Capítulo 18

Lembro do meu caderno de anotações, sei que não teve nada de tão importante no sonho, mas não vou deixar nenhuma dessas possíveis lembranças escaparem assim. Enquanto estou concentrada passando tudo para o caderno, escuto um barulho vindo da cozinha. Me assusto e escondo o caderno o mais rápido possível, curiosa, vou até a cozinha procurar a causa do barulho, chegando na cozinha vejo minha mãe pegando alguns talheres do chão.

-Lia- O que aconteceu mãe?

-Sandra- Nada de importante, só estava organizando os talheres e acabei ficando um pouco tonta, nem percebi quando deixei os talheres caírem... (sorri para que a Lia não fique preocupada).

Sei que isso não é normal, simplesmente ficar tonta e deixar as coisas caírem. Respeito mais uma vez a escolha dela preferir esconder de mim o que realmente está acontecendo, e começo a juntar as coisas do chão para ajudá-la. Permanecemos caladas, as duas cientes de que minha mãe esconde alguma coisa, ela sente que eu sei sobre o meu pai e agora isso...

Depois de juntar tudo, eu a abraço e saio da cozinha, pego alguns livros e fico no quintal lendo. Do nada, escuto um “psiu”, continuo lendo sem perceber que estão tentando me chamar, então escuto mais uma vez e chamam o meu nome. Me levanto e fico procurando de onde está vindo, começam a falar “Aqui!”, vou seguindo a voz e quando percebo, vejo uma sombra pelas brechas do cercado do meu quintal, me aproximo e pergunto quem é.

-Gabriel- Sou eu Lia, Gabriel!

Quando escuto o seu nome, meu coração dispara e me sinto aliviada de finalmente estar perto dele novamente, mesmo com uma cerca nos separando.

-Lia- Como conseguiu...??

-Gabriel- Achou que eu tinha esquecido você?

-Lia- Bom... Nã...Não é bem isso...

-Gabriel- Achou sim. (Sorri). Desculpa, mas eu não poderia arriscar ficar falando com você, não sei se seu marido grampeou seu celular... estou aqui rezando para que ele não perceba. 

-Lia- Espera!

Quando ele fala isso, percebo que tenho que disfarçar, minha mãe não pode ver que estou falando com alguém através da cerca. Então pego a cadeira e os livros e me sento me encostando na cerca perto de onde o Gabriel está e fico com o livro em minha frente, fingindo que estou lendo.

-Lia- Pode falar. Você vai me tirar daqui?

-Gabriel- Vou sim, já estou organizando tudo, só preciso que você espere por mais alguns dias.

-Lia- Não tenho muito tempo... Eu te avisei, o Matheus já organizou uma viagem que vou sair do país. 

-Gabriel- Não se preocupe, vou fazer isso o mais rápido possível. Tenho que ir agora.

-Lia- Não! Por favor, fica mais um pouco...

-Gabriel- Desculpa Lia, não podemos... (Fala e sai rápido para que ninguém o veja).

Quando ele vai embora, já começo a sentir sua falta, queria passar mais tempo conversando com ele. Me viro rapidamente procurando a sombra dele pelas brechas e não o vejo mais. Suspiro e me sento novamente para continuar a minha leitura.

-Sandra- O que foi Lia? (Grita perguntando da porta do quintal).

-Lia- Nada! Está tudo bem, pensei que era um cachorro do outro lado...

Ainda bem que minha mãe não percebe nada e volta para dentro de casa. 

No final do dia volto a olhar as fotos antigas e abro os documentos que estavam escondidos no cofre, procurando alguma informação que possa me ajudar de alguma forma. Agora que sei que Gabriel vai me tirar daqui olho tudo para poder passar para ele. 

Nada de novidade nos documentos, só fico curiosa para saber que tipo de despacho é esse que o Matheus está fazendo com o nome da empresa. Penso se ele teria capacidade de mandar matar meu pai por ele está investigando suas coisas, prefiro acreditar que não, talvez tenha sido de fato um acidente, uma fatalidade do destino.

Só queria saber onde o meu pai foi enterrado. Corro para o escritório procurar se tem algum documento do cemitério, mas só encontro álbuns de fotos antigas, de quando eu era criança. Olho as fotos por horas, bate a saudade dessa época de quando eu não tinha preocupações.

Deito-me na minha cama e fico pensando nos momentos de gentileza do Dr. Gabriel. Não entendo como um homem tão lindo e gentil ainda está solteiro e sem ter construído uma família. Meu sonho era encontrar alguém que me amasse de verdade, que fizesse de tudo por mim e que gostasse do jeito que eu sou, para um dia ter uma família, mas acabei casando com um possessivo psicopata, ainda bem que não tivemos filhos...

E se eu estiver passando por isso tudo apenas para conhecer o Gabriel e ter uma história com ele? Apenas imagino que seria mais feliz se estivesse com ele, é um homem com coração de ouro. Pego meu caderno e começo a escrever meu ponto de vista sobre o Dr. Gabriel, de como ele é especial para mim e como eu nunca pensei que fosse me sentir assim com alguém antes. Eu gosto dele, sinto meu coração descontrolado só de pensar nele, mas ao mesmo tempo não sinto vergonha ou a necessidade de ser outra pessoa em sua frente, não sinto medo quando estou com ele, sinto paz e segurança até mesmo para contar tudo o que penso para ele, é meu confidente. 

Finalmente hoje consegui vê-lo depois de dias de sofrimento por estar distante dele e sem saber como ele estava. Se fosse do meu alcance, eu teria pulado aquela cerca e sairia correndo com ele sem me importar para onde iriamos. Mas parece que ele tem um plano em mente que é muito melhor que simplesmente sair correndo sem definir o destino, o que me resta é rezar para que tudo o que ele está arquitetando dê certo e esperar o momento certo. Depois de viajar em meus pensamentos, já me imaginando longe daqui de casa e feliz por estar pertinho do Gabriel, me lembro do meu amigo que está hospitalizado e até agora não tive notícias se ele pelo menos acordou, pego um terço, me ajoelho e começo a rezar pelo Henri. Se eu pudesse iria até ele e doaria um pouco da minha vida para ele acordar novamente e conversar comigo mais uma vez. Já perdi meu pai, pelo que vejo, minha mãe não está 100% bem, minha amiga de infância não é mais confiável... Realmente temos que aproveitar cada momento das nossas vidas, pois não sabemos quando vai ser nosso último momento com as pessoas que amamos.

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