Uma força sobrenatural

A noite estava quieta demais.

E isso me incomodava.

A lareira crepitava na minha casa de pedras escuras. Eu ainda estava com a camisa aberta, tentando entender o desconforto que me tomava desde o fim da tarde. Algo dentro de mim se agitava como uma fera presa, inquieta, enlouquecida.

Foi quando Drevan, um dos meus guerreiros de confiança, arrombou a porta sem cerimônia.

— Sentiram. — ele disse, sem fôlego. — Uma força bruxa… muito forte. Está perto.

Meu coração errou o compasso.

O mundo pareceu congelar por um instante.

Ela.

A promessa que percorreu séculos.

O fardo da linhagem.

A fêmea marcada.

— Reúnam todos. Agora. Vamos.

Em menos de dez minutos, os guerreiros estavam prontos. O pátio da casa virou solo sagrado.

Vestes rasgadas. Ossos se moldando. Dentes alargando.

Transformações completas.

Corpos imensos, pelagens espessas, olhos em brasa.

Minha matilha. Minha linhagem.

Lobos prontos para a caça.

A estrada parecia se desenhar sozinha diante de nós. Quanto mais avançávamos, mais denso se tornava o ar. A magia vibrava. Dançava. Chamava.

— Está me dando náuseas. — murmurou Kharon, um dos mais velhos.

— É como se o ar gritasse. — disse uma das fêmeas. — Algo ancestral… selvagem… e assustador.

Mas eu?

Eu sabia.

Sentia nas entranhas.

Ela estava lá.

Caminhei na frente. Meus pés firmes no solo frio.

Meus olhos cruzaram os dela antes mesmo de me dar conta.

Ela estava parada, como se hipnotizada pela lua.

Pele pálida, cabelos quase brancos, como neve sob prata.

E aqueles olhos...

Perdidos. Vivos. Antigos.

Um sussurro atravessou meu peito, vindo dela.

Não era dito em voz alta. Mas era real. Quente. Cortante.

“Sou sua.”

A marca em seu ombro pulsava.

Minúscula. Irrefutável.

Minha garganta se fechou.

Era ela.

Minha Luna.

A fêmea prometida.

A bruxa amaldiçoada?

— Voltem. Todos. — ordenei com a voz grave. Não queria interrupções. Nem olhos sobre ela.

Eles se afastaram, relutantes. Mas obedeceram.

Dei alguns passos à frente, devagar, como quem teme quebrar o encantamento.

— Você está bem? — perguntei, mas a pergunta era tola. Era óbvio que não.

Ela assentiu. Tremia, mesmo sem frio.

Fiquei em silêncio, apenas a encarando.

Até que nossos dedos se tocaram, e uma descarga elétrica nos atravessou.

Vi sua expressão se contorcer. O mesmo choque queimou minha pele.

Ela me olhou como se quisesse entender, mas não pudesse.

E então gritou.

Um som feroz. Quase sobrenatural.

E correu.

Ela fugiu.

Com força sobre-humana, agilidade impossível.

A magia a envolvia. A chamava. A impulsionava.

Fiquei parado. Estático. O cheiro dela ainda em meus pulmões. A marca ainda ardendo em minha mente.

Minha Luna é uma bruxa.

O sangue de Varyn gritou em minhas veias.

A promessa ecoou nos meus ossos.

“Se a marcada surgir, você deve destruí-la.”

Mas eu não podia.

Ela era minha.

— Reúnam os anciãos. Agora. — disse ao retornar à aldeia. — É urgente.

E enquanto a noite me engolia, apenas uma coisa era certa:

O destino acabava de mudar o jogo.

E tudo que eu acreditava… estava prestes a ruir.

O salão do conselho estava cheio. As tochas ardiam com uma fúria incomum, refletindo nas paredes de pedra bruta. O clima era pesado.

A tensão, cortante.

— Você viu a marca! — rugiu um dos anciãos. — Ela é a bruxa marcada, Rhaziel! Você sabe o que isso significa.

— Ela é sua Luna, sim... e esse é o castigo. — completou outro, de olhos opacos e alma seca.

Meus punhos cerrados tremiam sobre a mesa de carvalho.

Eu ouvia. Cada palavra como uma lâmina contra minha pele.

— Vocês querem que eu a mate. — minha voz soou baixa, mas carregada de um perigo latente. — Sem que ela saiba sequer quem é. Sem entender a própria maldição que vocês tanto temem.

— Ela tem o sangue da bruxa original! — urrou um guerreiro do sul. — Pode destruir todos nós se não for contida.

— Ela não sabe nem o que é! — gritei, batendo na mesa. — Não sabe o próprio nome, a própria força. O que vocês esperam que ela faça?

— Justamente por isso. — disse um outro, velho e corrompido pelo medo. — Elimine-a antes que descubra.

A sala mergulhou num silêncio tenso.

Foi quando ela se pronunciou.

Yalis, a curandeira.

A mulher de cabelos brancos como ossos, olhos de tempestade e sabedoria acumulada em séculos. Sempre calada, sempre distante. Mas hoje… ela me encarou como se falasse com meu espírito.

— Ela é poderosa. Sim. — sua voz era suave, mas ressoava como trovão. — Mas não nasceu para destruir. Ela nasceu para acabar com a maldição.

Os olhos se voltaram para ela. Alguns riram. Outros a acusaram de ter enlouquecido.

Ela ignorou todos.

— Você pode moldá-la, Rhaziel. — disse, com a firmeza de quem vê o futuro. — Ela não é sua ruína. É sua salvação. Sua Luna foi feita para você. Não tem como fugir disso.

Engoli em seco.

O ar parecia denso demais para respirar.

A mais poderosa entre todas.

A que poderia trazer a cura… ou a ruína.

O que o destino havia feito comigo?

— Basta! — berrei, o corpo em chamas, o sangue pulsando com uma fúria ancestral. — Vocês querem que eu destrua minha Luna? Minha fêmea? Isso?

Um dos anciãos tentou se levantar, mas o meu rugido o fez recuar.

— Eu não vou matá-la!

A cadeira caiu quando me afastei.

Saí do salão como uma tempestade que não encontra paz.

O vento cortava o rosto como navalhas de gelo.

Lá fora, a lua me encarava com o mesmo brilho do olhar dela.

Elowen.

Meus ossos se romperam.

Minha pele se moldou.

Garras rasgaram o chão de terra batida.

Me transformei.

Não havia tempo para pensar.

Nem espaço para recuar.

Só correr.

Meu lobo disparou pelos campos, veloz como a fúria de uma maldição viva.

Mas dentro de mim, o homem gritava.

Ela era minha.

E mesmo que o mundo inteiro quisesse vê-la morta...

Eu seria o único capaz de salvá-la.

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Comments

Marsane

Marsane

Meu Deus!!!! Que capítulos intensos! Bb

2025-04-11

3

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