Tentando fazer diferente

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Acabei apagando de novo e quando acordo estou sozinho na cama.

Será que ela foi embora assim que eu dormi?

Olho ao redor e vejo o celular de capinha branca cheio de glitter e corações na parte de trás. Dou um sorriso vendo isso e em como contrasta com a minha preta emborrachada.

Me levanto sentindo meu corpo melhor graças a o chá, eu suei feito um porco em baixo do edredom e decido tomar um banho rápido antes de ir atrás de Pietra pelo apartamento.

Depois de limpo eu visto uma roupa e ando até a cozinha sentindo um cheiro bom pra cacete. É a segunda vez que esse fogão é usado aqui pra alguma coisa além de café da manhã e das duas vezes eu estou sendo cuidado. Isso é muito pra mim.

- Oi...

Ela leva um susto me ouvindo, eu cheguei sem fazer barulho.

- Que coisa, Paolo! Quase me mata do coração.

Me apoio no balcão da cozinha enquanto olho pra ela.

- Me desculpa, não foi a minha intenção. Tá fazendo o quê aí?

Pietra comprime os lábios e encolhe os ombros, está sem jeito de falar eu acho.

- Tomei a liberdade de mexer na sua cozinha e fazer alguma coisa pro almoço.

Tem uma caixa de um tipo diferente de macarrão, parece um arroz e eu olho pra ela intrigado.

- Se chama Risoni. Comprei no mercado aqui perto, pensei em fazer uma canja pra você, sabe, por causa do resfriado.

Olho para as outras coisas picadas na bancada, o cheiro bom vem dos pedaços de frango sendo refogados na panela de cerâmica.

Agarro Pietra e dou um beijo bom, subitamente me deu uma vontade de fazer isso. Quanto mais a gente convive mais meu lado caçador fica sobre controle e dá espaço pro cuidadoso. Eu gosto porque é o que eu estou acostumado, ela quase me levou a loucura quando fugia de mim.

Solto Pietra e ela parece meio desnorteada comigo.

- Me deu vontade...

Ela passa a língua pelos lábios, está com as bochechas vermelhas.

- Ah, tá.

Observo ela o tempo todo cozinhando em silêncio, Pietra não me olha por algum motivo e eu fico intrigado com isso.

A comida fica pronta e eu arrumo a mesa pra nós dois. Pietra cozinha bem, acho que ela é Antonieta estão no mesmo nível.

- Quem te ensinou a cozinhar?

A minha pergunta de repente pega ela de surpresa.

- A minha madrinha. Inclusive eu liguei pra ela hoje cedo e pedi que me ensinasse o chá.

Deixo a minha colher de lado.

- E o que ela disse quando você ligou dizendo que queria a receita?

Pietra dá de ombros enquanto olha pra tigela de sopa.

- Pensou que fosse eu a doente, mas eu disse que era uma amiga.

Dou uma risada ouvindo isso.

- Sou sua amiga?

- *Bom, ela ainda pensa que eu sou uma boa garota italiana filha do sindicato. Não podia dizer que era pro cara que me estapeia a b*nda de vez em quando*.

Ah, entendi...

Não sei ao certo como funciona essa parte, mas acredito que as consequências não sejam boas para as garotas que não se guardam. Ítalo deve amar a irmã acima de tudo o que representa nessa história, tanto que não a puniu e a poupa da verdade dura sobre os pais. Ele pode não ser pensante, mas tem um coração ativo com as mulheres que o cercam.

- Gostou da comida?

Abro um sorriso discreto pra ela.

- Muito, obrigada pelo carinho comigo.

Ela faz um gesto de cabeça pra mim e eu vejo que colocou bem pouca sopa pra si, mas que nem isso comeu.

- Eu realmente tenho que ir agora.

Antes que ela se levante eu toco na mão esquerda dela.

- Não quer mais ficar comigo mesmo?

Dizer essa pergunta em voz alta me dá um certo desespero. Meu progresso com ela está escorrendo pelo ralo.

- Estou confusa, Paolo...

Pietra encara a tigela dela em um primeiro momento, mas logo olha pra mim.

- Só existe a possibilidade da gente se envolver se tiver um tempo estabelecido?

Franzo a testa pra ela.

- Para o que eu penso pra nós dois, sim. Tudo tem que ser acordado, eu preciso saber até onde posso ir com você e tudo mais. O tempo de contrato é só pra estabelecer até onde nosso vínculo vai, Honey.

Isso parece não agradar a ela, mas está tentando disfarçar.

Não consigo entender essa mudança de comportamento de Pietra.

- Então não tem nada de maneira natural, só aquilo que é ensaiado e escrito no contrato?

Faço um carinho na mão dela.

- Eu acho que nós dois somos muito naturais quando estamos sozinhos, não acha? O contrato é só um papel, nossa ligação é que vale e dita o ritmo.

