Ele é parte de mim

O ar era fino.

Frio demais para o mundo dos vivos.

Mas eu respirava.

Cada passo me levava para mais longe dos meus. Dele.

Mas também... para mais perto do que precisava saber.

A floresta silenciava ao meu redor conforme me aproximava do Círculo Azul — aquele lugar onde as lendas sussurravam que o mundo era costurado por linhas de poder esquecidas. As pedras antigas me reconheceram. A luz azul-pálida brilhou nas runas que dormiam desde antes dos reinos caírem.

E então... elas.

Quatro.

Quatro bruxas.

A primeira — Mirellian — loira como a névoa que sussurra entre os portais, olhos translúcidos que pareciam ver o antes e o depois.

A segunda — Saryta — de cabelos negros como a escuridão dentro de uma caverna esquecida. Os olhos frios, um silêncio antigo em sua pele argilosa.

A terceira — Vaelira — de cabelos roxos, adornados com fios de prata e pequenas pedras encantadas. Sorriso lascivo, cruel, um veneno doce.

A quarta — Scarleth — ruiva como o sangue derramado em sacrifícios antigos. Os olhos âmbar brilhavam com fogo, e sua aura fazia o chão estremecer.

Parei diante delas.

E elas... sorriram.

— A Rainha das Almas Perdidas. — sussurrou Scarleth. — Finalmente está pronta para acabar com os lobos e essa guerra inútil...

Senti o calor no ventre. A vida que pulsava em mim urrava, ele sentia.

Meu poder crescia com ela, eu sabia que era outra como eu, minha loba bruxa.

— Eu não vim para acabar com os lobos — respondi. Minha voz era firme, carregada de um eco ancestral. Os olhos brilharam como brasas ao vento. — Vim para ouvir. Não para destruir. E que fique claro: não luto contra os meus.

O sorriso de Scarleth morreu.

O rosto de Saryta endureceu.

— Tola — cuspiu a ruiva. — Você ainda acredita que pode viver entre eles. Precisamos arrancar de você a bruxa que foi aprisionada, escondida por gerações. Libertá-la!

Enquanto ela falava, vi Saryta mover a mão, quase imperceptível. Os dedos dela dançavam como névoa, puxando fios invisíveis... tentando entrar na minha mente.

Tolo erro.

Em um sussurro de magia pura, quebrei o laço.

Não levantei um dedo.

Apenas olhei para ela — e dominei.

Saryta deu um passo para trás. O rosto se contorceu em dor. A conexão foi cortada, esmagada sob minha vontade. Um pequeno filete de sangue escorreu de seu nariz.

— Eu não sou uma porta aberta, Saryta. Sou muralha. Sou vulcão. Tente invadir minha mente mais uma vez e conhecerá o preço de mexer com a filha da loba.

O silêncio era de chumbo.

Mirellian, a loira serena, manteve-se impassível, mas havia respeito em seu olhar agora.

— Os magos e os bruxos estão reunidos — disse ela. — Esperando por você, Elowen. O Conclave da Lua Negra começa com sua presença.

Eu não respondi.

Meu peito se apertava.

Não por medo... mas por falta.

Ele viria. Eu sabia.

Só havia uma criatura neste mundo capaz de segurar a fúria que eu ainda não conhecia em mim, de entrar em minha mente e lutar com a bruxa se fosse necessário.

Rhaizal.

Vaelira, a de roxo, tocou o braço de Scarleth.

— Perdoe minha irmã — disse, sua voz doce, encantadora. — Ela tem medo. E o medo a faz falar demais. Nós só queremos o equilíbrio... e você, rainha, é a chave.

Elas continuavam falando, palavras com véus de mel e lâminas. Mas eu não ouvia mais.

Então aconteceu.

O grito.

Feroz. Vivo. Selvagem.

Rhaizal.

Meu coração explodiu no peito, a alma o reconhecendo antes do corpo.

Virei sem perder o controle.

Ele surgia entre as brumas, coberto de suor e fúria, olhos ardendo como o sol em guerra. A loba corria ao seu lado, rosnando para as quatro, o pelo eriçado. Elas recuaram. Até mesmo Scarleth sentiu.

Estiquei minha mão.

— Rhaizal...

Ele veio.

Atravessou a fronteira mágica como se ela fosse feita de papel.

Tomou minha mão. Forte. Quente. Real.

A loba parou ao meu lado, ainda rosnando, até eu lhe fazer um carinho — e ela se calou.

Firme. Leal. Presente.

Ele olhou para as bruxas com olhos cortantes.

— Elas não são confiáveis — murmurou. — E você sabe.

— Eu sei — sussurrei de volta. — Mas quero ouvir. O que fizemos até agora não foi suficiente. Talvez, só talvez... haja algo que valha ser escutado.

Ele assentiu. Mas não me soltou.

E eu não soltei ele.

Juntos, diante das quatro forças do desconhecido, prontos para ouvir — mas não para se curvar.

O aperto da mão de Rhaizal era mais que um gesto.

Era um aviso.

E as bruxas sentiram.

As quatro trocaram olhares entre si, como se um feitiço antigo estivesse sendo desfeito somente por ele estar ali — um lobo alfa caminhando entre círculos sagrados, sem ajoelhar, sem pedir.

Scarleth, a ruiva de fogo, foi a primeira a falar. Sua voz ferveu o ar.

— Ele não pode permanecer.

— Ele é a ruína, o instinto primitivo que vai destruir tudo! — completou Vaelira, os olhos faiscando como veneno em brasa. — Se ele entrar no Círculo do Conclave, haverá morte.

— Ele é lobo — cuspiu Saryta, ainda com sangue seco no rosto. — E os lobos não pensam, somente matam.

Mirellian, a mais serena, manteve-se em silêncio, mas seus olhos se turvaram de preocupação.

Rhaizal rosnou.

E dessa vez, não foi a loba.

Foi ele.

A ameaça vibrando em sua garganta como trovão prestes a explodir.

— Tente me separar dela, e eu serei o último som que vocês ouvirão — disse com a voz rouca, quase animalesca, mas precisa. — Eu não vim para fazer parte do jogo de vocês. Vim porque ela está aqui. E onde ela for, eu vou. Mesmo que eu tenha que passar por cima de quatro bruxas antigas para isso.

A floresta tremeu. A magia reagiu. As runas nas pedras faiscaram, ameaçando se apagar ou queimar de vez.

As bruxas deram meio passo para frente.

E foi quando eu falei.

A voz saiu de mim sem esforço, mas com uma força que as silenciou por completo.

— Chega.

As chamas nos meus olhos se acenderam.

Não era fúria. Era verdade.

— Nós não somos dois. Somos um só. O sangue que pulsa nele também pulsa em mim. E só ele pode conter o que nem vocês conseguem imaginar.

— Se ele morrer... eu caio com ele.

— Se ele for impedido... o equilíbrio se rompe.

Elas me encararam como se vissem algo que não previam. Algo que assustava até elas.

— A guerra não vai acontecer — continuei. — Eu não permito.

As runas nas pedras brilharam com um novo tipo de luz, dourada e viva.

Não era magia delas.

Era minha.

— A Grande Filha da Lua desperta esta noite.

— A Rainha não precisa de permissão.

— E se vocês ficarem no caminho...

Inclinei levemente a cabeça.

— …será morte.

O silêncio que se seguiu foi denso como fumaça. Até mesmo a floresta se calou, como se os deuses antigos estivessem escutando.

Rhaizal me olhou com orgulho, com reverência.

Ele sabia.

Desde sempre, ele sabia.

E agora... elas também sabiam.

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