As coisas não se encaixam

...ΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩΩ...

Pietra está inconsolável.

A minha Honey chora de um jeito forte, Ambra pelo visto era uma amiga irmã mesmo.

- Ela era muito importante pra você, não é?

Estamos em uma cerimônia íntima na casa de Rizzo. Ele escolheu um ponto afastado em baixo de uma árvore pra fazer um memorial pra esposa. O resto do mundo não sabe que Ambra morreu, ela é casada com alguém influente demais e que tem o rabo preso na mesma proporção. Ítalo vai deixar escondido que agora é viúvo, pelo que entendi ele se casou do nada com ela e para o resto das pessoas vai ter se separado do nada também.

- Muito, você não tem noção. A primeira amiga que eu fiz na vida.

Corro os olhos pela cerimônia e vejo os homens de Rizzo acompanhados de suas esposas. Ele chora de um jeito contido, a postura de quem se culpa por algo e isso me intriga muito, ele não deu detalhes do que aconteceu até agora.

Mas eu posso fazer uma observação aqui?

Não sobrou nada dela, não sobrou sequer um dente, sei lá, algum pedaço que indicasse um corpo ali naquele carro. Ambra morreu em um lugar ermo, e eu até posso aceitar o fato de ninguém estar perto quando o acidente aconteceu, mas não posso deixar de pensar que era propício demais pra um desfecho de separação para os demais.

💭Ou Ítalo deu um fim na esposa por ela ter feito algo errado e por isso a culpa que está sentindo, ou ela meteu o pé de um jeito cinematográfico depois de descobrir a mentirada toda dele💭

Qual será a verdadeira história?

O silêncio depois que o pastor da cerimônia diz algumas palavras de conforto é esmagador. Se eu disser que nesses meus quase vinte e sete anos de vida eu jamais estive em um funeral vai Parecer mentira?

Nunca fui íntimo de ninguém a ponto de ir em algum, e as pessoas que conheço e que com certeza iria, são jovens demais pra isso. Se bem que a homenageada em questão não fez vinte ainda, tudo nessa vida é possível.

Enfim...

Continuo achando tudo muito estranho, mas meu papel aqui é dar conforto a Pietra.

*********

Estamos na minha casa e eu enchi a banheira pra nós dois. Faço uma massagem nos ombros dela enquanto estamos em silêncio.

- Quer desabafar, ou sei lá, conversar um pouquinho?

Ela demora um pouco a responder ainda.

- Como está indo no trabalho novo?

Ah, não quer falar sobre a morte da amiga.

- Está tudo bem tranquilo, tenho boas turmas...

Jogo um pouco se água morna nas costas dela e desço meu carinho.

-... Por falar na faculdade, abriram uns cursos legais agora, tem de tudo um pouco. Você comentou que estava procurando algo pra fazer, por que não se inscreve?

Ela dá uma fungada.

- É, pode ser uma boa. Depois eu olho direitinho e te digo.

Continuamos em silêncio, até que ela diz:

- Eu reparei em Ítalo, e vi ele tão estranho, como se sentisse responsável pelo que aconteceu. Ouvi ele conversando com Aurelio e ele dizia que não queria ter feito o que fez...

Ela se vira pra mim rápido dentro da banheira fazendo a água se agitar de repente.

-... Acha que Ítalo fez algo com Ambra? Eu sempre achei que ele amava muito ela, por mais que ele seja ignorante feito uma porta às vezes, mas nunca se sabe, né? Os dois estavam passando por um momento delicado, ela me confidenciou que ele escondia alguma coisa e ela estava tentando saber o que era, mas meu irmão não se abria, de repente ela os dois discutiram e ele perdeu a cabeça, não sei.

Ah, eu não fui o único a notar isso. Pietra também é uma boa observadora quando quer.

- Se fosse esse o caso ele teria por que esconder? Seu irmão não é o chefe?

Ela dá de ombros pra mim.

- É, mas existem algumas regras, Paolo. Honrar a mulher com quem você se casou é umas das mais importantes. Crimes entre família não são aceitos, e acredite, já houve um caso entre nós de um pai querendo matar a propria filha por ter se apaixonado errado na nossa concepção . A moça namorava escondido um policial. Ele queria que o filho mais velho fizesse o serviço, e obviamente o homem negou, quando ele procurou alguém de fora também não conseguiu, foi delatado por alguém de dentro e preso mesmo a filha tendo feito algo considerado errado demais. Ele debia ter seguido o protocolo e feito um reunião de conselho, morta ela não seria, mas também não seria mais aceita.

Ah, entendi, Ítalo não assumiria essa situação assim. Perderia tudo da noite pro dia.

- Era isso que teria acontecido com você se ele não fosse o Don?

Pietra encolhe os ombros.

- Sim, todo mundo saberia que eu não sou digna de um bom casamento. Nem no Norte e nem no Sul, onde ele manda. Aliás, em lugar nenhum. Lio não vai poder dar a minha mão pra nenhum homem da Máfia, o que vai ser bastante complicado, porque se eu me casar um dia vou ter que esconder o que a minha filha faz por décadas e décadas.

Quanta bobagem!

Decido brincar com ela:

- Bom, não precisa se preocupar com isso agora. Me tem na sua vida por enquanto e eu sei de tudo e não faço parte e nem te recrimino, estou interessado só em você mesmo.

Ela sorri sem jeito.

- Você não vale, porque tem uma vida dupla também e gostos muito diferentes. Além do mais, também tem sangue mafioso correndo nas suas veias, pelo que entendi seu pai não era flor que se cheire.