Ela respira fundo e eu daria todo meu dinheiro pra saber o que essa garota está pensando agora.

- Eu quero um tempo, você me dá?

Ah, não!

- Quer penar de novo? Vai pensar errado, Pietra, poxa, não faz isso.

Ela retrai a mão e se levanta envolvendo o próprio corpo, isso é um péssimo sinal. Esta se protegendo de mim ao invés de buscar refúgio na minha figura.

- Eu pensei que ainda tivesse algum direito de escolha aqui.

Tem, você tem... O direito de escolher fazer isso comigo!

Faço um esforço monumental pra deixar meu lado racional tomando a dianteira aqui.

- Eu não vou te obrigar a nada.

Me levanto e tento me aproximar, mas ela me corta imediatamente.

- Por favor, não se aproxima. Eu vou pegar meu telefone agora e descer, eu vou te pedir com todas as minhas forças pra que não tente me impedir e nem bata lá em casa, você sabe que eu não te resisto e joga muito sujo comigo pra conseguir o que quer.

Isso me paralisa no lugar. É a primeira vez que ela me nega de verdade, e eu não posso avançar se ela não quer. Eu jamais vou fazer isso, eu melhor do que ninguém sei o que é ser tocado contra a vontade.

Pietra se afasta e eu espero por ela na sala.

Quando a vejo colocando a mão na maçaneta eu digo apressado:

- Será que você pode me dizer o que tem de errado? Eu posso me adaptar a você, o acordo é pra isso.

Os ombros dela caem e Pietra me responde sem se virar pra mim:

- Você é um homem tão inteligente, ainda não per... deixa pra lá, acho que o que tem de errado sou eu.

Merda!

*********

Três semanas.

Dá pra a acreditar que tem três semanas que eu não vejo Pietra?

Eu estou me controlando ao máximo pra não ir na casa de Rizzo e fazer um show. Eu vi uma foto dela com com Ambra nas redes sociais, a mulher Ítalo colocou uma legenda dando a entender que a cunhada está passando uns dias lá. Ela minou qualquer chance minha de ir até a casa dela e a persuadir.

Espero que pelo menos esteja pensando em mim.

Elizabeth aparece na porta do cômodo que eu uso de escritório aqui.

- Paolo, sua mãe está aqui.

Ah, era só o que me faltava. Estou desviando dela porque sei que vai saber de imediato que tem algo errado comigo e eu não quero que saiba do meu envolvimento com Pietra. Falei no telefone com ela durante algumas vezes nesses últimos dias e ela sempre tentava arrancar alguma coisa de mim.

- Eu já vou lá...

Não tenho tempo de terminar minha frase, o furacão italiano de um metro e meio de altura aparece.

- Não vou te dar tempo de ajeitar a cara pra tentar me enganar, bambino. Eu vim saber o que está acontecendo.

Eu sempre achei que ter uma mãe atenciosa era uma dádiva, mas agora, nesse momento, eu acho que é o meu maior problema.

Solto sem pensar...

- Mãe, por favor...

Ela deixa duas lágrimas caírem pelo rosto enquanto abre um sorriso enorme.

É a primeira vez que chamo Antonieta assim em voz alta. Talvez eu esteja mesmo precisando do colo dela.

Ela me puxa até o sofá de três lugares e se senta esperando que eu deite a cabeça no seu colo.

- Me conta o que está acontecendo.

Deve ser uma cena patética pra alguém que enxergue de fora, eu tenho um e oitenta e seis de altura, ela é uma anã comparando comigo, mas o conforto que me dá é gigante.

- Estou sentindo falta de alguém, e muita.

Sinto o carinho dela na minha cabeça.

- Posso te fazer uma pergunta? Juro por Madonna que vai ficar entre nós dois, não vou contar pra ninguém, segredo de mãe e filho.

Digo a ela que sim.

- É de Pietra que está sentindo falta? Ela está murcha igual a você, sempre que está sozinha ela deixa o semblante pesar, mas quando vê alguém estica a cara pra fingir que está tudo bem.

Meu silêncio é resposta o suficiente pra ela.

- Ah, meu filho, eu não vou te alertar do perigo que é mexer com a Coccinella de Lio, você já sabe que aquele ali é o diabo, e se você não liga pra ele quem sou pra dizer algo. Eu vou te alertar do perigo que é não assumir os próprios sentimentos. Pietra é delicada demais, igualzinho a uma flor rara, se não for um bom apreciador não consegue enxergar a beleza toda dela, o problema é que sempre tem alguém disposto a enxergar. Pensa nisso.

Ela não sabe como é complicada essa história.

Minha mãe vai embora no final da noite depois de ter me obrigado a comer, ela me ameaçou com um rolo de macarrão, e eu fico sozinho pensando no que me disse.

💭E se eu tentasse fazer as coisas com ela sem um contrato? 💭

É, quem sabe?

