Eu sabia que havia um traidor.
Sentia a podridão se espalhando como fumaça entre os meus.
Eles tentavam disfarçar, esconder... mas nada escapa aos olhos de quem aprendeu a sobreviver entre monstros.
Estávamos no galpão de treinos, e meu tom era uma lâmina afiada.
— Alguém abriu caminho para ela. Não pensem que vou descansar até descobrir quem foi.
O silêncio que veio depois dizia tudo.
Covardia tem cheiro. E eu já estava sentindo o fedor.
Mas antes que pudesse apertar mais... a visão começou.
A mente foi puxada com violência.
Meus pés ainda estavam ali, mas minha alma foi jogada para outro lugar.
E o que vi... foi ela.
Elowen.
Firme no círculo, o rosto iluminado por suor e poder.
As mãos erguidas, conectando-se com o que era antigo, forte, misterioso.
E mesmo assim… mesmo sendo só uma visão… meu coração parou.
Senti orgulho.
Mas também... medo.
Algo estava errado.
E então, senti ela.
A bruxa.
Sussurrando dentro dela com voz doce e venenosa.
— Me deixe guiar… deixe que eu te mostre o que é poder de verdade…
Vi os olhos de Elowen oscilarem.
Ela tremia. A alma dela lutava. E aquilo me dilacerava por dentro.
E então, como um trovão branco...
A loba apareceu.
Rasgando o espaço, surgindo da essência como uma centelha viva de fúria.
Ela era magnífica. Terrível. Sagrada.
E atacou.
Saltou sobre Elowen com garras e dentes.
Não para matá-la.
Mas para trazê-la de volta.
Para tirá-la das garras da bruxa.
Era uma guerra interna, e agora externa.
Elowen sangrava.
A loba a feria, tentando protegê-la da própria sombra.
E dentro dela... eu ouvia.
— Você não precisa deles. Eu sou sua liberdade. Sou tudo que eles querem que você esconda.
E então, Yalis tentou se aproximar.
— Elowen! Volta, agora!
Mas a loba rosnou. Um som gutural, profundo.
Ela não respeitava Yalis. Não a reconhecia.
— Preciso tirá-la de lá! RHAIZAL!!
Aquele grito foi como uma flecha atravessando o véu da visão.
E eu... acordei.
Corri. Meus músculos respondiam antes da mente.
O sangue rugia. O mundo era um borrão.
Quando cheguei, a cena queimou minha alma.
Elowen no chão.
A loba entre ela e todos.
E a bruxa… ainda dentro.
— Elowen! — gritei.
A loba se virou.
E então… me reconheceu.
Abaixou a cabeça. Não em submissão. Mas em respeito.
Ela sabia quem eu era. Sabia que eu a amava. Sabia que eu era dela também.
E a bruxa… riu.
— O lobo rei… tão previsível. Vai me enfrentar agora, macho orgulhoso?
Ajoelhei ao lado de Elowen, que tremia, lutando para se manter consciente.
— Me ajuda… por favor… — ela sussurrou, fraca.
Fechei os olhos. Toquei sua testa.
E mergulhei.
Na mente dela, encontrei a escuridão.
O domínio da bruxa.
Mas eu não vim pedir.
Vim tomar de volta.
— Você não tem lugar aqui. — disse, minha voz reverberando como trovão. — Ela não é sua. Nem nunca será.
— Sou parte dela! — a bruxa rugiu. — Ela me chamou!
— Ela me chamou mais alto.
E então, eu expandi minha essência.
Tudo ao redor dela tremeu.
O domínio sombrio se fragmentou.
— Você quer guerra? — sibilei. — Pois aqui está sua sentença.
O silêncio veio como uma sentença de morte.
A bruxa... se calou.
Silenciada.
Vencida.
E Elowen caiu, esgotada, nos meus braços.
— Você… venceu? — sussurrou.
— Sua loba tomou forma para te proteger. Isso nunca aconteceu antes.
Ela te ama. Assim como eu amo. Mesmo que você ainda não saiba.
A loba se aproximou. Lambeu os ferimentos dela, como se quisesse levá-los para si.
Havia dor em seus olhos. E culpa.
