Sinto meus olhos cheios de lágrimas e não consigo segurá-las. Ele tem algumas semelhanças com o Bem, só que adulto. Seu tom de voz, apesar de não conter o tom de escárnio, é parecido.
Ele solta meu braço e como não consigo me manter em pé, sento no sofá.
– D-desculpe senhor, e-eu não sei como vim parar aqui. – olho na direção do espelho.
Ele solta um suspiro e senta-se ao meu lado.
– A senhorita mora onde? – pergunta e aponto para o espelho – Está querendo me dizer que veio de lá? – apenas confirmo – Não sei o que pensar.
– Eu estava no meu quarto. Tenho um espelho igual a esse lá. Cheguei muito nervosa em casa. Bati no espelho e pedi para que me tirasse de lá fui sugada e vim parar aqui.
Ele me observa e depois me dirige um sorriso.
– Em que ano você vive? – pergunta
– Em 2014 e vocês?
– Estamos em 1890. – bate com as mãos nos joelhos – Não acredito! Meu pai contava histórias desse espelho. Nunca acreditei que eram verdadeiras. Sempre achei que ele estava louco depois de perder minha mãe.
Ele dá uma risada e me observa atentamente.
– Bem, a senhorita gostaria de retornar? – pergunta.
– Sim, mas o espelho não está mais me mostrando minha casa. Não sei como fazê-lo funcionar. Todas às vezes eu vi as imagens que ele me mostrava.
– Então precisamos providenciar roupas e uma história para sua permanência aqui. Não será bom verem-na vestida com roupas masculinas. Vou levá-la até um dos quartos no andar superior e uma empregada irá ajudá-la e providenciar tudo para sua higiene.
Me olha com a testa ainda franzida.
– Apenas peço-lhe que me faça um favor, não conte a ninguém da casa de onde vens. Direi que és uma sobrinha de terceiro grau, que reside no campo e que precisa de abrigo. Nada mais. Estamos acertados?
– Sim senhor. – respondo.
Ele faz um gesto com a mão para que o siga e vamos até a lareira, ele aciona um dispositivo e vejo escadas estreitas aparecerem por trás de um painel.
– Peço-lhe que não use as passagens sem conhecê-las são arriscadas e perigosas.
Sigo seus passos e vamos subindo em direção à parte de cima da casa. Ele vira em alguns corredores e quando acho que não vai acabar ele abre outra passagem e entramos num quarto todo decorado em azul e branco.
Uma cama de dossel enorme está no centro do quarto com uma cortina azul presa nos mastros de um dos lados. Ele se aproxima de uma mesa próxima à lareira e depois de fechar a passagem toca uma sineta.
Em poucos minutos uma menina da minha idade adentra o quarto e se inclina na frente do senhor.
– Alicia, providencie um banho para a senhorita, roupas e ajude-a a encontrar a sala de jantar. Lembre-se que não aceito atrasos. – ele se vira em direção à porta e quando já está quase saindo se vira e olha na minha direção – Pode me chamar de tio Joseph, querida...
– Melissa. – respondo, vejo seu sorriso aumentar.
– Melissa... Um nome forte para uma mulher forte. – ele sai e Alicia já está providenciando as coisas que o seu senhor pediu.
No quarto num dos cantos tem biombos que escondem uma tina de madeira e vejo a camareira enchê-la com vários baldes que são tragos por alguns empregados. Ela me ajuda a despir minhas roupas e, sem falar nada as esconde no fundo de uma gaveta da cômoda que tem no quarto.
Ela lava meus cabelos com xampu com aroma de flores e depois passa um tipo de condicionador que é muito diferente do que uso em casa. Como prometido me mantenho calada.
Ela esfrega minhas costas com uma barra de sabão de ervas e depois me entrega um pano já com sabão.
– Para limpas suas partes íntimas. – ela fala baixinho.
Agradeço. Quando ela se sente satisfeita pega uma toalha e enrola meu cabelo e me estende outra para que eu me enrole nela.
– Senhorita irei providenciar roupas e já retorno. – ela faz uma mesura e se retira.
No quarto, me acomodo numa poltrona e fico secando meu cabelo com a toalha. Algum tempo depois ela retorna com várias peças nos braços e com cuidado separa as íntimas e me ajuda a vesti-las.
A primeira é uma espécie de camisola que cobre meu corpo, meias que são presas por ligas, espartilho que ela aperta até quase me faltar ar, ela me ajuda a colocar um vestido amarelo claro com vários laços no seu corpete, babados e camadas. Ela fecha o vestido e me ajuda a calçar as sapatilhas da mesma cor.
Ela me pede para sentar num banco e com facilidade faz diversas trançar no meu cabelo e as arranja num penteado elaborado. Quando olho no espelho não reconheço o reflexo.
Ela me olha e sorri.
– Obrigado Alicia. – falo sorrindo e vejo seu rosto se cobrir de rubor – Está tudo bem, amei o penteado e o vestido.
