — Isso faz sentido... Eu também tenho sentido uma presença. Uma sombra que parece estar sempre à espreita.

Ayana assentiu. — Ele destruiu nosso mundo, Kael. Forçou-nos a nos separar. E agora que começamos a nos lembrar, eu temo que ele ainda esteja por aí, esperando a oportunidade de nos destruir novamente.

Kael se aproximou e ajoelhou-se ao lado dela, os olhos cheios de uma preocupação que ele raramente deixava transparecer. — Não vamos deixar isso acontecer. Estamos juntos agora, Ayana. Seja lá o que esse Vazio for, ele não vai nos dividir de novo.

Ayana olhou nos olhos de Kael e viu a determinação neles. Por mais que o medo estivesse tentando tomar conta de sua mente, ela sabia que Kael estava certo. Eles não eram mais os mesmos deuses vulneráveis que foram no passado. Havia uma nova força dentro deles, forjada por suas batalhas e pelo que tinham aprendido até agora.

— Obrigada, Kael — disse ela, sua voz suave, mas carregada de gratidão. — Eu não sei o que faríamos se estivéssemos sozinhos nisso.

— Você nunca estará sozinha, Ayana — respondeu ele, segurando a mão dela firmemente. — Eu te prometi isso.

Por um momento, o silêncio se instalou entre eles, mas não era desconfortável. Pelo contrário, havia um entendimento compartilhado, uma tranquilidade no simples fato de estarem lado a lado. Mas Ayana sabia que precisava continuar.

— Esse Vazio... — começou ela, sua mente girando em busca de respostas. — Ele destruiu tudo o que construímos, o equilíbrio entre luz e escuridão. Se ele ainda estiver por aí, isso significa que o equilíbrio do mundo atual também está em risco. Talvez seja isso que estamos destinados a fazer novamente: restaurar o equilíbrio.

Kael ponderou as palavras dela, seus olhos sombrios refletindo o fogo que ardia próximo. — Pode ser que sim — disse ele. — Mas como o encontramos? E como enfrentamos algo que já nos derrotou uma vez?

Ayana fechou os olhos por um momento, tentando concentrar-se. — Eu não sei... mas sinto que estamos perto de algo. A cada passo que damos, a cada memória que recuperamos, nos aproximamos do nosso destino.

Antes que pudessem discutir mais, um som distante quebrou a tranquilidade da noite. Um sussurro, baixo, quase imperceptível, mas que ambos reconheceram imediatamente. Era o mesmo tipo de sussurro que haviam ouvido na caverna antes de encontrar o Arauto do Destino.

Kael levantou-se rapidamente, os instintos de lobo despertando. — Está vindo do coração da floresta de novo — murmurou ele. — O Arauto nos deu respostas, mas acho que ele não nos contou tudo.

Ayana também se levantou, seus olhos fixos na direção de onde o som vinha. — Precisamos descobrir mais. Se o Vazio é real, e se estamos destinados a enfrentá-lo, então talvez o Arauto tenha mais a nos dizer.

Ambos, em perfeita sincronia, apagaram a fogueira e desativaram a barreira mágica que Ayana havia erguido. Mesmo com a exaustão ainda pesando sobre seus corpos, o chamado era irresistível. Havia algo esperando por eles no coração da floresta, algo que precisavam entender antes que fosse tarde demais.

Enquanto caminhavam em direção ao som enigmático, o ar ao redor deles parecia ficar mais denso, carregado de uma energia antiga e misteriosa. Ayana sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas não de medo. Era mais como uma sensação de que algo grande estava prestes a acontecer.

Quando finalmente chegaram à beira de uma clareira iluminada por uma luz prateada, eles viram uma figura ao centro: o Arauto do Destino, envolto em sombras, mas com uma presença inegavelmente poderosa.

— Vocês voltaram — disse o Arauto, sua voz reverberando no ar. — Sabem agora o que está em jogo?

Ayana deu um passo à frente, sua expressão firme. — Sabemos. O Vazio, ele destruiu nosso equilíbrio no passado. Mas queremos respostas. Por que ele fez isso? E como podemos detê-lo agora?

O Arauto inclinou a cabeça levemente, como se ponderasse a resposta. — O Vazio é mais do que uma força destrutiva. Ele é o desequilíbrio personificado. Ele existe para corromper e devorar o que mantém a ordem no universo. E vocês dois... são os únicos que podem restaurar o equilíbrio que ele destruiu.

Kael apertou os punhos, seu olhar feroz. — Então, como o encontramos?

O Arauto olhou para os dois, seus olhos brilhando sob o capuz escuro. — Vocês não precisam encontrá-lo. Ele já os encontrou.

Antes que pudessem reagir, o chão sob seus pés começou a tremer, e a escuridão ao redor começou a se agitar.

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