Capítulo 12

A tempestade de neve lá fora era implacável, tornando impossível qualquer movimento.

As condições climáticas não faziam parte do plano inicial, mas como Ghost sempre dizia, "missões raramente seguem o planejado".

Ghost fecha a porta da cabana abandonada que encontramos por sorte.

Era pequena e precária, mas melhor do que enfrentar a neve lá fora.

Avisamos pro Chip que conseguimos abrigo, mas a comunicação estava ruim, o que com certeza ele deve ter entendido apenas metade do que dissemos, mas já era o suficiente.

 A lareira no canto ainda tinha algumas lenhas, o que significava que pelo menos não morreríamos de frio.

Ele rapidamente acende o fogo, enquanto eu verificava o local em busca de qualquer ameaça.

"Está limpo," digo, guardando a pistola no coldre. "Mas é melhor ficarmos alertas."

Ghost assente, sem tirar os olhos do fogo que começava a crepitar.

"Vamos precisar ficar aqui até a tempestade passar. Pode demorar algumas horas." Ele diz

Suspiro sacudindo a neve da roupa, me desfazendo da touca e da máscara

 "Parece que vamos ter que dividir espaço." Digo apontando pra cama

A cama improvisada no canto da sala era pequena, coberta por um cobertor velho e fino. Não era ideal, mas as opções eram limitadas.

"Você pode pegar a cama," Ghost diz , de maneira firme "Eu fico no chão."

Balanco a cabeça.

" Não mesmo! Você vai congelar se ficar no chão, e eu não tô afim de ter que carregar um picolé de quase dois metros de altura. Se ambos dormirmos na cama, ficaremos mais aquecidos. Não precisamos gostar disso, mas faz sentido."

Ghost hesita, mas sabia que eu estava certa.

Relutantemente, ele concorda.

 "Tudo bem. Mas nada de ultrapassar a linha imaginária." Ele diz me fazendo dar uma gargalhada sincera

"Acredite, nem se minha sobrevivência dependesse disso" Debocho

A noite já estava bem avançada, então resolvemos nos deitar. Ficamos um de costas pro outro espaço era apertado e desconfortável.

O frio parecia penetrar nos meus ossos e meu corpo tremia, mesmo com a roupa térmica e esse projeto de coberta

O calor do fogo ajudava, mas não o suficiente para combater completamente o frio que penetrava pelas paredes de madeira.

" Tem como você parar de se mexer?" Ele resmunga

" Claro! Inclusive agora que você pediu eu nem com frio tô mais" Debocho " Eu odeio frio...."

"Você deveria estar acostumada," ele rebate com um tom de sarcasmo. "Achei que você era uma raposa."

"Achei que você era uma raposa," imito, debochando. "Ah, vai comer neve, vai."

Ele suspira, e por um momento, pensei que ele não diria mais nada. Mas então, ele se vira ligeiramente para me encarar, seus olhos azuis brilhando na luz fraca da lareira.

"Se continuarmos assim, nenhum de nós vai conseguir dormir," ele começa, a voz carregada de uma calma fria. "A gente precisa de mais calor. Então, se você conseguir parar de se mexer tanto, talvez a gente possa... sei lá, se aproximar um pouco mais. Só por causa do frio, claro."

Levanto uma sobrancelha, surpresa pela sugestão.

"Você tá sugerindo que a gente se abrace? Pra aquecer?"

"Não estou sugerindo nada, só estou sendo prático," ele retruca, o sarcasmo novamente evidente. "Mas se você prefere congelar, fique à vontade."

Eu rio, um som breve e seco.

"Tá bom, tá bom. Só pra deixar claro, isso é puramente por sobrevivência."

"Achei que você não faria isso nem se sua sobrevivência dependesse disso." Ele me provoca

" É você que tá pedindo pra mim ultrapassar a linha imaginária," retruco com um sorriso debochado.

A proximidade era desconfortável no começo, mas logo o calor de nossos corpos começou a fazer efeito. Senti os músculos dele relaxarem um pouco, e eu mesma comecei a me sentir mais confortável, apesar da situação.

"Melhor?" pergunto, tentando quebrar o gelo.

"Melhor," ele responde, sua voz rouca e seus olhos fechados

Por um momento, ficamos apenas ali, sem dizer nada, aproveitando o calor e a presença um do outro. Era uma proximidade que raramente tínhamos, e havia algo de reconfortante nisso.

"Você sabia que é um péssimo amigo de abraços?" brinco, tentando manter o tom leve.