Ela agradece com um fio de voz e se retira. Fico sozinha e observo o jardim da pequena sacada do quarto.
As horas passam lentamente e quando menos espero escuto uma leve batida na porta.
– Entre. – digo e Alicia aparece.
– Senhorita vou levá-la para a sala de jantar. Acompanhe-me, por favor? – ela segue pelo corredor e vou logo atrás.
Observo o corredor dar numa escada. A casa tem duas alas e as escadas se encontram e descem até o átrio central. No teto existe o maior e mais lindo lustre de teto que já vi. Ele brilha como se fosse feito de diamantes. Observo tudo maravilhada e reparo que o corrimão é de madeira trabalhada.
Tudo é muito lindo aqui e quando chego ao andar inferior sou levada a uma sala em que já estão sentados a mesa o senhor Joseph e uma mulher de lindos cabelos negros presos em uma simples trança que cai por suas costas.
– Boa noite tio Joseph. Senhora. – faço uma mesura e sou levada a sentar ao lado da mulher.
– Boa noite Melissa, Joseph me falou que seus pais pediram que ficasse conosco por uma temporada para conhecer alguns pretendentes. Qual sua idade querida?
– Estou com 16 anos. – vejo Joseph correr em meu socorro.
– Ela está aqui apenas para aprender etiqueta e para ir a alguns bailes, querida. Deixemos os trâmites finais para seus pais.
– Bem, podemos levá-la a festa dos Anderson neste sábado. O que acha? – ela fala.
– Perfeito! Yone vamos arrumar tudo para poder levá-la. – diz Joseph – Agora por onde andas este rapazinho que está novamente atrasado?
Assim que ele termina de falar podemos ouvir passos apressados em direção à sala e as portas se abrem para dar passagem a um rapaz um pouco mais velho que eu, cabelos escuros e olhos castanhos esverdeados que se tornam ainda mais intensos usando uma calça de montaria preta, camisa branca e casaco verde escuro. Ele para de caminhar assim que me vê e parece me reconhecer.
Desvio meus olhos e fecho-os por um momento. Não pode ser. É o Ben. Aquele que me maltrata e repudia na escola, que me beijou a força.
Me sinto sufocar e tento respirar, sinto o espartilho me cortar cada vez mais. Olho na sua direção e vejo-o se aproximar com um sorriso.
– Boa noite mãe e pai. Desculpe meu atraso, mas estava cavalgando. Perdi a noção da hora. – sua voz é igual a do Ben, sinto meu coração saltar no peito.
– Benjamim, está é minha sobrinha, Melissa. Ela veio ficar conosco por algum tempo. – Joseph está com o semblante sério ao perceber o interesse de seu filho – Melissa, este é meu filho Benjamim.
– Prazer, senhorita Melissa. – ele diz me observando.
Estou sem reação, olho para ele com uma mistura contraditória de sentimentos. Recordo daquele que me maltratou no meu tempo. Tento não demonstrar o terror que sinto.
Digo a mim mesma que não são a mesma pessoa, é apenas uma aparência similar. Na verdade, uma aparência idêntica.
Respiro fundo e respondo:
– O pra-prazer é todo meu, Ben. – digo gaguejando e quando todos me olham espantador, não entendo o que fiz de errado. Será que foi por gaguejar?
– Desculpe senhorita. – ele diz com um sorriso me observando com um olhar divertido e atento. Seu sorriso é... Diferente, este é amável e apaixonante. – Mas, por favor, me chame de Benjamim.
Sinto minhas bochechas queimando. Estou em 1890 e quero chamar um homem por um diminutivo? Bravo Melissa, agora a família dele vai te achar estranha.
– Claro. – respondo calmamente. – Desculpe-me.
Fica um clima pesado, sinto os olhares de sua mãe sobre mim, não é possível uma pessoa se sentir mais envergonhada do que eu.
Os empregados nos servem os pratos: creme de ervilha, crepes salgados recheados com frango e requeijão, molho branco e arroz selvagem.
Levanto meu olhar calmamente para observá-lo e vejo que ele me olha discretamente. Abaixo meu olhar rapidamente, dou um sorriso envergonhado, se fosse o Ben que conheço este já estaria se agarrando com a garota que sorrisse para ele.
Levanto meu olhar e vejo que ele percebeu meu sorriso. Seus lábios lançam um sorriso de canto que me tira o fôlego. Não podem ser a mesma pessoa!
Começo a comer em silêncio, quando sua mãe começa a falar:
– Melissa querida, o que costumavas fazer quando estavas em vossa casa?
– Bem... – o que dizer? Sinto que ele está me olhando atentamente. Pense Mel, você pode dizer o que faz no século XXI, é só escolher as palavras certas. – Eu estudava... – Joseph me olha apreensivo. Será que é errado estudar? Benjamim me olha surpreendido. – Por obrigação de meu pai. E aprendi a apreciar a literatura.
Vejo o alivio no rosto de Joseph. Respiro aliviada. Yone me olha impressionada. Benjamim tem um olhar maravilhado que me hipnotiza.
