Eu corri como se a terra estivesse prestes a ruir sob meus pés, queria correr e fugir, queria ir para longe, gastar minha energia.
A floresta se curvava ao meu redor, as árvores se tornavam borrões verdes e negros sob a luz pálida da lua. Mas não era só ela que eu sentia — não era só Elowen.
Havia algo mais.
Algo escuro. Antigo. Familiar.
O sangue gelou em minhas veias como se um punhal de gelo tivesse me atravessado o peito.
A presença dela sempre queimava em mim, viva como a própria lua...
Mas agora… havia outra presença. Uma sombra densa e imunda, se arrastando atrás dela como uma praga.
“Não.”
Não era possível.
Mas era.
Quando alcancei a clareira, o som da cachoeira preencheu tudo. E lá estava ela.
Elowen.
A água cobria seus joelhos, a luz da lua se espalhava pela pele quase translúcida como se ela fosse feita de prata líquida.
Mas ele estava lá.
Atrás dela.
Maegor. O mago sombrio.
Aquele que havia desaparecido por mais de cem anos.
Aquele que havia assinado com sangue a maldição de nossa linhagem.
Seu sorriso era feito de fumaça e crueldade.
Os olhos negros como noite sem lua.
“Se ele a tocasse...”
Tudo se perderia.
Ela era o elo.
A chave.
Minha luna.
E o fogo queimava dentro de mim… não era só instinto. Era guerra.
Gritei o nome dela, e no instante em que ela se virou, ele a tocaria —
Mas fui mais rápido.
Avancei como uma tempestade. A envolvi com o corpo, os braços, o lobo inteiro.
A abracei.
E Maegor...
sumiu.
Como fumaça.
Como pesadelo.
Mas ela o sentiu.
Eu vi nos olhos dela.
Aquele arrepio que subia pela espinha, o medo que não tinha forma.
Ela se agarrou a mim, frágil, confusa, e disse com a voz baixa:
— Quem era ele…?
Inspirei o perfume dela.
De sal e luar.
De alma marcada.
— Você é minha luna… mas é mais do que isso. Você é a centelha que ele precisa. E que eu preciso proteger, custe o que custar.
Ela apenas me olhou. E confiou.
Não precisou de promessas. Nem juras.
Ela se entregou ao silêncio. Ao meu abraço.
Estava exausta.
E eu?
Perdido, minha alcateia recusaria isso, mas o líder sou eu, ela é minha loba e a protegerei custe o que custar.
A peguei no colo.
Sua cabeça encostou em meu ombro como se tivesse vivido ali por eras.
E então aconteceu.
O cheiro dela.
Doce, único, ancestral.
Meu lobo rugiu.
De dentro.
Meus músculos se contraíram. O desejo, a possessividade, o instinto…
Ela era minha.
Mas era mais do que isso.
Eu estava…
Me apaixonando.
Pelo jeito que ela confiava em mim mesmo com medo.
Pelo jeito que o corpo dela se encaixava ao meu sem esforço.
Pelo modo como seu toque acalmava o que nunca dormiu dentro de mim.
E, por um instante, desejei que nada existisse além daquele momento.
Nem maldições. Nem guerras. Nem linhagens quebradas.
Apenas…
ela.
Minha luna.
E o caos prestes a despertar.
Eu a levei nos braços como se o mundo inteiro dependesse da força com que eu a segurava.
Talvez dependesse mesmo.
Porque em algum lugar dentro de mim, enquanto sentia o calor frágil do corpo dela encostado ao meu, algo queimava.
Ela era minha.
Mas não era só isso.
A cada passo, os sussurros aumentavam. Não no vento, não entre os arbustos. Nos pensamentos.
Nos olhos dos que ousavam me encarar.
“Rhaziel enlouqueceu.”
“Ele trouxe o fim.”
“A bruxa vai destruir tudo.”
“Não me importava.”
Ela estava cansada, quase desfalecida. Seu rosto encostava em meu peito de tempos em tempos, como se buscasse um lar no meio do caos.
