Elowen a bruxa.

Tinha dias em que eu achava que estava ficando louca. E, pra falar a verdade… quase todos os dias eram assim.

Meu nome é Elowen. Tenho vinte e dois anos, e não sei quem sou.

Não no sentido bonito e poético que as pessoas dizem quando estão tentando se encontrar. Eu realmente não sei quem sou. Não tenho sobrenome. Não tenho uma história que me conte de onde vim. Só existo.

Me deixaram num orfanato quando era bebê. Ninguém foi me buscar. E quando completei dezoito anos, me colocaram para fora com uma mochila velha e a frase: "Boa sorte."

Desde então, moro numa cabana caindo aos pedaços no fim de uma estrada de terra, onde ninguém se importa se você desaparece por dias. As paredes são finas, o telhado pinga quando chove, e a luz oscila como se tivesse medo da própria sombra.

É silencioso aqui.

Quer dizer… deveria ser.

Mas, às vezes, eu escuto. Vozes. Sussurros. E o pior: sei que não são meus pensamentos.

Elas me chamam pelo nome. Sussurram no vento, entre as folhas das árvores. Às vezes à noite, quando o céu está limpo e a lua cheia, é como se ela… falasse comigo.

Sim. A lua.

— Está quase na hora...

— Ele vai sentir você...

— A marca vai despertar...

Eu me encolho na cama, abraço meus joelhos e juro que não vou enlouquecer. Mas juro ainda mais que não vou ignorar.

Porque está ficando pior. O calor nas minhas veias. O cheiro do mundo mais forte do que deveria ser. O som do coração dos outros batendo à distância. As visões. Os sonhos com olhos dourados em meio à floresta.

As pessoas da cidade dizem que eu sou louca. Me evitam. Murmuram coisas quando passo com minha bicicleta velha e meu casaco puído. Dizem que tenho “algo no olhar”. Que meus cabelos são estranhos — muito claros, quase brancos. Como os de uma bruxa.

Talvez eu seja.

Nunca consegui manter um emprego. Sempre parece que estou em outro mundo. Nunca tive amigos. Nunca tive alguém.

Mas mesmo sozinha, mesmo com medo…

…eu sinto.

Algo está vindo.

Algo que vai mudar tudo.

E mesmo sem saber por quê, ou quem realmente sou, uma parte de mim pulsa com uma certeza que não posso explicar:

Ele está me procurando.

E quando nos encontrarmos…

O mundo não será mais o mesmo.

O sofá afundava sob meu corpo magro, o cobertor envelhecido escorregando pelas minhas pernas enquanto eu fitava a lua pela janela rachada. Ela parecia maior naquela noite. Quase viva. Como se cada cratera pulsasse com uma luz ancestral que só eu conseguia enxergar.

Meus olhos estavam vidrados nela.

E então… eu ouvi.

“Venha.”

Não era uma voz. Não era som.

Era um sussurro dentro do sangue.

Meus pelos se eriçaram. Meu coração parou por um segundo.

O símbolo pálido que sempre existiu em meu ombro — que eu acreditava ser apenas uma mancha de nascença — brilhou em um dourado quase imperceptível. Ardente. Vivo.

“Você é nossa.”

Minha respiração prendeu.

O vento soprou por baixo da porta como um beijo gélido no tornozelo, e o silêncio que antes me acolhia parecia agora conter algo prestes a explodir.

Sem pensar, me levantei.

Dei um passo. Outro. Os pés descalços tocando o chão frio como se a casa já não me pertencesse.

Como se eu não pertencesse mais a este mundo.

Abri a porta. A madeira rangeu, a noite se abriu diante de mim como uma prece antiga.

Não havia movimento lá fora. Nenhuma alma. Só o som.

Um som que parecia vir da terra, das árvores, do céu.

Baixo, constante, quase um eco em mim mesma. Como um tambor ancestral.

E então, entre os ventos... um uivo. Longo. Rasgado.

E seguido por outros.

Meus olhos marejaram sem saber por quê.

