CAPITULO 4

Dias atuais.

Elore Krainer tinha duas certezas na vida.

A primeira: ela era extremamente boa em escrever histórias e inventar cenários mirabolantes para seus personagens.

Depois de passar por todo o processo de cura, Elore encontrou forças para superar seu medo de Marcus — e de todo o resto. Claro que Kael teve um papel significativo nisso. Ela sempre se perguntava: o que Kael faria nessa situação? E então, enfrentava os problemas e desafios que surgiam à sua frente.

Hoje, uma nova mulher, Elore investiu em sua carreira de escritora e, pasmem, ela se deu muito bem. Claro, no início não foi um mar de rosas. Ela recebeu muitos "não" de editoras e comentários sarcásticos sobre seus livros. "Uma novata que não sabe seu lugar" era o que costumavam dizer. Alem das criticas maldosas que Elore recebia, ela tambem tinha que lidar com sua insegurança sobre sua capacidade de obter sucesso com seus livros. Mas Elore não desistiu, especialmente depois que Sofi descobriu seu desejo de tentar publicar um livro.

Sua melhor amiga lhe deu imenso apoio e sempre estava disposta a ajudar, oferecendo ideias e soluções aleatórias para evitar bloqueios criativos. Sofi, sem dúvida, tem um lugar muito especial no coração de Elore. Ela não tinha palavras suficientes para agradecer sua amiga. Tambem não podia deixar de fora Thomas e seu temperamento equilibrado e pacifico que contrastava bem com a personalidade eufórica de sofi que estava sempre pronta para algo. Duas pessoas maravilhosas que ganhou como amigos. Familia.

Sempre que Elore desanimava com os obstáculos que surgiam, Sofi e Thomas estavam lá.  E Kael, de certa forma, também estava presente. Pelo menos era o que Elore gostava de pensar.

Os sonhos não pararam. Agora era rotina sonhar com ele, desde sonhos eróticos até momentos doces, onde os dois simplesmente desfrutavam da companhia um do outro. Provavelmente eram desejos ocultos que Elore escondia muito bem em seu coração. Já não podia mais chamar aquilo de paixão.

A segunda certeza de Elore era que ela amava Kael.

Certa noite, ao acordar de um desses sonhos, ela sentiu os olhos cheios de lágrimas e sua mão estendida, como se quisesse alcançar algo que parecia tão perto, mas ao mesmo tempo, tão longe. Naquela noite, Elore chorou um choro de saudades.

Saudades de alguém que nunca viu. Saudades de tocar a pele de alguém que nunca conheceu, de acariciar os cabelos de alguém que nem sequer existia. Sentiu falta dos beijos e abraços que sabia que nunca receberia, de ouvir a voz de alguém que vivia apenas em seu coração. E sem nem se dar conta, pronunciou em voz alta aquilo que mais temia admitir: "Eu te amo, Kael. Sinto sua falta."

A partir daquela noite, Elore decidiu que nada mais a impediria. Correria atrás de seus sonhos e conquistaria seus objetivos. Por Kael, por Sofi, e por ela mesma.

Amava Kael tanto que não conseguia mais se relacionar com outros homens. Nem sequer sentia atração física. Vergonha alheia, Elore. Mas o que ela poderia fazer? Essa verdade ela não negaria mais.

Agora, após todo o sucesso que alcançou com seus livros,  Elore se encontrava em um dilema. Algo que já vinha pensando em fazer há algum tempo, mas não sabia como.

Ela não podia negar que tudo começou por causa de Kael. Sua carreira como escritora foi descoberta porque Elore passava horas escrevendo histórias alternativas entre ela e Kael. É claro que ela nunca publicou nenhuma dessas histórias, mas seu vilão literário foi a ponte para seu futuro promissor como escritora.

Agora, Elore se sentia em dívida com ele — ou melhor, com a criadora de Kael. A mulher que escreveu seu livro favorito: Aurora Valens. Ela também procurou pela senhora gentil que lhe presenteou com o livro, mas ela havia se mudado e nunca mais Elore a viu. Também se sentia muito grata aquela senhora.

