Elowen começou a repetir comigo:
— Honraremos o lobo ancestral...
Mas sua voz falhou.
Seus dedos se soltaram dos meus. Seu corpo tremia.
— Elowen? — murmurei, tentando segurar sua mão novamente.
Seus olhos se ergueram para mim...
Negros. Sem íris. Sem luz.
Sombras puras.
— Elowen!
Toquei sua mão — e senti.
Não era magia comum.
Era como eletricidade pulsando pela carne, estilhaçando o ar ao nosso redor, e como ela não sabe lidar com isso entraram.
Lobos recuaram. Murmúrios se espalharam. Um uivo partiu do alto do rochedo. Mas eu não recuei.
— Olhe pra mim! — gritei.
Então, vieram as vozes.
Cruéis.
Antigas.
“Mate os lobos.”
“Você é nossa.”
“Eles vão te destruir.”
“Acabe com eles.”
Ela arqueou o corpo como se estivesse sendo puxada por dentro. E então... o sangue.
Fino, escorrendo de seu ouvido.
E meus instintos gritaram:
— Bruxas!
— Estão dentro dela! — rosnei, puxando-a com força, quebrando o encantamento. — Se preparem caso haja uma emboscada.
Vi o terror em seu rosto por um segundo... antes que seus olhos revirassem e ela desabasse nos meus braços.
— Elowen — chamei, sacudindo-a. — Fique comigo!
Ela não respondeu.
— Yalis! — gritei, virando-me para a multidão.
Yalis correu até nós, seus olhos arregalados.
— Temos que levá-la. A mente dela foi aberta. Forçada. Bruxaria antiga... ela não pode ficar aqui.
— Eu levo. — rosnei. — Ela não ficará sozinha. Não com esse perigo. Não agora.
A segurei com cuidado, seus cabelos sobre o meu braço como uma cascata. Seu corpo leve parecia pesar mundos, e mesmo assim... era meu dever. Meu amor. Minha promessa.
Yalis abriu caminho. As sombras do bosque nos envolveram enquanto eu caminhava em silêncio, com ela nos braços. Podia sentir os olhares, o medo. A desconfiança.
Mas nenhum deles me importava.
Ela me importava.
— Apenas segure firme, Elowen... — sussurrei contra sua testa. — Eu estou com você. Sempre estarei. Mesmo que o mundo inteiro queira te destruir.
Ao longe, ouvi o rugido dos lobos.
Mas eu sabia: aquele som não era de ameaça.
Era de aviso.
Ela agora era uma força.
E eles sabiam.
A leveza do corpo dela me assustava.
Como se carregasse nos braços um sopro de vento prestes a sumir.
Levei Elowen até a cabana. Abri a porta com o pé e a deitei no colchão de pele que nós mesmos havíamos preparado um atrás. Tão viva antes. Tão sorridente. Agora, seus lábios estavam pálidos e havia ainda vestígios de sangue seco perto de seus ouvidos.
— Yalis, agora! — ordenei, a voz falha de urgência.
A curandeira entrou com seus potes e ervas. Começou o trabalho em silêncio, sussurrando palavras antigas, misturando unguentos e benzendo a fronte de Elowen. Eu me ajoelhei ao lado da cama, segurando sua mão. Não me importava com mais nada. Nem com os olhos da alcatéia. Nem com os deuses. Só com ela.
A porta rangeu.
Eu soube quem era antes de olhar.
Mirna.
— Ela foi corrompida. — disse, a voz fria, carregada de julgamento. — O mal já entrou nela, Rhaizal. Isso é perigoso demais. Você sabe o que precisa ser feito.
Me virei lentamente. Fitei seu rosto com desprezo.
— Saia.
— Estou tentando protegê-lo. Proteger a alcatéia.
Yalis, sem erguer o olhar, interrompeu com firmeza:
— Mirna, você está atrapalhando. A mente dela ainda está fragilizada. Sua energia só piora tudo.
— Eu sou parte disso, Yalis! — ela rebateu. — Essa união... foi um erro.