"E você não é exatamente um cobertor elétrico."

Depois de alguns minutos de silêncio tenso, resolvo puxar assunto

"Então....há quanto tempo você está na 00?"

"Sete anos," ele responde, sua voz grave quebrando o silêncio.

"Hmmm...." Murmuro

"Por que você aceitou o convite? Poderia estar em qualquer outra agência." Ele pergunta olhando pra mim

" Pra ensinar vocês " Eu brinco tentando quebrar a tensão, e ele apenas revira o olho em resposta

Eu suspiro ao pensar na real resposta

 "Sempre quis fazer a diferença de maneira mais direta. E a 00 é a melhor oportunidade para isso. Mesmo que signifique... isso," gesticulo pro redor, dando uma leve risada

"É um sacrifício que vale a pena," ele diz. "E seu namorado? Ele entende?"

Fico em silêncio por um momento, minha expressão ficando séria.

"Honestamente, eu acho que ele não entende completamente o que fazemos. Ele só sabe que sou militar. Não tem ideia do quão profunda é a nossa missão."

Ghost apenas assente. Ele sabia muito bem o preço que esse trabalho cobrava na vida pessoal.

"Eu lembro que na sua ficha você foi o primeiro a ser chamado pra equipe...."

"E você foi a décima terceira...." Ele responde "Significa que muitas pessoas passaram por aqui antes de você."

Sinto um aperto no coração.

"Eu sei...Fui chamada para substituir alguém que faleceu...."

Seu olhar fica um pouco escuro, como se isso o fizesse lembrar de algo

"Era seu parceiro, não era?" Insisto, sentindo a necessidade de entender melhor o homem ao meu lado. "Como era ele?"

Ghost permanece em silêncio por um longo momento, e achei que ele não responderia.

 "Bom soldado. Bom homem. Morreu fazendo o que era certo." Ele responde com um tom distante olhando pra além de mim

Eu sabia como era essa dor...

"Eu também já perdi pessoas," começo, minha voz baixa para não perturbar o silêncio da noite. "Acho que acaba virando rotina quando se entra pro exército... Tem aqueles que você perde em guerras... Mas acho que os que mais me marcaram foi quando entrei nas forças especiais..... Como meu primeiro parceiro lá ... ele era um soldado muito bom..... Morreu em uma emboscada, em uma missão sob meu comando...."

Ghost olha para mim, seus olhos me avaliando.

 "E como você lida com isso?"

Suspiro, passando a mão pelo rosto.

"Não lido muito bem, para ser honesta. A culpa nunca vai embora, mas tento transformá-la em motivação para ser melhor, para não cometer os mesmos erros."

Ele fica em silêncio por um momento, processando minhas palavras. "Cada perda é uma cicatriz."

" Sim.... Quantos parceiros você perdeu?" pergunto

Ele demora pra responder, olhando pra parede atrás de mim como se ali fosse encontrar a resposta, e então fecha os olhos como se travasse uma luta contra algo dentro dele

"Muitos... na 00, quatro," ele responde finalmente, a dor evidente em sua voz. "Mas a vida continua, não importa quão difícil seja."

Havia algo na voz dele, uma dor escondida que me fez perceber que Ghost carregava suas próprias cicatrizes emocionais.

 "Sinto muito," Murmuro, sinceramente.

Ele apenas balança a cabeça, como se rejeitasse a simpatia.

 "Todos nós temos nossas batalhas."

O silêncio voltou a reinar, mas desta vez, era um silêncio mais confortável.

O calor do corpo de Ghost ao meu lado começou a parecer menos estranho e mais reconfortante.

Eu percebo que ele luta pra ficar acordado, mas aos poucos o cansaço vence e Gosth acaba adormecendo...

Ele estava exausto, mas obviamente não queria deixar transparecer...

Eu continuo acordada, minha mente inquieta, mas eu resolvo ceder ao cansaço e dormir...

No meio da noite, acordo com um movimento ao meu lado.

Ghost, ainda dormindo, havia se aproximado mais em busca de calor, seu corpo colado ao meu, meu rosto perto de seu peito.

Fico parada por um momento apenas escutando sua respiração... Era raro ver ele relaxado, sua respiração tão suave....

Na verdade eu acho que nunca vi ele relaxado, o cara era um robô militar, sempre pronto pro combate

Ajusto o cobertor sobre nós dois, tentando garantir que ficássemos o mais aquecidos possível, e então fecho os olhos de novo tentando descansar novamente...

