Chego em casa mais cedo que o habitual, e encontro minha mãe deitada dormindo na sala. Não era algo normal. Afinal, a mercearia fechava só a noite, e ela fazia questão de só vir pra casa quando o expediente finalmente acabasse.
Prefiro não acordá-la, sigo para a cozinha e encontro Lidiane comendo um pão e mexendo no celular encostada na bancada. Seu rosto demonstrava sua insatisfação por ter que está em nossa casa, que não era nada luxuosa, comendo um pão do dia anterior, somente com manteiga.
_ Oi, Lidi.. - falo com ela -
Lidiane só olha em minha direção e balança a cabeça. Seu desprezo por mim, era enorme. Às vezes, sentia que se ela pudesse me tirar de circulação, ela tiraria. A ideia de ter outra pessoa idêntica a ela, acho que a perturbava. Ela queria ser única, e nossa aparência não deixava.
_ Mamãe já está em casa... Aconteceu alguma coisa?! - pergunto preocupada -
_ Parece que ela passou mal no trabalho. Zezinho a trouxe para casa, e ela está descansando desde então.
_ Não a levou ao médico ?
_ Lídia, você conhece ela. Insiste em fazer trabalhos que não tem mais condições dela fazer, ficou cansada. Tenho serviço agora e não posso me preocupar com isso. Tchau
Bufo de raiva, mas em seguida, respiro fundo. Não podia esperar muito de Lidiane... Vou até minha mãe, chamando-a delicadamente, pois não sabia se ainda estava passando mal. Ela acorda um pouco desnorteada
_ Filha?! O que aconteceu?
_ A senhora passou mal no trabalho, mamãe. O Zezinho trouxe você pra casa. Você quer ir ao médico?
Ela balança a cabeça negativamente, e se esforça para sentar no sofá. Quando se senta, percebo uma ânsia de vômito vindo em minha mãe. Não dá tempo de pegar um balde, seguro o seu rosto e então, ela vomita, me assustando ainda mais... Sangue! Minha mãe tinha acabado de vomitar sangue. Ela estava fraca, caindo aos meus braços. Grito por ajuda, mas Lidiane já tinha saído. Começo a gritar e chorar desesperada. E minha sorte, é que Zezinho entra para ver como minha mãe estava
_ O que houve? - ele olha bem para mim a fim de confirmar quem eu era -
_ Zezinho, pelo amor de Deus. Nos leve para o hospital agora, minha mãe está vomitando sangue.
Não preciso falar mais nada. Zezinho pega minha mãe no colo e a coloca em seu carro. Eu pego nossos documentos, e sento no banco de trás com ela. Ao chegar no hospital, ela é levada imediatamente para dentro, e eu e Zezinho ficamos na recepção, esperando.
_ Ela passou mal no trabalho. Ela tinha vomitado antes assim? - pergunto -
_ Não, Lídia. Ela tinha desmaiado, mas não tinha vomitado, muito menos vomitado sangue.
Começo a chorar e sou amparada por ele. Zezinho era um senhor muito querido por todos da minha família, até mesmo Lidiane que era difícil, por muitas vezes, o escutava... Passamos horas na recepção esperando alguma notícia, até que um médico sai em direção a recepção e apontam pra gente. Levantamos preparados para qualquer coisa
_ Vocês são parentes da Sra Mara?
_ Sim. Eu sou filha dela! Doutor, como está minha mãe?
Ele respira fundo antes de prosseguir
_ Bom... Agora ela está instável. Sua mãe está com cirrose hepática. O grau está avançado, fico surpreso por ela está apresentando sintomas só agora. Conseguimos parar os vômitos, mas o seu fígado está bem comprometido.
_ O que isso quer dizer?
Ele pergunta meu nome, e eu respondo. Ele continua
_ Bom, Lídia... Aqui neste hospital não tem estrutura suficiente para fazer os procedimentos necessários em sua mãe. Aconselhamos que procure um hospital particular avançado. E que seja o mais rápido possível. A vida da sua mãe depende disso. Com licença
Olho para Zezinho e volto a chorar desconsoladamente. Eu, com certeza, não teria condições de pagar por algo assim. Esses hospitais eram conhecidos por ser uma fortuna. Somente milionários frequentavam esse hospital, e eu, não fazia parte desse grupo.
_ Calma, Lídia. Vamos dar um jeito, você vai ver. - Zezinho fala tentando me acalmar -
_ Que jeito, Zezinho? Não tem jeito. Nem se eu juntar todas as minhas economias, vou conseguir.
Naquele dia, a visita tinha sido proibida. Eu tinha que voltar para casa de todo jeito. Ao chegar em casa, um pouco mais determinada em encontrar uma maneira de ajudar minha mãe, resolvo conversar com meu pai sobre a possibilidade de vender a mercearia, mas, sem sucesso. Ele tinha razão. A mercearia já estava cheia de dívidas, seria muito difícil encontrar alguém que quisesse comprá-la naquele estado.