Elore estava agora sentada em frente ao notebook, tentando escrever algo como forma de agradecimento para Aurora. Mas já havia apagado e reescrito tantas vezes que seus dedos estavam doloridos. Ela não queria que fosse uma carta cheia de formalidades. Sentia que precisava ser sincera com a autora de Kael. Mas até que ponto ela poderia ser realmente sincera?

Desde que Kael  havia entrado em sua vida, tudo mudou. Ele a inspirou a começar a escrever, a enfrentar seus medos, a superar Marcus e toda a escuridão que ele trouxe consigo. Kael se tornou seu guia silencioso, alguém em quem ela se inspirava para tomar decisões difíceis e seguir em frente. Mas, ao mesmo tempo, havia outro sentimento que ela vinha enterrando e que agora, enquanto tentava escrever essa carta, estava à flor da pele: o amor.

Elore sabia que não era algo simples de admitir. Amar alguém que não existe... isso parecia loucura. E, no entanto, ela não podia negar. Cada sonho, cada momento que imaginava Kael ao seu lado, eram tão reais para ela quanto qualquer outra coisa em sua vida. E agora, ali estava ela, tentando colocar em palavras esse turbilhão de sentimentos.

"Como é que eu explico isso para Aurora sem soar completamente desequilibrada? 'Oi, Aurora, eu só queria dizer que sou apaixonada pelo seu personagem, e ele me ajudou a superar traumas profundos.' Sim, claro, isso vai parecer ótimo." - Elore bufa passando a mão pelo rosto enquanto soltava um longo suspiro.

Ela fechou os olhos por um momento, tentando organizar os pensamentos. Lembrou-se de tudo o que aconteceu com ela desde que comprou aquele livro. Lembrou-se da mão estendida no escuro, como se estivesse tentando alcançar Kael. Lembrou-se das palavras que sussurrou para o vazio de seu quarto. Aquele momento havia sido um ponto de virada para ela. Ela amava Kael.

Ela se ajeitou na cadeira, levando uma mão ao rosto, sentindo o calor subir por suas bochechas. O pensamento de admitir que estava apaixonada por Kael, mesmo que apenas em uma carta, parecia loucura. Como ela explicaria isso sem soar... completamente insana? Nem mesmo sofi sabe sobre ele. Elore não quis que a amiga pensasse que ela ja estava biruta a ponto de se apaixonar por alguém que não existe. Mas um dia Elore quer dividir esse segredo com ela. Afinal. sofi fez muito por Elore. Talvez, depois que encontrasse uma maneira de escrever essa carta para Aurora, Elore iria ligar para sofi e confessar tudo.

"Certo... Mas Como vou contar para Aurora que estou apaixonada por alguém que ela criou? É estranho, não é? Quer dizer, eu nem conheço Kael de verdade. Mas, ao mesmo tempo, é como se ele fosse real pra mim."

Ela riu nervosamente, se achando muito patetica agora.

Mais uma tentativa de escrever, mais um texto apagado. Elore se levantou da cadeira, andando de um lado para o outro pela sala, tentando organizar seus pensamentos. Havia tanta coisa que ela queria dizer, tanto que ela queria expressar para a mulher que, sem saber, havia mudado sua vida.

Ela parou em frente à janela, olhando para o céu lá fora. Uma leve brisa balançava as cortinas, e o silêncio da sala aumentava o turbilhão de pensamentos em sua mente. O dilema continuava. Como ser sincera com Aurora sem parecer completamente maluca? Como explicar que, de todas as coisas no mundo, foi o amor por um personagem fictício que a trouxe de volta à vida?

Elore voltou para sua mesa, pegando o notebook novamente e sentou no sofa. Respirou fundo e, com o coração acelerado, decidiu que era hora de ser honesta consigo mesma e com Aurora. Talvez a autora entendesse. Talvez não. Mas Elore sabia que, se não fosse completamente sincera, essa carta não faria sentido.

"Tudo bem, vamos lá. É agora ou nunca. Sincera e direta. Eu amo Kael. E isso não é algo de que eu deva me envergonhar. Ele me ajudou a ser quem eu sou hoje, e Aurora precisa saber disso. Afinal, foi ela quem deu vida a ele."

E, com essa decisão tomada, Elore começou a escrever. Desta vez, as palavras fluíam. Desta vez, ela sabia exatamente o que dizer.

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