Aos poucos meu corpo começa a despertar e então quando abro os olhos e me deparo com aquela figura de caveira a poucos centímetros do meu rosto.

No susto, eu instivamente grito e o empurro com força, fazendo Gosth cair no chão com um baque alto

Ele me olha em choque e eu olho pra ele surpresa e aos poucos eu começo a rir

"Oh meu Deus, Ghost! Desculpa!" exclamo, mas a visão dele se estatelando no chão era tão hilária que a risada aos poucos começa a se intensificar e virar uma crise. Lágrimas escorrendo pelo meu rosto enquanto eu tentava parar de rir, mas não conseguia.

Ghost se levanta, claramente irritado.

"Você tem problema,né?!" Ele ajeita a máscara, o olhar sério. "Quem acorda gritando e empurrando as pessoas assim?"

"Ah e como você queria que eu acordasse com uma caveira me encarando?! Sério não podia usar uma balaclava normal não? " Digo entre as risadas

Ele resmunga algo inaudível e se vira, indo para o canto da cabana.

Eu me levanto me espreguiçando.

Vou até minha mochila e abro o bolso pegando duas barras de ração militar

 Caminho até ele e estendo uma das barras.

"Aqui, café da manhã." Brinco

Ele olha para mim e balança a cabeça.

"Você deve comer. Precisa de energia."

"Tenho outra," insisto, estendendo a barra novamente. "Sempre levo uma para mim e uma extra pro parceiro." Digo mostrando a outra barra

Ghost hesita por um momento, mas finalmente pega a barra e assente.

"Obrigado."

Eu vou pra frente da lareira, e começo a reacender o fogo, cutucando a brasa com um pedaço de madeira e colocando mais um pouco pra aumentar o fogo

Quando eu termino, eu me levanto e ao olhar pra ele percebo que ele já comeu a barra.

Eu vou até a cama, pego a coberta, estendo em frente a lareira e me sento

Eu bato de leve no espaço do meu lado

" Vem, a gente precisa se aquecer até dar pra sair daqui. " Digo

Ele parece pensar sobre e então se senta

Eu abro minha barra e começo a comer

" E então...Tem alguma missão marcante ou engraçada que você se lembra de antes de eu entrar para a 00?" pergunto, tentando soar casual.

Ghost para por um momento, considerando a pergunta.

 "Houve uma vez," ele começou, seu tom ligeiramente mais leve, "que estávamos em uma missão na Sibéria. O clima estava pior do que aqui, muito mais frio. Um dos nossos, um cara chamado Williams, decidiu que seria uma boa ideia pescar no gelo durante uma pausa. Acabou caindo no lago congelado."

Eu rio, imaginando a cena. "O que aconteceu com ele?"

"Passamos o resto do dia tentando descongelá-lo," Ele responde "Nunca mais deixou ninguém esquecer disso. Mas pelo menos pegou um peixe enorme."

"Isso soa como algo que eu faria," digo, rindo. "Mas provavelmente eu acabaria pior."

Ghost olha pra mim

 "Você não é tão estúpida,"

" Wow... Isso é praticamente um elogio vindo de você, vou até anotar no meu diário" Eu o provoco e ele apenas revira o olho balançando a cabeça mas eu percebo sua máscara esticada na área da boca

" E você?"

 "Teve uma missão," começo, tentando manter a conversa fluindo, "que fiz nas montanhas do Afeganistão. Meu parceiro na época, Alex, achou que seria uma boa ideia cortar caminho por uma passagem estreita. Acabamos presos numa tempestade de areia. Passamos dois dias abrigados numa caverna, comendo quase nada e tentando não morrer desidratados."

Ghost me olha, seu olhar avaliativo.

 "E como saíram de lá?"

"Alex teve a brilhante ideia de fazer uma espécie de trenó com o que sobrou do nosso equipamento," respondo, rindo ao lembrar. "Deslizamos montanha abaixo. Quase morremos, mas foi uma das descidas mais emocionantes da minha vida."

Ele bufou, um som que eu tinha aprendido a reconhecer como seu jeito de rir.

"Parece que tem um talento para se meter em encrencas e sair delas."

"Você não faz ideia," respondo, sorrindo.

Enquanto eu terminava minha ração, ficamos em silêncio novamente, era um silêncio confortável.

A cada missão, parecia que estávamos nos entendendo cada vez mais. E eu sentia que estávamos criando uma ponte, estávamos nos conectando apesar das nossas diferenças.

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