Ester Silva
Desde o dia em
que Maya me chamou para irmos juntas ver o resultado da faculdade, mesmo ela
não sabendo que eu também tinha prestado vestibular, ela se tornou minha melhor
amiga, sempre senti falta de ter alguém sincera para conversar, minha vida
nunca foi fácil. Perdi minha mãe aos 10 anos para o câncer, depois dessa
tragédia, meu pai começou a beber. Tinha dia que não tinha nada em casa para comer, todo o
dinheiro dele sempre era gasto em bares, muitas das vezes os amigos dele é quem
o trazia para casa carregado e quando ele estava assim, sempre me escondia
porque ele ficava muito agressivo.
Por várias vezes, ele vendeu algo de dentro de casa e quando não
achava serviçopara manter o seu vício, não importava se tinha algo pra comer, ele não ligava.
Eu sempre saía para as feiras atrás de algo. Os feirantes já me conheciam e antes de jogarem fora os
restos, eles faziam uma sacolinha para mim e muitas das vezes, eu os ajudava,
para ganhar algumas moedas que era para comprar pão.
Comecei a fazer faxina nas casas vizinhas com 13 anos. Mesmocom pouca idade, eu
conseguia dar conta do serviço, com o pouco que recebia, conseguia pagar a
conta de luz e de água, graças a Deus que a casa era nossa, isso até ele tentar
vender, dizendo que iríamos nos mudar e que ele melhoraria, mas meu bom Deus
fez com que desse tudo errado. Pois lá no fundo, eu sabia que ele jogaria mais
esse dinheiro no lixo e acabaríamos morando debaixo de qualquer ponte.
Quando completei meus 16 anos, consegui através de umas das
mulheres que eu trabalhava de faxina, um emprego num mercadinho perto de casa. Nãoera muita coisa, mas com o
tempo comecei a prestar a atenção em tudo que ela fazia, como ela era caixa,
ganhava bem mais do que eu, que só limpava e sempre que não tinha muita gente,
ela me deixava ficar em seu lugar, depois de um tempo, eu já sabia fazer o
serviço, então ela falou para o dono que poderia trabalhar em outro caixa,
assim não teria muita fila, que seria muito mais rápido atender as pessoas com
dois caixas funcionando, mesmo contra sua vontade, ele quis fazer um teste
comigo e graças a Deus deu certo, mudei de cargo e me ajudou muito, preferi
esconder isso do meu pai, achei melhor que ele pensasse que eu ainda só era
faxineira, pois ele sabia que com esse serviço, eu não iria ganhar muito, então
não aí ficar me pedindo dinheiro.
Passaram-se quase dois anos, nesse período uma grande construção
tinha começado no bairro, diziam que era uma grande rede de supermercados, que
iriam precisar de muitas pessoas para trabalhar, mesmo estando bem onde estava,
resolvi me candidatar a uma vaga e como já tinha experiência,não exigiria tantode mim.
Quando mudei de emprego, falei para o meu pai que ficou eufórico,
dizendo que agora ele não precisava mais trabalhar. Eu disse que o salário era
um pouco maior e como não tinha experiência, não iria receber como os outros
funcionários. Mas que mesmo assim deveríamos os dois estar trabalhando para que
a nossa vida fosse melhor.
Mas como sempre, ele não quis escutar e disse que era besteira os
dois trabalharem e que com o que eu ganharia, daria para manter a casa. Mesmo
com toda necessidade que passava, nunca deixei de ir para escola, porque em
alguns momentos, quando era pequena e não tinha nada para a janta, ficava
rezando pra que chegasse a hora do colégio, lá eles sempre davam café da manhã,
quando tinha dois pães eu trazia sempre um para o meu pai. Assim que terminei o
colégio, não queria ficar parada e vendo que os funcionários do supermercado
alguns estudavam e outros faziam faculdade,
eu resolvi também fazer e como eu não tinha condições financeiras para cursar um
particular, achei melhor tentar uma pública e se conseguisse, queria muito
fazer administração, era uma área que eu gostava muito. Eu só queria que Deus
me desse uma chance na vida de poder melhorar e ser alguém com um emprego melhor, não estou dizendo que aqui não é bom,
mas ter outras oportunidades de crescimento faz bem
para nossa autoestima, mesmo a minha sempre estando tão baixa, eu tentava dar o
melhor de mim. Nuncacontei para ninguém tudo
o que passei ou que ainda passava, não sou uma pessoa que consegue se abrir
facilmente e falar sobre minha vida, sou muito fechada.
