Não vire as costas

...Por Virgínia...

Pela manhã sai e passei um tempo na cozinha com Fatym. Ela me disse que Samir estava no escritório desde ontem a noite e minha sogra foi ao mercado. Passo um tempo tentando entender algumas coisas sobre sua cultura e não vejo as horas passarem, aproveito para conhecer os ingredientes e receitas do Marrocos, pela primeira vez consigo preparar algo que eu goste de comer, fiz Fatym provar um estrogonofe e ela adorou. Depois de ajuda-lá com o almoço resolvo subir para tomar um banho.

Entro no quarto e vejo uma caixinha na cama, leio o recado de Samir e sinto um misto de tristeza e culpa. Queria ter coragem de explicar a ele o que houve, mas eu teria que tocar em coisas do meu passado que não me fazem bem. E de qualquer forma, não deveria dar-lhe muitas explicações sobre mim, logo esse contrato acaba e ele deve ter planos para daqui 15 meses.

Abro a caixa e vejo um celular de última geração, pérolado, muito lindo. Ligo o celular e vejo que tem um aplicativo de mensagens, tem o contato de Samir, de Hannah, dos meus pais. Imediatamente ligo para minha mãe.

-Mamãe, que saudades!

-Oi filha, como você está?

-Eu estou bem. Mamãe, esse é o meu novo contato. Como está o papai?

-Que bom isso, era ruim termos que falar com o Samir quando queríamos saber de você. O seu pai ainda não digeriu tudo que aconteceu.

-Então mãe, agora vocês podem falar comigo sempre. Diga ao papai que estou bem, a história do intercâmbio, lembra?

-Sim, como se fosse um intercâmbio de 15 meses. Embora sinta que vai durar mais- Minha Mãe diz de uma forma meio irónica.

-Não se preocupe, mamãe, será só por esse tempo mesmo. E como vai o papai?

-Filha, sabe, não queria te preocupar, mas o coração do seu pai não anda muito bem, sabe, talvez seja a idade. Ele está fazendo alguns exames e o médico pediu para que ele evitasse esforço e estresse e trocou as medicações.

-Tudo ficará bem mamãe, por favor, cuide dele para mim, diga que o amo...

Seguimos conversando por algum tempo, até que desligo o celular, e quando desligo um vazio me invade, uma sensação ruim de solidão, de estar perdida. Desde que cheguei aqui, tinha Samir como ponto de segurança, e vinha me dando bem com Sâmia, e agora? Eu não sei. Lágrimas invadem o meu rosto, decido não rejeitar tudo que estou sentindo. Deito e choro até sentir os meus olhos pesados se fecharem.

-Levanta garota! Vai morar nesse quarto até quando?

Ouço batidas na porta, parece ser a mãe de Samir, olho pela janela e vejo o sol nascendo. Realmente talvez eu tenha dormido demais. Nem desci para o jantar ontem. Olho para o sofá e o vejo pela primeira vez amanhecer vazio desde que chegamos aqui há quase uma semana.

-Estou indo, vou tomar um banho e desço- Respondo já me levantando.

Vou ao banheiro, tomo banho, escovo os dentes, e lá estou eu lutando com os meus cabelos. Dou uma boa arrumada nele, aproveito que tem uma tesoura no banheiro e vou aparando as pontinhas, está lindíssimo. Visto-me e desço.

Ao chegar na sala, vejo minha sogra me olhando com um semblante fechado, diferente.

-Bom dia, sogra, como a senhora está?- Digo me abaixando para beijar a sua mão assim como vinha fazendo nos últimos dias. Ela puxa a mão dizendo:

-Veja garota, Samir não está aqui, a casa está uma bagunça. Precisamos fazer uma faxina por toda a casa, amarre os seus cabelos e vá para a cozinha pegar o material.

eu fico atônita com a forma que ela falou comigo agora, não foi a sogra que conheci nos últimos dias.

-Veja sogra, não tenho o hábito de fazer limpeza, não sou boa nisso. Posso ajudar no almoço se desejar, sei ótimos pratos brasileiros.

-Escute aqui garota, não queremos nada brasileiro nessa casa, até a comida de lá deve ser promiscua como você. Que decepção o meu leão Samir ter escolhido uma estrangeirinha como você, ele só pode ter te conhecido em algum bordel, ou casou com você porquê o seu pai o obrigou, vamos lá, diga qual feitiço você usou para o meu Samir, diga garota.

Meus olhos ficam marejados, fico perplexa ouvido aquelas grosseirias, sempre fui bem criada, a minha mãe sempre me amou e me respeitou, não sei como agir diante daquilo tudo.

-Veja aqui, senhora. Samir casou comigo porque gosta de mim e aqui não tem ninguém promíscuo não, quero respeito, assim como vinha respeitando a senhora.

-Hahaha- Ela gargalha ironicamente-, uma meretriz como você querendo respeito. Ora, garota, vocês podem até manter essa farsa para os outros e eu não vou falar porquê a minha Sâmia depende disso por um tempo, mas a mim você não engana não. Quanto ele te paga?

-Senhora, já chega.

-Vamos, diga, quanto ele te paga para fingir ser esposa dele e para te levar para a cama todas as noites?

-Chega, ninguém fala comigo assim, ninguém.

Parti para cima dela, no impulso, na raiva, na mágoa, dei uns tapas, arranhei, gritei, a chamei de "velha nojenta e suja", me deixei dominar pelo ódio que ela me causou. Quando dou por mim estão nos separando, ela está me chamando de louca, selvagem, descontrolada.

O pai de Samir aparece dizendo que vai me castigar, que ninguém toca na sua esposa, senhora da casa. Tento explicar, mas ninguém me ouve. Subo correndo, tranco a porta, lembro do telefone, ligo para Samir, ofegante, assustada. Ligo várias vezes até que ele me retorna.

-Virgínia, como você pôde?

-Samir, por favor, me ouça.

-Ouvir o quê? Que você só esperou eu me virar para mostrar suas garras?

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