Eu fui. Guiada por um instinto primitivo que não compreendia.

Atravessei o mato. O terreno. A estrada.

Meu corpo se movia como se soubesse para onde ir, mesmo que minha mente gritasse perguntas que ninguém respondia.

Os uivos me guiavam.

Até que percebi onde estava.

Uma estrada deserta, envolta por árvores densas e escuras, iluminada somente pela lua que pendia no céu como uma vigia silenciosa.

Parei no centro da estrada.

Meu coração batia acelerado, mas… eu não tinha medo.

Nem mesmo quando eles surgiram.

Olhos dourados brilharam na escuridão.

Lobos. Cinco. Talvez seis. Cercando-me em silêncio.

Mas não temi.

Porque algo queimava dentro de mim.

Uma chama crua e antiga, subindo do estômago até a garganta.

Algo selvagem.

Algo meu.

Preparei-me para gritar, para lutar, para me defender — quando um uivo estrondoso ecoou pela floresta.

Tão forte que o chão pareceu vibrar sob meus pés.

Os lobos pararam. Curvaram-se. Abaixaram as cabeças em reverência.

E então… eu o vi.

Saindo das sombras como o próprio fim do mundo, um lobo negro de olhos incandescentes atravessou a névoa. Enorme. Imponente. Seu olhar parecia perfurar a minha alma, arrancar cada segredo que escondi até de mim mesma.

E a voz…

— Minha fêmea.

Aquela voz… era dele.

Mas não foi dita com a boca.

Foi dita com o sangue.

Meu corpo estremeceu.

O lobo negro parou a poucos passos de mim.

Seu peito largo arfava devagar. A cabeça imponente se ergueu como a de um rei que encontrara aquilo que procurava por séculos. Eu não conseguia me mover. Não por medo… mas porque algo dentro de mim reconhecia ele.

Sem aviso, a pele dele começou a brilhar.

A forma imensa se curvou, tremulando como se feita de fumaça e fogo.

E então… ele se ergueu.

Um homem.

Nu, poderoso, coberto por fragmentos de sombra e luz que aos poucos revelaram a pele bronzeada, o porte esculpido e os olhos... os olhos de lobo. Dourados. Selvagens. Intocáveis.

Ele era perigoso.

E ainda assim, eu não conseguia olhar para outra coisa.

— Voltem. Agora. — sua voz cortou a noite como aço, e os outros lobos o obedeceram sem questionar.

Sumiram na escuridão, restando apenas ele. E eu.

Ele me encarou.

— Você está bem? — a pergunta não parecia formal. Era mais profunda. Como se ele estivesse sentindo o que eu sentia.

Assenti, embora minha cabeça gritasse que não.

Como eu poderia estar?

Meu corpo queimava por dentro. Minhas veias pulsavam em um ritmo novo.

Ele deu um passo.

Eu não recuei.

Seus dedos tocaram os meus, por puro acaso… ou destino.

Foi como um trovão.

Um choque atravessou meu braço, meu peito, minha alma.

Arfei. Ele também.

Nossos olhos se encontraram — e naquele instante, soube.

Éramos um só.

Mas como?

Como eu, a garota louca da vila, sem passado nem nome verdadeiro, podia ser feita da mesma essência que aquele ser?

O medo não me paralisou.

Me impulsionou.

Gritei.

O som rasgou a noite. Um som selvagem. Quase animal.

Minhas pernas se moveram antes mesmo que eu pensasse.

E então eu corri.

Corri como nunca antes.

Não era humano. Eu não era mais humana.

Minhas pernas voavam sobre o chão, os braços empurrando o vento, os olhos marejados de fúria, confusão, instinto.

Deixei aquele homem para trás, sua voz me chamando, seu olhar queimando em minha nuca.

Mas eu não parei.

Porque alguma parte de mim sabia…

Se eu ficasse, nunca mais seria livre.

E ao mesmo tempo… uma parte sombria gritava que fugir dele seria impossível para sempre.

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