Quem pensa que nesse tempo todo meu pai mudou, se enganou. Nunca mais conseguiu emprego
registrado, sempre fazia alguns bicos, masseu
dinheiro nunca era para casa e quando ele não tinha, ficava me pedindo, mas eu
sempre dizia que o meu dinheiro tinha acabado, ele ficava muito irritado e
acabava quebrando quase tudo dentro de casa.
Eu escondia o pouco que eu tinha debaixo de uma pedra no quintal e
só pegava quando era necessário. Do meu dinheiro, ele não viu um centavo para
manter seu vício.
Faltando apenas um dia para minha formatura, meu pai chegou como
um louco, gritando que estava precisando de dinheiro porque o dono do bar
estava cobrando o que ele ficou devendo há uma semana e por esse motivo foi
expulso, que só poderia aparecer lá se tivesse dinheiro para pagar a conta
antiga, ficou gritando que eu estava escondendo o dinheiro, que eu era uma
filha ingrata, que tinha me dado de tudo na vida e quando ele precisava eu
virava as costas. Eu disse que não tinha, mesmo assim não adiantou e quando eu
me virei para ir para o meu quarto, ele me pegou pelos cabelos me jogando no
chão, me chutou e me deu vários tapas, me xingando de todos os nomes possíveis
e impossíveis que existia de ruim. Ele nunca tinha chegado a esse ponto. Fiqueisem ação com essa atitude
dele, o meu corpo doía muito, eu não sei o porquê de ele ter sido violento
comigo dessa vez, apenas que todas as outras vezes que ele chegava bêbado, eu
sempre me trancava no quarto.
Ele me deixou caída no chão e chorando, não estava aguentando tudo isso e
estava na hora de colocar um ponto final, mesmo que doesse em mim, euestava decidida a ir embora.
Fui ao meu quarto, liguei para minha amiga e contei tudo que tinha
acontecido e que precisava de um lugar para ficar por essa noite e que depois
eu iria ver um outro lugar para morar, mas ela me disse que eu poderia ficar em
sua casa pelo tempo que fosse necessário ou até mesmo morar com ela e sua mãe.
Peguei a única mala que tinha dentro de casa e arrumei minhas
coisas. Nãodeixaria nada meu para trás, pois tenho certeza de que logo ele iria achar um
jeito de vender as poucas coisas que ainda existiam aqui. Quando saí do meu
quarto, eu o vi sentado no sofá de cabeça baixa e assim que eu cheguei até
porta ele falou.
— Onde você pensa que vai?
— Eu vou embora! Já deveria ter feito isso á muito tempo.
— Vai deixar seu pai,
é isso que está dizendo?
— Pai! Eu fiz de tudo, trabalhei desde pequena para manter a casa,
passei fome, fui trabalhar nas casas das vizinhas para ter o que comer e pagar
as contas, se não, nem água
e luz teríamos em casa. E mesmo assim você não deu valor, pensou apenas em você
e no seu vício, me deixou por várias vezes aqui, sozinha e com fome, se não
fosse a generosidade de outros e de meu esforço em nunca desistir, eu não sei
se estaria aqui hoje. Você só trabalhava para poder beber, quebrar tudo dentro
de casa a procura de dinheiro e hoje você chegou ao ponto de me agredir, coisa
que nunca tinha feito, o que deu pra entender é que a sua bebida é muito mais
importante do que sua filha. Nunca se
preocupou se eu comia ou não. Então para mim já chega, se você não quis
melhorar, eu não sou culpada disso. O que eu
pude fazer eu fiz, não tive infância, não tive uma mãe enão tive um pai.
— O que eu vou fazer se você for embora? Quem vai colocar comida dentro de
casa? Eu não tenho trabalho, ninguém quer me dá uma oportunidade de emprego, já
estou velho, você não tem dó de mim? Nãovê
que eu sofro todo esse tempo sem sua mãe.
— Pai! Você se entregou a bebida porque quis, quando a mamãe era
viva, eu nunca o tinha visto você beber desse jeito e agora usa a morte dela
como desculpa para seu vício maldito, não é justo. Eu sinto muito, mas não quero afundar a minha
vida junto com a sua. Vou continuar pagandoas
contas por um tempo, se não tentar melhorar e conseguir um emprego logo, fique
sabendo que não irei dar nenhum centavo para continuar com seu vício.
— Você é uma filha sem coração! Eu preciso de dinheiro para
comprar comida.
— Pagarei as contas e irei trazer comida, se quer dinheiro vá
trabalhar. Adeus.
