Um beijo

Semanas após a descoberta da doença da minha madrinha, as coisas se acalmaram, o choque inicial passou, e agora estamos todos empenhados em fazê-la se sentir forte para o tratamento dar certo. Minha mãe ainda tenta convencê-la a contar para os meus primos, já que ela iniciará a parte mais agressiva do tratamento agora.

—Eu não sei o que a Elisa está pensando! Vai ficar debilitada pela radioterapia e as crianças vão acabar sabendo! Será um choque maior!

—O Ricardo também não aguenta mais esconder isso dos filhos,mas ele também não quer entrar em conflito com a Elisa nesse momento. - diz meu pai

Jantamos conversando os assuntos cotidianos.

—Samuca, sua mãe e eu vamos para Angra dar uma relaxada desse stresse todo,Aninha vai conosco o Pedro quer ir com você para a fazenda.

—Pai,eu vou para trabalhar! Vou levar os investidores estrangeiros para passar o final de semana por lá, não posso tomar conta do Pedro!

—Eu não sou mais nenhum bebê! E também vou junto com o Daniel ,fico na casa do tio Jorginho com ele.

—Ah então tá, o Jorginho toma conta dele e do filho,a Luiza queria ir e não deixei!

—E o quê aquela entojada iria fazer lá? Reclamar do cheiro da bosta dos cavalos?

—Pedro...

—Ah qual é mãe! Todo mundo acha ela um saco e ficam cheios de dedos pra falar isso para o Samuca! Mas eu digo, irmão,a sua noiva é um porre!

Aninha abaixa a cabeça e segura o riso,assim como o meu pai e minha mãe olha enviesada para ele.

—Chega, filho! Sua mãe está passando por um momento difícil, não abusa da paciência dela.

—Obrigada, meu amor! Bem, eu vou para o quarto fazer as nossas malas.Boa viagem para os dois e juízo!

Na manhã seguinte, parto levando o meu irmão, meu primo, e os investidores alemães. Vamos de helicóptero, que pousa no pasto,de lá Jorginho nos busca de carro.

—Bom dia!

—Bom dia primo! Tudo pronto por aqui?

—Tudo no esquema!

—Então vamos para a sede,deixar as malas e seguir para os pomares.

—Ê filho! Dá cá um abraço!

—Sua benção,pai!

—Deus te abençoe! Seus avós estão com saudades, e...sua...mãe?

—Está bem, foi viajar com o novo namorado.

—Namorado?! A Bárbara está namorando e não me disse nada!?

—Ué pai! Vocês não tem nada um com o outro!

—É, não temos mesmo. - a cara de decepção e tristeza do Jorginho é notória, ele ama tanto a Bárbara que só teve alguns namoros, uma vez chegou a morar junto com a antiga cozinheira da sede, mas ela foi embora junto com o antigo capataz.

Jorginho leva os rapazes para casa dos nossos parentes e eu pude começar a trabalhar. Chego na casa e somos recebidos pela família de Amália.

—Bom dia, patrãozinho!

—Bom dia ,Geraldo! Dona Penha, Amália!

—Bom dia, seu Samuel! Vai precisar de nossos serviços agora?

—Sim! Leve os nossos hóspedes para quartos que mandamos preparar e nos sirva um café, dos nossos grãos, na sala de estar, por favor!

—É pra já! Vem me ajudar, Amália!

Amália passa o tempo todo de cabeça baixo, e não olhou pra mim. É melhor que seja assim,da última vez em que estive aqui eu me senti tão atraído por ela, que até tive medo que sentimentos surgissem. Foi bom ter ficado tantas semanas sem vir aqui,pretendo adotar uma postura mais distante agora.

......................

Quando vi o Samuca chegar, meu coração disparou,mas ele mal me olhou e cumprimentou a todos ,educado como sempre. Minha mãe já havia me chamado atenção quanto ao meu comportamento antes dele chegar, então evitei ao máximo olhar para ele.