- Que maravilha querida. Uma moça estudada e amante da leitura! Quanto a livros, creio que não terás problema. Benjamim também é um grande amante da leitura.
O encaro e vejo seu sorriso. Gostaria de sorrir de volta, porém sei que não devo. Então apenas balanço minha cabeça e dou um sorriso bem discreto, seus pais não percebem, mas ele viu.
– Quanto a afazeres domésticos? – ela me pergunta mais interessada.
Olho preocupada para Joseph, não sei nada em relação há “afazeres domésticos”, isso não é tão necessário no século XXI. Ele me socorre.
– Creio que quanto a isso, minha querida Yone, Melissa não está preparada. Meu irmão é um homem muito acima de seu tempo. Se preocupou mais com os estudos da filha.
– Isto é muito preocupante querida! – ela diz preocupada. – Teremos muito a fazer.
Dou um sorriso tímido e volto-me ao meu jantar.
– Impressionante. – ouço sua voz e ergo o olhar – Uma mulher com estudo, mas sem dotes caseiros. Isso é longe de nosso tempo! – diz curioso.
– Não fale besteiras querido. – sua mãe o repreende. – Uma moça sempre necessitará de dotes caseiros, Melissa irá aprendê-los com muita facilidade.
Concordo timidamente com um aceno de cabeça e volto a comer, mas vejo seu olhar carregado de curiosidade.
Terminamos o prato principal e os criados retiram os pratos substituindo pela sobremesa. Alfajores com cobertura de chocolate. Meus lábios secam, minha boca se enche d’água. Amo doces! Fecho meus olhos para apreciar mais o aroma quando sua voz surge:
– Gostas de alfajores?
Abro meus olhos. Dou um sorriso.
– Acho magnífico seu sabor. – respondo cautelosamente.
Seus pais nos observam, sei que não devo demonstrar interesse por ele. Apesar de me sentir muito confusa, não consigo deixar de encarar seus olhos.
– E quanto à literatura? – ele pergunta curioso. – Tens algum livro preferido?
Não preciso pensar para responder a esta pergunta, independente de qualquer coisa, meu livro favorito sempre será:
– Hamlet.
Seus pais apenas observam nossa conversa. Vejo seus olhos expressarem aprovação. Seu sorriso surge lento e toma tudo ao redor. Vejo apreensão no semblante de seu pai e troca um olhar aflito com tia Yone.
– És verdade? – ele me pergunta ansioso.
– Sim, por que mentirias? – pergunto duvidosa.
Seus olhos brilham, estou contagiada por esse olhar!
– Este também é meu livro favorito.
Sinto que deveria me calar, mas não consigo.
– Amo as aventuras. – digo sonhadora. – Me sinto em outro sé... – e agora? Não posso dizer século! Eu estou no século já! Suspiro. Preciso contornar a situação. – Me sinto em outro local.
Ele solta um suspiro e seus pais reprovam esta atitude com um olhar, ele percebe seu erro e me responde:
– Sinto-me do mesmo modo. – seu tom indica o final do assunto.
O clima volta a ficar tenso, volto a me sentir nervosa e o espartilho parece me apertar. Me sinto sufocada, numa confusão de sentimentos que me deixam louca.
Começo a transpirar e vejo tudo embaçado. Respiro fundo, me concentro na sobremesa. No seu sabor, seu cheiro... Começo a me sentir melhor. Saboreio o doce e quando ergo meu olhar vejo seus olhos me observando. Não lhe dou atenção e continuo com minha sobremesa. Até que tia Yone fala:
– Melissa, dar-me-ia a honra de me acompanhar em um passeio amanhã?
– Claro. – digo sorrindo verdadeiramente.
Termino meu jantar e peço licença para tio Joseph. Me ergo e após desejar uma boa noite sigo em direção às escadas.
Estou sorrindo ao lembrar do seu olhar de admiração e me sinto leve por dentro.
Em meu quarto encontro Alicia me esperando. Depois de me ajudar a tirar a roupa e colocar a leve camisola se retira para seus aposentos.
Estou entre os lençóis quando batem na porta. Ao abrir vejo apenas um livro com um bilhete por cima. Começo a sorrir ao ler o bilhete.
Para uma moça tão bela, com sonhos e aventuras;
Para uma moça diferente, que não deveria pertencer a esta época;
Um presente de seu primo, um eterno admirador de seu sorriso.
Pego o bilhete e guardo dentro do livro e me ao ver o título me deixo caminhar até a cama e começo a ler sem tirar do rosto um sorriso bobo.
Como posso agradecer a gentileza? Não podemos ficar a sós, mas somos primos aqui. Quem sabe não haja uma forma?
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Lena Macêdo E Silva
no filme "em algum lugar do passado" o protagonista viajava olhando para um 🖼️ e ajeitava todo o quarto com objetos do século que queria estar 🤔
2023-08-20
1
Jacy Pires
apaixonei😍
2022-03-14
1
Miriana Rodrigues
estou
amando
2022-01-19
0