Imperfeitos
O terceiro ano do ensino médio tinha acabado de começar, e para muitos, parecia apenas mais um dia rotineiro no colégio. Os mesmos rostos familiares, os mesmos corredores abarrotados de estudantes conversando alto sobre as férias. Mas para Júlia, algo estava diferente, uma leve tensão pairava no ar, invisível, mas sentida em cada olhar que trocava com Miguel.
Eles estavam juntos há quase um ano, e desde que começaram a namorar, as coisas pareciam sempre tão naturais. O tipo de casal que todos comentavam como "feitos um para o outro". A conexão entre eles parecia imbatível, até então.
Caminhavam lado a lado pelo pátio da escola, as mãos entrelaçadas, mas com um silêncio desconfortável que Júlia não sabia exatamente como romper. Miguel estava estranho ultimamente. Ele parecia mais distante, mais preocupado, e, mesmo quando estavam juntos, ela sentia que a mente dele estava longe.
— Parece que tudo está mais… sério agora, né? — Miguel quebrou o silêncio, a voz baixa, quase como se estivesse falando consigo mesmo.
Júlia franziu o cenho, virando-se levemente para olhá-lo. — Sério? Como assim?
Miguel deu de ombros, evitando o olhar dela. — Não sei... É só que... esse ano... vestibular, futuro, essas coisas todas. Parece que todo mundo está exigindo alguma coisa de mim. Meus pais, os professores... até eu mesmo.
Ela entendeu imediatamente. Miguel sempre foi o tipo de pessoa que carregava o mundo nas costas, e as expectativas da família dele só pioravam isso. Seu pai, um médico renomado, queria que ele seguisse a mesma carreira. A pressão para passar no vestibular de medicina era constante, e parecia sufocá-lo.
— Eu entendo — Júlia respondeu, apertando um pouco mais a mão dele. — Eu também me sinto assim às vezes. É como se tivéssemos que decidir tudo de uma vez, e isso me assusta.
Miguel finalmente olhou para ela, mas seus olhos estavam cheios de uma preocupação que Júlia não estava acostumada a ver. — A questão é que... parece que essas coisas estão mudando a gente, sabe? Como se... a gente estivesse se afastando.
Essas palavras fizeram o coração de Júlia disparar. Se afastando? Eles? Ela não conseguia enxergar isso, ou talvez estivesse se recusando a ver. A ideia de que eles, que sempre foram tão próximos, pudessem estar se distanciando parecia absurda.
— Você acha que estamos nos afastando? — perguntou, com a voz quase num sussurro. Era mais uma confirmação do que uma pergunta. Ela precisava ouvir a resposta dele.
Miguel suspirou, soltando a mão dela lentamente. — Não sei. Talvez seja só coisa da minha cabeça. Mas eu tenho sentido... como se estivéssemos perdendo o que tínhamos. Tudo está mudando rápido demais.
O silêncio que se seguiu foi pesado, como uma barreira que eles não sabiam como ultrapassar. Júlia sentiu um nó se formar em sua garganta, mas se esforçou para não demonstrar. Não aqui, não agora, não diante dele.
Enquanto o sinal tocava, os dois entraram na sala de aula sem dizer mais nada. Cada um sentou em seu lugar habitual, mas parecia que uma linha invisível os separava. Miguel estava distraído, olhando para a janela, enquanto Júlia tentava se concentrar no professor que explicava algo sobre trigonometria. As palavras de Miguel, no entanto, ecoavam em sua mente: "Estamos nos afastando."
Durante a aula, Júlia se pegou observando Miguel de longe. Ele não parecia mais o mesmo garoto que a fazia rir com as piadas bobas ou que ficava nervoso ao ensaiar as falas para as apresentações de teatro. Ele estava diferente. Talvez ele estivesse certo. Talvez as coisas estivessem mudando, e ela simplesmente não tinha percebido o quão rápido isso estava acontecendo.
No intervalo, enquanto seus amigos comentavam sobre os planos para o futuro, Júlia sentiu um peso enorme em seus ombros. Todos pareciam saber o que queriam. Engenharia, direito, medicina. Cada um tinha um caminho claro, enquanto ela não sabia nem por onde começar. E se, além disso tudo, ela estivesse perdendo Miguel também?
Na saída da escola, Júlia e Miguel caminhavam juntos novamente, mas dessa vez o silêncio era ainda mais pesado. Eles pararam em frente ao ponto de ônibus, onde sempre se despediam antes de ir para suas casas.
— A gente vai ficar bem, não vai? — Júlia perguntou, quase como um pedido de esperança.
Miguel hesitou por um momento, olhando para o chão antes de responder. — Eu espero que sim.
Ela queria acreditar naquelas palavras, mas não tinha certeza se conseguiria.
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Atualizado até capítulo 55
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