A Loba Rejeitada
Quem olha de fora, pensa ser uma cidadezinha de interior, tranquila e pacata.
Eu estou olhando esta cidade, do alto de um morro, não muito alto, mas o suficiente para ter uma queda d'água. Estou sentada na relva, posso admirar tudo à minha volta e a imagem é linda!
Daqui posso ver a cidade, assim como parte da floresta que a rodeia e sentir a queda d'água atrás de mim. O barulho é acalentador e consigo sentir os respingos d'água, refrescantes, cairem sobre mim e lavarem a minha alma.
Você deve se perguntar, porque eu estou aqui, quando o sol ainda está bem alto e é horário de trabalho. A questão é, não encontro outro lugar que possa ficar em paz, aqui não tem ninguém à minha volta para perturbar, que era o que estava acontecendo onde moro e trabalho.
Sou uma pessoa considerada inferior na cidade onde moro. Alguns acham que sou insignificante, pois sou a filha da costureira. Não temos dinheiro e nem uma boa vida social. Preciso trabalhar e ajudar minha mãe nas costuras, passo o dia fazendo bainhas, pregando botões, alinhavando e bordando.
Teremos uma festa muito em breve e muitos vieram fazer encomendas. Durante as provas de roupa, sou chutada, humilhada e agredida de todas as maneiras, pelos clientes. Às vezes, não tenho tempo nem de comer e, estou muito magra, bem abaixo do peso ideal.
Meus cabelos estão ressecados e opacos e minhas roupas já estão bem gastas. Com a grande encomenda de roupas, minha mãe precisou comprar muitos tecidos. Isso poderia me dar o direito de fazer um vestido para mim também, porém, minha mãe não deixa.
Ela me trata mal porque diz que meu pai a deixou por minha causa. O problema é que meu pai era moreno e eu nasci ruiva. Minha mãe é morena clara e meu pai ficou desconfiado, pois na noite em que fui gerada, meu pai se perdeu da minha mãe no meio da noite e minha mãe logo estava mostrando os sintomas da gravidez.
Homens!
Sempre desconfiados e precipitados.
Minha vida não tem sido fácil, pois como minha mãe me trata mal na frente dos outros, quem vê, também acha que pode fazer o mesmo e me trata mal também. O nosso líder não se incomoda, pois pensa que meu pai estava certo.
Olhando aqui de cima, a cidade é linda, calma e parece que tudo está em paz, mas lá dentro, é um tumulto e um burburinho só. Muita fofoca, muito ciúme, muita inveja e muitas jovens querendo conquistar o nosso líder.
Minha cidade, na verdade, é uma Alcateia e nós, somos criaturas sobrenaturais, lobisomens, vivemos numa sociedade escondida dos homens, mas também convivemos com eles. Eles nos visitam em certas épocas do ano, quando é permitido, mas eles não percebem quem somos.
Nasci há 45 anos. Para os humanos, posso estar madura, mas nossa raça vive muito, ainda não atingi a maioridade, digamos que estou saindo da adolescência, com aproximadamente 19 anos.
Apesar de ser filha de lobos, algo estranho aconteceu na noite em que fui concebida. A minha mãe, não conta o que foi, muito menos o meu suposto pai que me rejeitou quando nasci e ela desconta em mim a falta que sente do meu pai.
Sim! Ele é meu pai, querendo ou não, aceitando ou não.
Fiz uma pesquisa sobre arvore genealógica na biblioteca da cidade. Ela é grande e tem livros sobre todos os assuntos e descobri que na família de meu pai, houve uma ancestral com quem me pareço. Ela também foi discriminada, mas fugiu e ninguém sabe o que aconteceu com ela. É um tabu, falar sobre ela.
Pensei várias vezes em ir falar com ele, mas a careta de nojo que ele faz ao me ver na rua, junto com o atravessar para o outro lado, me fizeram desistir. Por mais que eu me esconda de todos, não tenho sangue de barata e meu orgulho foi o único sentimento de consolo que me restou.
Na idade certa, me transformei pela primeira vez e minha loba tem uma pelagem ruiva clara, puxando para o rosa, com mechas esverdeadas quase azuis. Comigo, tudo parece quase, quase aquela cor, quase aquele pai, quase não é feia, quase é normal, quase...
Por isso não falei para ninguém que já tenho minha loba e só me transformo quando estou sozinha. Graças a ela, não morremos de fome.
Meus cabelos também são ruivos quase rosados, por isso, eu os corto curtos e estou sempre com a cabeça coberta por tiras de pano. São sobras de tecido, que costuradas, formam uma faixa, que envolve toda a minha cabeça, assim, ninguém vê meus cabelos diferentes. Pois na Alcateia toda, não existe um ruivo sequer, só morenos de cabelos escuros.
De uns tempos para cá, a minha loba anda inquieta e pedindo para deixar o cabelo crescer, afinal, faz parte do pelo dela. Assim, estou atendendo seu pedido e deixando eles crescerem, mas mantenho eles sempre ocultos.
Também tenho uns calombos estranhos nas cotas, parecem extensão das escápulas, bem perto da coluna vertebral. Não sei o que é, mas uso blusas folgadas, para disfarçar. Eles aparecem bem, sobre as costas de minha loba também, já tentei ver pelo reflexo na água do lago, mas não consegui. Minha loba, Rose, disse que vou saber na próxima lua azul. Falta somente uma semana.
Meu nome é Lizandra, foi meu pai que escolheu antes de eu nascer, era uma homenagem para a mãe dele, mas quando ele me viu pela primeira vez, ficou com tanta raiva, que foi embora na mesma hora e minha mãe ficou tão arrasada que nem pensou em trocar o nome.
Acho meu nome lindo, mas ninguém me chama por ele, acho que nem sabem qual é. Para todos, meu nome é coisa, coisinha, esquisita...
Não posso dizer que não ligo, afinal, nosso nome é nossa identidade, deve ser respeitado. Mas não discuto e nem fico reclamando e exigindo que me tratem bem. Meu sonho é um dia me tornar alguém tão especial, que todos me admirem e reconheçam que também sou alguém.
Sei que é só um sonho, mas sonhar é de graça e ninguém sabe, então, não podem criticar, é algo só meu, que até me trás um sorriso ao rosto. Pode dizer que sou uma otimista, que fantasio demais, mas todos precisamos de uma válvula de escape.
Minha barriga acabou de roncar, é fome, pois não comi nada no café, nem podia, pois não tinha. Ultimamente só tenho me alimentado, como já disse, graças a Rose, que caça de madrugada quando a deixo sair.
Mas ela já está a duas noites sem sair. Pois da última vez, fomos perseguidas por um lobo negro muito grande, creio que era o Alfa Derick e não queremos que ele nos veja, sabe-se lá o que ele iria fazer, se nos pegasse.
Por hora, vou ficar aqui quietinha, tomando sol e curtindo o barulho das águas, enquanto espero minha mãe terminar de atender seus fregueses. Apreciar a natureza é tudo que eu tenho e ninguém pode tirar.
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Atualizado até capítulo 38
Comments
Maria Helena Macedo e Silva
iniciando mais uma leitura📖
2024-10-21
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Ligia Silva
chamou minha atenção parabéns
2024-10-02
1
Ligia Silva
iniciando 02/10/24 bora lá
2024-10-02
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