_ E se você pedisse um aumento? - ele questiona -
Meu Deus, meu emprego!! Naquela altura, eu provavelmente, não tinha mais emprego. Na mesma hora, bate o arrependimento de não ter segurado minhas emoções. Eu poderia, realmente, ganhar uma boa comissão pela assinatura daquele contrato, e havia jogado tudo por água abaixo com aquele comportamento com o Sr. Mason. Mas, sem querer preocupar mais ainda meu pai naquele momento, resolvo não falar que meu emprego está por um fio
Quando Lidiane chega em casa, contamos tudo a ela, que demonstra preocupação, mas nenhuma tristeza.
_ Eu não tenho dinheiro, Lídia. O que posso fazer?
_ Como assim? Você vive aí ostentando roupas caras, de marca. Lugares chiques e viagens e agora tá me dizendo que não pode contribuir com nenhum valor?
_ Você acabou de falar que os custos do hospital irão ultrapassar cem mil reais. O que eu posso fazer? Não tenho como ajudar, Lídia. Infelizmente!
_ Tá... Vamos encontrar outro jeito. Vou no banco tentar um empréstimo. A vida da mamãe depende disso
_ E você acha que não quero ajudá-la? - Lidiane pergunta nervosa -
_ Então, me prova isso. - concluo -
Lidiane sai de casa raivosa novamente, e eu tento não me preocupar com ela naquele momento. Não dava mais tempo de ir ao banco por conta do horário, mas eu tinha decidido ir assim que eu acordasse. Meu pai começa a perguntar sobre a janta, e eu resolvo preparar. Com a ausência de minha mãe, eu sabia que sobraria pra mim.
A frieza do meu pai me deixava desconcertada. Era como se ele não sentisse mais nada pela minha mãe, não conseguia entender. Quando era pequena, costumava a ver os dois tão felizes e juntos para tudo. Mas, quando entrei na adolescência, vi isso se perdendo aos poucos.
Preparo o jantar, e sento a mesa com meu pai. Jantamos em silêncio, era melhor assim. Quando termino de limpar tudo, vou para o meu quarto a fim de descansar do dia tão exaustivo que estava tendo, mas antes, tomo um banho.
Sento na cama e pego um álbum de fotos da família. Mamãe era tão saudável que chegava a ser estranho vê-la tão fraca e impossibilitada. Observo a semelhança entre mim e Lidiane. Sempre idênticas. Até a mesma roupa usávamos. As duas brancas feito neve, cabelos lisos escorridos, bem pretinho, olhos escuros igualmente os cabelos, e a boca avermelhada, como sangue. Tão iguais na aparência e tão diferentes nas atitudes.
Durmo segurando uma foto na minha mãe contra o peito, pois partia meu coração deixá-la no hospital sozinha.
No dia seguinte, acordo assustada com o toque do meu celular. Era a Sra. Madison. Meu coração acelera imediatamente, eu sabia que a notícia não era boa
Ligação On
_ Olá, Lídia. Eu não sei o que você conseguiu fazer para piorar a nossa situação, mas você fez!!! Esquece o seu emprego. Pode passar no RH e assinar a sua demissão, AGORAAA!
_ Mas, Sra Madison..
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Ligação off
Eu não podia acreditar que tudo estava desmoronando assim. Eu não merecia tudo isso que estava acontecendo, parecia até que eu tinha jogado pedras na cruz. Mas, eu não podia me deixar abalar, eu tinha que levantar e correr atrás do dinheiro que permitiria que minha mãe ficasse melhor.
Antes de sair, ligo para o hospital e peço notícias de minha mãe. Quando me respondem que ela permanecia estável, ganho forças para continuar. Levanto e me arrumo rapidamente e corro para o banco. Quando chega a minha vez, explico minha situação para a gerente.
_ Bom, Dona Lídia, o que nós podemos oferecer é um empréstimo de vinte mil reais.
_ Vinte mil? Mas isso não paga nem metade do tratamento da minha mãe!
_ Desculpe, mas é o que podemos fazer. Você pode pensar e voltar aqui para conversarmos. Afinal, você tem uma boa economia, juntando com o empréstimo fica quarenta mil reais. E você disse que foi demitida, ainda vai receber um bom dinheiro de indenização.
_ Mesmo assim, acho que não vai ser o suficiente. Mas, eu retorno aqui sim.
Volto pra casa cabisbaixa, e explico tudo ao meu pai. Não adiantava mais esconder minha demissão, afinal, logo mais eles iriam ficar sabendo mesmo.
_ Com tudo que tenho, acho que consigo 65 mil reais. Se pelo ao menos alguém pudesse ajudar com mais dinheiro...
_ Lídia, acorda menina! Esse é o valor inicial do tratamento. Você tem noção do quanto vai precisar gastar com remédios, entre outras coisas? E qualquer complicação que acontecer, vai ser mais dinheiro. Você tem noção disso?
Fico com raiva por vê-lo criticar tudo que eu estava tentando fazer, sem dar nenhuma solução
_ E o que quer que eu faça, pai?! Que eu deixe a mamãe morrer no hospital? É isso? Eu acho que é, porque não vejo o senhor se importando muito com ela.
Nessa mesma hora, Lidiane entra em casa se intrometendo em nossa conversa
_ Eu tenho a solução para ajudar a mamãe. - ela diz -
Continua...
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Atualizado até capítulo 36
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