Capítulo 1

Desço correndo a escada de casa e apesar do atraso consigo pegar uma maçã na fruteira sobre o balcão da cozinha e sair em disparada pela porta da frente.

Meu tempo está cronometrado e chego ao ponto junto com o ônibus escolar. Entro de cabeça baixa e vou me sentar no último banco. Jogo minha mochila no chão e dou a primeira mordida já com meu livro nas mãos.

Apesar de ainda poder ouvir os murmúrios dos outros ocupantes do ônibus me obrigo a desligar. O percurso é rápido, mas são algumas paradas até chegarmos ao destino.

Espero todos descerem e me dirijo a porta por último. Penso assim até que escuto um ruído e quando olho para um dos bancos a direita vejo umas das meninas que me perseguem se agarrando com um garoto.

Eles se assustam e quando olham na minha direção posso ver que o rapaz é o namorado da Tracy. Acho que demonstro reconhecê-lo, pois logo Alice se coloca na minha frente e vejo seu olhar furioso em minha direção.

– Se contar alguma coisa que viu aqui para a Tracy juro que vai se arrepender.

Apenas aceno confirmando e corro para a escola. Não presto atenção em nada, mas assim que chego ao meu armário, já um pouco mais calma, posso escutar o burburinho.

Frases soltas que falam das roupas que uso, do meu cabelo, da minha falta de beleza. Os comentários não me abalam mais. Já me acostumei com esse tratamento.

Me isolo. Caminho de olhos baixos, fixos no chão. Eu tentei entender porque me tratam assim, mas agora? Quem se importa?

Não entendo porque implicar com minhas roupas, estou de uniforme. Não é igual para todos? Não uso maquiagem e não uso nada justo ou agarrado.

Só sinto meu coração disparar quando sua voz chega num tom de deboche:

– Ora ora e não é que o monstrinho veio para a escola com suas roupas nada sensuais? Não bastou o vexame de ontem ainda aparece assim na minha frente?

Risadas seguem suas palavras e ergo a cabeça por segundos, mas ao olhar em seus olhos abaixo a cabeça imediatamente.

Astro do time de basquete e garoto mais desejado e popular da escola. O uniforme lhe cai bem, melhor que em qualquer outro. Ele tem cabelos castanhos, pele clara e olhos esverdeados. Só que quando se fixam nos meus, vejo ódio. Como ele podia me odiar tanto? Tudo por causa do primeiro dia! Meu péssimo primeiro dia.

Entrei na escola de cabeça baixa, ninguém estava me dando atenção. Ótimo. Encontrei meu armário com facilidade, quando estava prestes a fechá-lo sinto que alguém se aproxima.

– É aluna nova? – sua voz é suave e levemente curiosa, sinto que ele me observa o que faz minha resposta sair mais baixa do que esperava.

– Desculpe não conseguir ouvir. – ele diz sorrindo.

Que sorriso! Olho em seus olhos para responder, mas volto a encarar o chão. Que olhos são aqueles? Lindos olhos esverdeados. Me perco neles.

– Sim. – digo timidamente.

Ele é muito lindo. Deve fazer sucesso com as meninas.

– Para que tanta timidez? – ele ri. – Vamos começar de novo. Prazer sou Ben Marshall.

Não criei coragem para olhá-lo novamente, então apenas aumento um pouco meu tom de voz.

– Prazer em conhecê-lo. Sou Melissa Contré.

– Nome bonito. Francês?

– Sim.

– Você é muito linda, já pensou que formaríamos um belo casal?

Gelei. Como assim um belo casal? Acabei de conhecê-lo e ele já quer ficar comigo? Tento responder de forma educada.

– Desculpe, mas eu não entendi o que quis dizer. – olho para os lados.

Todos estão nos observando, me sinto ainda mais nervosa.

Olho em seu rosto e vejo uma mudança enorme em seu semblante.

– Querida. – seu tom se tornou sarcástico. – Você acha que está em que século? Desculpe, mas aqui as coisas são diferentes, quando eu chego numa garota ela não me nega nada. Entendeu?

Choque deve ser a palavra certa. Ele não era um garoto fofo? As pessoas ao redor começam a sussurrar que ele levou um fora. Me chamam de esquisita.

Ele entende o que dizem e apóia sua mão direita no armário ao lado da minha cabeça e aproxima seu rosto do meu. Me encolho o máximo que consigo.

– Você deveria se dar por feliz. Por esta oportunidade. Já se olhou no espelho? Nem a minha avó se veste desta maneira! – seu tom é rude e no final ele ainda ri, um coro de risadas o segue.

As lágrimas já estão prontas, corro para o banheiro e ouço os comentários terríveis. Estranha? Monstrinho? Por que tanta maldade?

Eu só queria que esse dia passasse. Que tudo isso fosse só um pesadelo, mas não era. Era a minha realidade.

Enquanto pego meus livros respiro fundo várias vezes e pela milésima vez coloco uma mecha do meu cabelo no lugar. Pego tudo que preciso. Fecho o armário e vejo a ponta do seu tênis na minha frente. Não penso em nada e apenas desvio do seu caminho até chegar a minha sala de aula.

Caminho para meu isolamento no fundo. E depois de sentar, levanto a cabeça por poucos segundos observando os outros alunos entrarem. Quando ele entra na sala seus olhos grudam nos meus e me obrigo a desviar o olhar rapidamente.

Sinto meu rosto enrubescer e me obrigo a afundar o rosto no livro que tenho nas mãos. Percebo que alguém está falando comigo e ao erguer meu rosto dou de cara com a Srta. Elisa, nossa professora de português.