Gesticulo com as mãos.

- Acho que não mesmo, não tendo o apelido que tinha. É pesado ser chamado de Cão do Inferno, tanto quanto Diabo...

Faço uma careta e finalizo em tom de brincadeira:

-... Acho que fomos feito um para o outro: Eu meio que faço parte desse negócio sem fazer, e não ligo pra esse lance de virgindade. O melhor dos dois mundos pra você...

Ela olha pra espuma e faz uma cara pensativa.

- É...

Até acho que Pietra quer dizer algo mais, mas não diz, e mais uma vez eu me vejo desejando saber o que pensa.

- Acho que já deu de banho, obrigada pela massagem.

Ela se levanta de uma vez e eu fico sem entender, mas não vou dizer nada, Pietra está triste demais hoje.

Ela se enrola em uma toalha e eu faço o mesmo.

- Eu posso dormir aqui?

Franzo a testa pra ela.

- Mas que pergunta boba, é lógico que pode. O que você não pode é dormir longe de mim hoje.

Eu não conseguiria dormir pensando nela chorando sozinha hoje, seria um tormento pra minha mente.

Dou a ela uma das minhas camisetas e visto uma cueca, quero Pietra no meu peito a noite inteira. Tenho uma necessidade absurda por ver ela bem.

********

Estamos no início do semestre e eu estava antes me preparando pra dar início as aulas.

A minha primeira turma do dia é uma turma nova, então eles vão chegar crus pra mim. Eu gosto, não estão viciados por outros professores e eu posso assim aplicar um método todo meu.

Entro na sala e me deparo com a maioria jovem, mas tem uma boa parcela de alunos mais velhos. O burburinho cessa quando me veem e eu ligo o microfone preso na gola da minha camisa social.

- Bom dia, pessoal...

Deixo meu material de trabalho em cima da minha mesa e olho pra sala estilo arquibancada. Mexo no computador e o slide surge no quadro com meu nome e as minhas disciplinas.

-... Como vocês podem ver eu sou Paolo Mancini, e leciono Teorias da História e Antropologia Cultural. Aliás, Antropologia é a minha especialização e quero dizer a vocês que não existe fato histórico no mundo que não tenha vindo única e exclusivamente de algum comportamento peculiar do ser humano. Nem mesmo as pinturas rupestres feitas pelos neandertais escapam disso. Historiografia e Antropologia andam lado a lado, quando você aprende a Ciência por trás da Teoria, vê que os comportamentos humanos mudaram a roda da sociedade através dos séculos e entende os fatos de ponta a ponta além das várias formas de manifestação cutural pelo mundo afora.

No intervalo eu mando uma mensagem pra Pietra.

📱- Tudo bem?

Tem uma semana que Ambra morreu e eu estou ainda preocupado com ela.

📱- Tudo sim, marquei de me encontrar com Lio pra termos uma conversa.

Isso me faz coçar a cabeça.

📱- Tudo bem, eu chego por volta das dezesseis. Posso ir pra sua casa quando eu chegar?

Ela me deu uma cópia da chave.

📱- Pode sim.

Deixo meu celular de lado quando ouço:

- Está gostando do primeiro dia de aulas?

Quem me pergunta é uma mulher não muito mais velha que eu. É loira, usa um conjunto de saia e blazer cinza, e se sentou no lado oposto da mesa grande e retangular da sala de professores.

Dirijo um sorriso educado pra ela.

- Estou sim, as duas turmas que peguei até agora são muito boas.

Ela abre um sorriso enorme deixa a xícara de café se inclinando um pouco e estendendo a mão direita pra mim.

- Eu sou Dora, leciono Física.

Olha, que interessante. Geralmente mulheres tendem a lecionar humanas.

- Prazer, Dora. Eu sou Paolo e sou professor de História.

Dora mexe em uma bolsa e tira uma vasilha de vidro com tampa vermelha.

Me mostra os doces confeitaria com um tipo de creme branco e um pingo de geléia vermelha por cima.

- Zeppola, aceita?

Ah, eu já conheço essa aproximação.

- Não, obrigado, vou ficar só no café mesmo.

Não vou dar brecha pra ela achar que é íntima minha daqui a pouco. Não misturo meu trabalho com diversão, nunca misturei antes e não vai ser agora que vou misturar tendo alguém tão interessante lá fora quanto eu tenho.

Volto a minha atenção pro cronograma de aulas que eu montei hoje e me preparo pro proximo round.

*********

Chego na casa de Pietra às quatro e vinte da tarde, e quando abro a porta do apartamento avisto ela sentada no sofá abraçando os próprios joelhos. Vestiu um blusão e tampa as pernas com ele, chorou um bocado também, o rímel borrado me mostra isso.

- O que foi?

Paro em pé em frente à ela e Pietra dá uma fungada olhando pra mim. De repente ela se solta e coloca o pés no chão, agarra minha mão direita e diz:

- Eu sei que não assinei nada com você, mas eu preciso do meu Senhor. Eu preciso do que seu lado Dominador pode fazer, sem reservas, te dou carta branca, Paolo.

Qual foi a merda que Rizzo fez dessa vez?!

Ela está chorando mais.

Inspiro fundo e deixo minha bolsa de lado, antes de tirar meua óculos eu digo:

- Me diz, qual a sua palavra de segurança?

***Esta obra está sob contrato com a NovelToon, e a pirataria, como a reimpressão sem permissão, é estritamente proibida.***

***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***