E mesmo com todos os julgamentos, com todas as bocas fechadas por medo, eu senti — senti que aquele era o lugar dela.
Nos meus braços.
Na minha cabana a curandeira surgiu, como um refúgio em meio ao deserto de desconfiança.
Ela estava na porta. Já sabia.
Os olhos dela disseram tudo antes mesmo que qualquer palavra fosse dita.
Ela sabia que Elowen viria. Que eu a traria. Que era inevitável.
Entrei.
Coloquei-a sobre a cama, com cuidado.
Como se fosse feita de cristal.
E talvez fosse mesmo.
Um cristal antigo, raro, esquecido.
Poderoso demais para este mundo.
Ela estava exausta. Os olhos semicerrados, o corpo entregue.
A curandeira se aproximou com um pano quente, como fazia quando eu era um garoto e me feria nas transformações.
Ela a tratou com delicadeza.
Com carinho.
Com aceitação.
Fiquei parado ali, observando.
Sentindo.
O cheiro dela me preenchia. Mistura de floresta molhada, magia e um toque adocicado que eu não sabia nomear.
A bruxa dormia.
Sua respiração era lenta. Seu corpo, exausto. Mas estava ali… viva, tão cansada que não precisou de muito para apagar, as vozes dentro dela não a deixaram descansar, mas ela estava li e parecia em paz agora.
Fiquei em silêncio por longos minutos, até sentir a presença da curandeira ao meu lado. Ela ajeitou as cobertas sobre Elowen com uma delicadeza quase maternal, e depois se virou para mim.
— Você está em guerra, Rhaziel.
Assenti, sem precisar de explicação.
Ela se sentou ao meu lado, no banco de madeira encostado à parede. O fogo da lareira projetava sombras nas paredes de pedra.
A noite estava espessa. Carregada.
— Ela é a última, — disse, baixinho. — A última filha da lua. A última descendente da bruxa que foi queimada por amor.
Virei o rosto, encarando-a.
— Você sabia.
Ela assentiu, com o olhar perdido no fogo.
— A primeira bruxa a amar um lobo. Um alfa. Ela escolheu o coração ao invés do poder… e foi traída. Queimada viva enquanto ele era forçado a assistir. A dor dele virou maldição. A alma dela foi dividida em sete. Elowen... é a sétima. A mais forte. A última chance.
Minhas mãos fecharam em punhos.
— Ela não pediu por isso.
— Nenhuma de nós pediu.
— E mesmo assim ela disse... — Engoli em seco, revivendo aquelas palavras.
— Se meu destino está ligado ao dela... então eu aceito.
A curandeira me observava com olhos antigos demais para julgamentos.
— Ela escolheu, Rhaziel. Sem saber quem é, sem saber o que virá. Escolheu ficar. Escolheu você.
Eu balancei a cabeça, a raiva e o medo apertando o peito.
— Ela nem entende o que queima dentro dela. O que grita na mente. O que dorme sob sua pele. Ela é perigosa.
A curandeira se aproximou mais, colocou a mão sobre meu ombro.
— E você também é. Você é o único que pode moldá-la. Guiá-la. Você é o equilíbrio.
— E se eu falhar?
— Então será o fim.
Me levantei num salto, os olhos cravados no chão de pedra.
— Eu senti. Quando a coloquei naquela cama… eu senti algo em mim mudar. Ela é minha. Minha luna.
— E muito mais.
— "Muito mais... — repeti, como se as palavras ardessem.
É amor. Inevitável. Devastador. Irrecusável.
A curandeira sorriu, suave.
— É o que sempre foi. Só que agora… você não pode fugir.
Me virei para a cama onde ela dormia. Frágil. Cansada. Mas minha.
O cheiro dela estava por toda parte. E meu lobo…
Gritava por ela.
— Ela vai salvar tudo… — murmurei.
— Ou nos consumirá juntos. — completou a curandeira.
Silêncio.
O vento soprou do lado de fora.
E naquele momento, eu soube.
O destino já tinha sido selado.
E o fogo dela… já queimava dentro de mim.
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Atualizado até capítulo 40
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