– Melissa, poderia fazer a gentileza de abrir o livro de história da literatura na página 124? Ou seu livro é muito mais importante?

– Me desculpe, eu realmente não vi a senhorita. – abro meu livro.

– Talvez ela queira ler para nós Srta. Elisa? – Ben fala com seu tom mais irônico – Esquisita. – fala meio tossindo e todos seus amigos mais próximos dão risadas.

Olho para a professora em pânico. Vejo seu rosto relaxar e me dar um sorriso, percebo que ela não chamou minha atenção por maldade.

– Então, Ben como o senhor deseja muito que ela leia que tal vir aqui com os senhores Joel, Mark e Johnny e começarem a ler?

De onde estou percebo que eles não gostaram muito da idéia e ficam resmungando, mas quando a professora os chama novamente obedecem e começam a ler.

Quando o Joel começa a ler a sala passa a ter piadas baixas e risadas. Ele tem dificuldade e, realmente, sinto pena dele. Como as pessoas podem ser tão maldosas? Mas me mantenho calada. Sei que quem se opõe paga por isso.

O sinal toca e Ben volta ao seu lugar com um olhar fuzilante na minha direção, sorte que o próximo professor entra imediatamente. Sou poupada de qualquer comentário.

No intervalo vou até o canto mais distante e continuo lendo enquanto mastigo uma barra de cereal. Estou tão entretida que quando escuto um barulho, olho para frente e vejo Ben agarrando uma menina a poucos metros de onde estou.

Sua mão está dentro de sua blusa. Acompanho seus movimentos e quando ele a coloca de costas para onde estou e a beija olhando na minha direção me sinto intrusa.

Levanto e sinto seu olhar me acompanhar. Pelo canto dos olhos vejo-o afastá-la e dar um leve tapa nas nádegas dela, que sai toda sorridente em direção à cantina.

Assim que guardo meus livros e vou em direção à saída vejo o carro que minha mãe usa parado no meio fio. Me jogo ao seu lado e vamos em direção ao centro.

Ela me leva por diversas lojas de antiguidades. Estamos andando já há algum tempo e sua voz apenas me fala: “apenas mais uma e já vamos embora”.

A sineta da porta toca assim que entramos e uma vendedora se dirige até onde estamos e minha mãe já vai até um móvel que está no fundo da loja. Observo minha mãe se afastar e apesar de amá-la fico com dó do meu pai ele sempre cede aos seus desejos.

Estou olhando uma bacia de ágata branca com um jarro do mesmo material quando vejo uma moldura que me chama a atenção. Ela é escura como ébano e brilha mesmo à distância.

Caminho desviando dos móveis e acabo ficando de frente para um espelho de corpo inteiro, sua superfície, à primeira vista, lembra um lago calmo e silencioso.

Fico olhando meu reflexo nele e lembro da forma como o Ben me olhou. Surgem, delicadamente, pequenas ondulações começam no canto inferior, próximo à moldura e vão até o centro se desfazendo. Sem pensar estico minha mão e toco a superfície do espelho. De repente, uma imagem se forma. Vejo poltronas listradas de vermelho e dourado aparecerem.

Ao fundo uma estante que vai do chão ao teto com livros, uma escada e sobre ela um rapaz belamente vestido, aparentando ter a minha idade. Fico observando-o tirar um livro e escorar o corpo na prateleira para lê-lo. Ele não olha para trás.

Dou uma risada baixa e penso que estou ficando realmente louca, puxo minha mão soltando um pequeno arfar de espanto. Ele se vira e olha ao seu redor.

A imagem se desfaz e fico pensando que isso não aconteceu. Olho para o espelho e nada aparenta estar diferente. Esfrego meus olhos e dou uma risada que sufoca um pequeno soluço.

Vejo meu reflexo e nada nele me chama a atenção. Sou baixa para uma garota de 16 anos, pele clara e cabelos castanhos escuros, longos, lisos na raiz e cacheados nas pontas.

Minha mãe sempre me fala que devia andar com eles sempre soltos, mas não me sinto bem. Me acostumei a usá-lo preso. Tenho olhos verdes e um rosto com maçãs do rosto bem desenhadas.

Quando termino de olhar minha imagem vejo a superfície tremular novamente. Estico minha mão para tocá-lo, e estou quase lá, quando escuto uma voz que me impede de continuar, me viro para olhar em um par de olhos iguais aos meus.

Minha mãe vem falando com a vendedora, mostrando o móvel que gostou e quando me procura com o olhar vejo que seu interesse foi despertado pelo espelho que eu admirava anteriormente.

– Mel que espelho lindo. Gostou? – me pergunta.

– Gostei mãe, ele é realmente muito bonito. – respondo.

Neste momento vejo os olhos assustados da vendedora e ela apenas caminha até onde estou e delicadamente me tira da frente do espelho.

– Desculpe senhora, mas este não está à venda, é uma peça muito antiga e de estima da proprietária da loja. – fala me empurrando o mais longe possível do espelho.

Sinto um vazio dentro do peito. Queria ver o rapaz mais uma vez. Recordo seus traços... Ele me lembra alguém, mas quem?

Minha mãe mesmo reclamando muito acaba cedendo à vendedora e compra a cômoda que ela viu quando entrou.

Não me aproximei mais do espelho. Fiquei ainda mais curiosa sobre ele. O que ele pode fazer?

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Comments

Lena Macêdo E Silva

Lena Macêdo E Silva

hum, o espelho é um portal ⁉️🤔
lembrei do filme "em algum lugar do passado"

2023-08-20

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