Yalis tentou se aproximar mais uma vez.
A loba rosnou, dentes à mostra.
— Calma. — falei, firme. — Ela é amiga.
A loba abaixou as orelhas. Mas ainda vigiava.
E todos ali entenderam.
Ela só se curvava a dois nomes.
Ela... E eu.
Elowen estava fraca.
Seu corpo tremia em meus braços, mas seus olhos… ainda estavam ali.
Presentes.
Firmes.
Vivos.
Levei-a para o alojamento, afastando quem tentasse se aproximar demais. A loba ainda rondava, materializada, em silêncio, como uma sombra viva entre nós dois.
Ela não confiava em ninguém.
E eu… entendia.
Yalis veio logo atrás, com a testa franzida e os punhos cerrados.
Ela sabia o que aquilo significava. O quanto aquilo mudava tudo.
Coloquei Elowen sentada na cama, com cuidado. Me ajoelhei à sua frente, e toquei suas pernas machucadas.
— Posso? — perguntei, mesmo sabendo que ela permitiria.
Ela somente assentiu. E quando comecei a limpar os ferimentos com um pano molhado, a loba se deitou ao lado dela, a cabeça encostada em sua coxa. O olhar atento. Protetor. Possessivo.
Mirna entrou logo depois, com uma caixa de curativos nas mãos.
— Deixe que ajudo com isso, alfa.
Ela se aproximou demais.
A loba rosnou. Alto.
E não foi um aviso.
Foi uma promessa.
Mirna congelou. Os olhos arregalados.
— Alfa…? — sussurrou, me olhando com medo. — O que está acontecendo?
— Eu… — comecei.
Mas Elowen ergueu a mão.
Os dedos tremiam, mas a voz saiu firme.
— Basta.
A loba imediatamente se recolheu, voltando para debaixo das mãos dela. Como uma fera que encontrava repouso no toque de sua dona.
Mirna se afastou, branca como sal.
Virou as costas e saiu sem dizer mais nada.
Yalis se sentou na cadeira próxima. Observava.
Mas era Elowen quem agora precisava falar.
Ela olhou para mim.
Os olhos estavam marejados, mas não havia medo neles.
— Eu senti ela me invadindo, Rhaizal. Como se cada pensamento meu não fosse mais meu. Como se ela escorresse entre as minhas memórias, distorcendo tudo. Me oferecendo poder… com um preço.
Ela abaixou os olhos.
— E eu… quase me deixei dominar.
A loba resmungou baixinho, como se sentisse a dor dela.
— Mas quando ela apareceu… — Elowen continuou, acariciando o topo da cabeça da fera com a ponta dos dedos — … eu senti algo rasgar por dentro. A loba veio com uma força que me esmagou. Era dor e salvação ao mesmo tempo. Ela me defendeu, sim, mas… Ela me expôs também. Me senti nua. Pequena. Fraca.
Engoli em seco, mas permaneci em silêncio. Eu precisava ouvir. Entender.
— Quando a loba saiu… — ela sussurrou — … a bruxa perdeu força. Como se a presença dela queimasse a escuridão por dentro. Ela não recuou por medo. Ela recuou porque… não conseguiu suportar a presença da loba.
Yalis inclinou o corpo para frente, olhando Elowen com respeito.
— Isso é um avanço. Um grande avanço. Ela tomou forma. Isso nunca aconteceu antes.
Mas...
Ela olhou para mim.
— Em todas as próximas tentativas, você terá que estar junto, Rhaizal. A loba só se curvou a você. E só com sua presença ela consegue manter a bruxa desequilibrada o bastante para Elowen derrubá-la, não podemos arriscar, eu mesmo com o poder que tenho não cheguei perto de ser ouvida.
Assenti com um leve movimento de cabeça.
— Eu não sairia do lado dela mesmo que me pedissem.
Elowen me olhou.
Não disse nada.
Mas eu vi.
Ela confiava.
E isso era mais do que qualquer juramento.
A loba se aninhou ainda mais junto ao corpo dela, como se fosse feita da mesma alma.
E talvez fosse.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 40
Comments
Fatima Monjane
essa mirna nao cansa não
2025-04-17
0