A primeira semana após aquele encontro aterrorizante com Marcus passou quase como um borrão na vida de Elore. Os dias se misturavam, uma sucessão de rotina cuidadosamente montada para não deixá-la sozinha por muito tempo. Desde aquela manhã, Sofi aparecia em seu apartamento todos os dias, carregando uma tranquilidade e uma leveza que ajudavam a manter a paz no ambiente. Apesar da seriedade da situação, Sofi sempre encontrava formas de fazer Elore rir, ou ao menos sorrir, fosse com um comentário aleatório ou uma piada fora de contexto.
"Escuta bem, Elore," dizia Sofi, vez ou outra, com a voz mais calma e séria. "Se aquele desgraçado do Marcus tiver a ousadia de voltar aqui, vai ter guerra. Pode anotar. Vou transformar isso aqui em cena de filme de ação, porque sangue vai rolar."
Elore, sempre assustada com essas afirmações, erguia as sobrancelhas e olhava para a amiga incrédula. "Sofi, isso não soa nada como você..."
Mas Sofi sorria de canto e respondia com sua serenidade habitual. "Eu posso ser gentil, El. Mas ser gentil não é ser fraca. E se ele pensa que vou ficar de braços cruzados, ele não me conhece mesmo."
E assim os dias se seguiam, com Sofi ao lado, aproveitando cada momento que pudesse fazer Elore se sentir segura e confortável. As duas passavam as noites assistindo a filmes, comentando livros, planejando viagens que talvez nunca fariam, mas que sempre lhes traziam boas risadas e descontração. Sofi também adorava ouvir as ideias de Elore para suas histórias, às vezes oferecendo sugestões que iam desde a trama até o desenvolvimento dos personagens. De forma descontraída, fazia questão de lembrar Elore de que o mundo dos livros sempre a aguardaria, imutável e seguro.
Durante o dia, enquanto Sofi trabalhava, Elore tentava retomar o foco em sua obra, ou se distraía cuidando de Bob, sua suculenta fiel. Mas, entre uma escrita e outra, ela se permitia cochilos à tarde, embora os sonhos que tinha fossem estranhos. Alguns, ela mal conseguia lembrar ao acordar – eram embaçados, como borrões de tinta. Outros, porém, permaneciam nítidos e detalhados, como o sonho com o prado que a marcou profundamente.
Naquela noite específica, Elore sonhara com um lugar que parecia saído de uma pintura. Um prado florido e vasto se estendia diante dela, com flores em tons vivos e cativantes. Mais à frente, uma grande árvore brotava, repleta de flores roxas mescladas com azuis, quase místicas em sua aparência. A árvore tinha um balanço preso a galhos fortes, e as cordas estavam entrelaçadas com folhas e flores que combinavam com o restante da paisagem. O vento soprava suavemente, e a paz que Elore sentia naquele lugar era tão profunda que, pela primeira vez em muito tempo, ela se sentia em casa.
Ao acordar, Elore percebeu que lágrimas escorriam por seu rosto, e o coração apertado se dilatava em emoção. Contou a Sofi sobre o sonho em detalhes, cada palavra carregada de uma saudade inexplicável. Sofi ouviu atentamente, e no final, com os olhos marejados, segurou a mão de Elore e disse com firmeza:
"El, não importa onde a vida te leve, ou o que você deseje. Contanto que você esteja feliz, eu vou estar com você. Sempre."
Aquelas palavras de Sofi aqueceram o coração de Elore, oferecendo um consolo que ela nem sabia que precisava.
Mas naquela manhã de sábado, algo inesperado aconteceu. Sofi recebeu uma ligação urgente do trabalho, uma emergência que demandava sua presença. Já de pé, enquanto colocava o casaco, ela se virou para Elore, adotando um tom de seriedade.
"Elore, não saia por nada. E, por favor, não abra a porta para ninguém, entendeu? Vou tentar resolver isso rápido e voltar o quanto antes."
Elore assentiu, embora uma pequena tensão se acumulasse no peito com a ideia de passar a noite sozinha. Observou Sofi sair, e assim que a porta se fechou, girou a chave e verificou as trancas, como se isso pudesse dissipar a inquietação que já sentia crescer. Tentou ignorar o nervosismo que a solidão trazia e foi buscar consolo em seu livro favorito – o diário de Kael.
Afundada no sofá, ela mergulhou na leitura, apreciando as palavras de Kael como quem conversa com um velho amigo. Porém, quando virou a página, notou uma pequena rasura no canto, onde havia uma data. Estranhou, já que aquela era a única página datada, e seus olhos percorreram o texto curioso:
"Os sonhos têm se tornado recorrentes. Agora, com uma camada a mais de clareza, consigo discernir algumas imagens, e a que mais perturba meus pensamentos é a imagem dela indo até aquele prado..."
O coração de Elore acelerou, como se aquelas palavras fossem mais do que realmente são. Ela permaneceu hipnotizada, mas o silêncio ao redor foi rompido abruptamente por uma batida na porta.
O som ecoou pelo apartamento, e o coração de Elore saltou no peito. A batida era firme, mas desconhecida. Não era Sofi; ela tinha seu toque secreto, inconfundível. Elore engoliu em seco, a tensão aumentando, e sentiu o instinto de se esconder, de se manter em silêncio, enquanto a batida insistente parecia não ter intenção de parar.
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Atualizado até capítulo 65
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