O meu coração doí, mas eu não posso fazer nada, se ele não quer
mudar, não posso ficar num lugar onde uma pessoa se tornou violento ao ponto de
me bater, mesmo ele sendo meu pai, não vou permitir isso nunca.
Chamei um táxi, não olho para trás, não quero pensar em tudo que
acabou de acontecer, pelo menos quero esquecer essa noite. Eu sabia que no dia
da minha formatura não poderia contar com meu pai ao meu lado, ele nunca se
interessou pelos meus estudos e depois de hoje, se eu tinha alguma esperança,
acabou. Quando o táxi parou na casa de minha amiga, logo que desci do carro,
dona Isaura estava me esperando na porta, não consegui falar nada, apenas a
abracei e chorei tudo que eu tinha para chorar, nesse abraço encontrei mais que
uma amiga, eu encontrei uma mãe. Assim que entramos na sua casa, Maya apareceu
descendo as escadas, veio ao meu encontro já me abraçando.
— Vou para a cozinha, enquanto vocês conversam. Voupreparar alguma coisa para
Ester comer, sei que ainda não comeu nada.
— Não é
necessário dona Isaura, não estou com fome.
— Venha Ester, vamos para o meu quarto, tomar um banho e depois
poderemos conversar melhor e mesmo não querendo irá comer. Não poder ficar sem se
alimentar, isso nãovai ter de fazer bem.
Subimos para o quarto dela, enquanto ela desfazia minha mala, eu
fui para o banheiro. Não quis
dizer que ele também tinha me chutado e que estava doendo muito. Quando tirei a roupa, vi as
marcas de seu chute nas minhas costelas, já
estava ficando roxa, quando vi isso, às lágrimas voltaram a cair. De baixo do
chuveiro, deixei a água cair pelo meu corpo como se ela pudesse levar toda a
minha dor, não só física, mas também a que
está em minha alma. Jamais esqueceria esse dia, nem que se passe a eternidade.
Por que meu Deus, quem amamos é capaz de machucar tanto? Assim que saí dobanho, me
vesti com um pijama, sequei meu cabelo e quando abri a porta do banheiro, já
tinha uma bandeja com suco e sanduíches, minha amiga estava sentada na cama,
ela logo disse que era para eu comer tudo e que só falaria comigo quando
terminasse.
— Maya! Muito obrigada por me receber em sua casa desse jeito,
você sabe que não tenho mais ninguém e que é a única amiga que tenho, por isso
que te liguei, mas quero que saiba que assim que arrumar outro lugar, eu me
mudo, não quero ser um peso morto para você e sua mãe.
— Eu espero que você não deixe minha mãe escutar isso, Ester!
Porque com certeza ela irá ficar muito brava, sabe bem o carinho e amor que ela
tem com você, é como se fosse filha dela e não pense que irá sair dessa casa. Você nunca foi e nunca será um
peso morto, nem para mim e nem para minha mãe. Pode parar com isso. Eu não acredito que
seu pai foi capaz de te bater desse jeito. O que foi que deu nele dessa vez?
— Não sei
Maya! Mais hoje ele estava pior que os outros dias. Quando ele me jogou no chão,
me chutando, tentei me proteger, mas, veio os tapas, fiquei com medo e por isso
tomei a decisão de sair de casa, não aguentava mais. Estou cansada de tudo isso. Eu tentei, eu juro que tentei, mas
ele não quer melhorar. Eu não posso fazer mais
nada por ele. Dói demais ter que fazer isso, mas não vejo outro jeito. Sabeo que mais dói Maya?
— Não!
— É ver as marcas da pessoa que mais amo em meu corpo. Elenão marcou só o meu corpo,
marcou também minha alma.
— Eu, sinto muito amiga, não queria que tivesse passado por isso,
já basta tudo que passou na sua infância, agora mais isso. Eu sei que difícil
vindo de alguém que a gente ama, mas tenta esquecer, quem sabe depois que ele
refletir o que fez, não tente melhor e talvez procure ajuda e pare de beber.
Eu apenas aceno com a cabeça.
— Vem, vamosdormir, que a amanhã será nosso grande dia.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Euza Lisboa
O mundo está cheio de pais omissos e covardes. Deixam os filhos à própria sorte ou espancam às vezes até a morte. É muito triste 😔😔😔
2023-07-09
1
Lena Macêdo E Silva
na vida é tão bom ter amigos ter alguém que possamos contar e que está conosco pro que der e vier.
2023-04-08
0
Monica Lusia Rodrigues
tá muito boa a história, podia colocar fotos para os personagens.
2022-12-14
3