O tempo parece ser o que incomoda Pietra, então eu posso tentar fazer algo diferente com ela.

Mando uma mensagem pra alguém que pode me dar uma luz nisso.

📱- Está por aí, Senhorita Traça?

Não demora e Sabine me responde.

📱- Estou sim.

📱- Me responde uma coisa?

📱- Se estiver ao meu alcance...

📱- Já teve algum sub com quem se envolveu sem contrato?

📱- Não, os quatro que eu tive, por longos períodos além dos clubes, sempre foram relações contratuais. São coisas demais em jogo pra fazer sem essa garantia.

Sabine se aventurou muito mais do que eu nessa vida, tem mais experiência em relações longas de BDSM.

📱- Nunca sentiu vontade de deixar de lado o contrato?

📱- Não, Carcamano, porque aí não seria uma relação Dom/Sub, seria um namoro, senhor Mancini.

Coço a minha nuca lendo isso.

Não é bem um namoro que eu quero com ela.

📱- Está apaixonado por alguma Honey?

📱 - Não, não é nada disso, é que ela está achando pouco tempo seis meses. Só isso...

Sabine me manda uma mensagem de áudio gargalhando.

📲🔊 - E não passou pela sua cabeça propor um contrato de tempo maior? Já quer logo tirar ele do caminho? Faça-me o favor, né Paolo?!

Faço uma careta pra tela do celular como se ela pudesse me ver.

📲🔊 - Acho que o contrato em si assusta ela, a minha Honey gosta de nós dois juntos e do que eu posso fazer, só não quer ter um tempo limitado.

O tom de voz de Sabine é sério agora.

📲🔊 - Teve relações com ela sem assinar um contrato? Não estou te reconhecendo, Paolo.

Mordo meu lábio inferior por uns instantes. Eu fiz o que sempre disse a ela pra não fazer.

📲🔊 - Ela é a submissa perfeita pra mim, Sabine, foi coisa de conexão. Ela ativou meu lado caçador, a primeira que fez isso, a personalidade dela é perfeita pra mim. Está fugindo de novo e isso está me motivando a mudar a minha abordagem pra ter ela aqui por perto outra vez. Um dia você vai encontrar um assim, aí vai me entender.

📲🔊 - Bom, se você diz quem sou eu pra julgar... faça o que tem que fazer, Senhor, sua caça não pode fugir se não você vai enlouquecer pelo jeito. Se acha que um envolvimento sem contrato é o melhor a se fazer nesse caso vá em frente, só tome cuidado pra não magoar ela.

O motivo pelo qual eu ensinei Sabine a nunca se envolver com alguém sem contrato é esse. O contrato não é pro dominador, e pro submisso. Pra alguém que nunca entrou nesse mundo saber que tudo tem um começo, meio e fim, e nada mais vai acontecer se não houver consentimento da parte dele e vontade da parte dominante. No fim das contas quem manda é o sub, não existe show sem a concordância dele.

Encerro nosso contato tentando pensar de um jeito claro, mas as falas de Sabine me atacam a todo momento. É um inferno ser amigo dela, é uma mulher extremamente racional, sempre faz qualquer um pensar que é um idiota quando abre a boca.

Eu criei um monstro.

*********

Gastei um quantia ridícula em um arranjo de dálias negras misturadas com algumas em um tom de rosa chá. Queria algo diferente pra propor a Pietra algo novo.

Eu escutei ontem que ela finalmente voltou pra casa depois de um mês fora, o porteiro falava algo sobre a caixa de correio dela ter esvaziado.

Entro no elevador e vejo um rapaz jovem correndo com três caixas brancas estampadas com o logo de uma doceria. Ele conversa com o porteiro e eu deduzo que vá usar a caixa de metal, então eu seguro a porta pra ele enquanto isso.

- Preciso ir ao quinhentos e um, minha namorada está me esperando.

Sinto minha boca amargar ouvindo isso, é o apartamento dela.

- Claro, Pietra deixou avisado que você viria.

O rapaz entra no elevador e eu olho bem pra ele. Não é possível que ela me trocou por alguém tão patético assim, esse garoto nem saiu das fraldas pelo jeito.

- Está indo fazer o quê no apartamento de Pietra?

Ele me olha fechando a cara.

- Eu te conheço por um acaso pra estar interessado na minha vida?

Deixo o arranjo no chão e junto ele pela gola da camiseta de cultura alternativa. As caixas caem no chão esparramando um monte de doces pelo elevador, e eu prenso o moleque na parede.

- Não me irrita, me responde.

O sinal sonoro indica que chegamos no andar de Pietra e eu escuto uma voz estridente:

- Solta meu namorado, seu louco! Pietra, chama a polícia.

Vejo uma garota baixinha com um estilo roqueiro vindo pra cima de mim, eu solto o garoto e vejo Pietra fazendo uma careta na minha direção.

- Por que estava fazendo isso com ele?!

Ah, que ótimo!

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