Meu lobo rosnoou dentro de mim.
Levantei.
Caminhei até ela.
Antes que dissesse mais alguma coisa, minha mão estava em sua garganta, firme, inflexível.
— Se você abrir essa boca mais uma vez para dizer que ela deve morrer... — meus olhos brilharam dourados. — ...eu vou arrancar sua língua com os dentes. E depois, o resto.
Ela arregalou os olhos, ofendida, humilhada. Lutou para respirar. Quando soltei, cambaleou para trás, a mão no pescoço.
— Você vai se arrepender de me tratar assim...
— Vaza. Agora.
Ela saiu.
A raiva presa no ar se dissipou aos poucos.
Voltei para o lado da cama, os joelhos ao chão.
Yalis me olhou por cima do ombro, e pela primeira vez, vi algo diferente em seu olhar. Não era medo. Era reverência.
— Continue segurando a mão dela. — disse gentil. — Sua energia está mantendo o fio da mente dela ligado ao nosso mundo.
Assenti. Me curvei até a testa dela e sussurrei baixinho.
— Volta para mim, minha luna... minha luz.
Yalis começou a entoar uma nova sequência de palavras em um dialeto antigo. Misturou um pó brilhante às marcas na pele de Elowen, e suas pálpebras estremeceram.
Um minuto. Dois.
Um silêncio pesado.
Então Yalis exalou.
— Consegui. — disse com um leve sorriso.
Meu peito aliviou. Me deixei cair ao lado de Elowen e beijei a palma de sua mão.
— Ela está segura?
— Por enquanto. Mas o que aconteceu ali... não foi só magia. Foi um ataque coordenado. Alguém abriu caminho pra aquelas bruxas entrarem. Alguém aqui dentro.
Meus olhos se cerraram. Vários nomes pulsavam em minha mente.
Mirna? Sarya?
Mas essa guerra... eu enfrentaria depois.
Agora, tudo que me importava era Elowen.
Eu a senti se mover antes mesmo de abrir os olhos.
Ela acordou ofegante, o peito subindo e descendo com força, e então… me abraçou. Sem pedir permissão, sem hesitar. Apenas se jogou em meus braços como se o mundo estivesse prestes a desabar de novo.
— Eu… eu lembrei da escuridão… — ela sussurrou contra meu pescoço. — Achei que não ia voltar…
Segurei firme. Não deixei espaço entre nós.
— Está tudo bem agora. Você voltou para mim, Elowen. — Minha voz saiu baixa, mas firme. Eu precisava que ela acreditasse nisso, mesmo que meu coração ainda estivesse acelerado pelo medo de perdê-la.
Ela se afastou um pouco, os olhos buscando os meus, ainda marejados.
— Eu estraguei tudo, não foi? — a voz dela tinha uma culpa que me partiu. — O ritual… as pessoas…
Levei minha mão até seu rosto, acariciando sua pele pálida, mas viva. Queimando em energia.
— Não. Você não estragou nada. — Encarei seus olhos, deixando que minha alma falasse com a dela. — Você sobreviveu. E isso é mais do que qualquer um esperava.
Ela respirou fundo. Um tremor passou por seus ombros.
— O que vai acontecer agora?
— A partir de amanhã — respondi com calma — você vai começar a ser treinada. Vai aprender a dominar o que há dentro de você. A usar a força que carrega, não, a ser consumida por ela.
Ela assentiu devagar. Como quem começa a acreditar. Como quem quer lutar, mesmo cansada.
— Você vai me ajudar?
— Sempre. — Jurei. — Nem o céu, nem o inferno vão me impedir de ficar ao seu lado.
E ali, naquele abraço, entre sombras vencidas e o perfume de flores que ainda grudava nela, eu soube…
A loba dentro dela começava a despertar.
E o mundo não fazia ideia do que isso significava.
E a promessa que fiz ao universo:
Ela nunca mais estaria sozinha.
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Atualizado até capítulo 40
Comments
Fatima Monjane
com tantos contra é dificil saber quem é o traidor
2025-04-17
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