—Leva o café lá na sala para o patrãozinho e para os estrangeiros. Entra ligeiro e sai ligeiro!

Peço licença e entro na sala.

—Pode deixar a bandeija na mesa de centro, Amália,eu mesmo os sirvo. Obrigado!

Saio meio que decepcionada com a frieza dele comigo,e começo a dar razão ao Ayrton.

Entro na cozinha.

—Ele estava falando outra língua,a mesmo dos moços.

—Quem?

—O Samuca... - me corrijo - o patrãozinho...

—Ah ele fala várias línguas! O Jorginho disse para o seu pai, que eles vivem nas europas,viajam esse mundão todinho!

—Ele deve ser muito estudado.

—E é viu? Cuida de tudo junto com o pai, aliás, Dona Suzana soube criar os filhos,a menina também trabalha com eles e estuda. São todos educados e simpáticos,o mais novo veio junto dessa vez,é educado também!

—Eu vi, é novinho ainda,está lá na vila.

 —Vamos parar de conversa e adiantar esse almoço!

Antes de ajudar a minha mãe a preparar a comida, vou na sala recolher as xícaras e vejo Samuca saindo com os gringos em direção aos pomares, olho ao redor daquela sala cheia de luxo, o tanto de terra que tem lá fora e que pertence a família dele...

—Você é uma tonta Amália! O que estava pensando?

Volto para a cozinha, meus pensamentos estão a mil.

—O Ayrton está sondando o seu pai, acho que quer namorar ocê.

—Eu sei...

—E o quê cê achou disso?

—Talvez eu possa tentar...

—É melhor ,fia! É melhor!

Mainha me conhece, sabe que eu me apaixonei pelo Samuca, ela vai tentar de tudo pra me fazer esquecer dele. E não é por maldade não, ela está me protegendo, eu sei disso. Ela é uma mãe muito boa e já sofreu demais. Uma vez passou quatro meses sozinha com os filhos,quando painho estava correndo atrás de serviços trabalhando em colheitas de fazenda em fazenda,lá no interior da Bahia. Ela comia só um pouquinho de manhã, pra gente não ficar sem a janta...o que já sofremos nesse vida não é brincadeira não! Aqui nessa fazenda estamos tendo é vida de rei! Mesa farta,televisão e geladeira, roupas boas, casa com banheiro...Ela e painho tem medo de voltar pra vida de antes, e não sou quem serei a responsável por isso!

Eles voltam para o almoço e os servimos,vamos para a cozinha onde está o seu Jorginho com o filho e o irmão de Samuca,e nós almoçamos juntos.

—Olha Penha! Esse é o meu menino,Daniel.

—Menino bonito! Não é seu fio não! - ela brinca e nós rimos

—Parece com a diaba da mãe dele!

—Pai !

Ele ri.

—O menino da dona Suzana também é muito bonito, parece com ela.

—Só a cara, o jeito é do pai todinho!

—Só o patrãozinho é diferente, parece com a mãe mas não tem nada do patrão.

—O Samuca é filho do primeiro casamento da Suzana,mas o Tomás o cria desde quando tinha cinco anos,e ai de quem falar que não é filho dele!

Após o almoço recolhemos tudo e lavamos,mainha me manda ir pra casa fazer a lição e estudar um pouco, é até bom me afastar da casa.

No caminho, passo em frente à mangueira e vejo uma agitação no pé, eu paro,até que vejo Samuca pular de dentro da copa e eu me assusto.

—Te assustei? Estou colhendo a minha sobremesa! - ele ri

—Hoje é sábado, fica tudo vazio a essa hora por aqui. Levei um susto.

—Desculpa! Os alemães estão descansando, disseram que comeram demais.

Nós rimos.

—Cês vão embora hoje?

—Amanhã de manhã.

Ficamos em silêncio sem saber o que falar.

—Bem,eu já vou indo. Até mais seu Samuel.

Passo por ele,que me pega no braço.

—Seu Samuel? Já disse para me chamar de Samuca, eu não me importo!

—Mas não é certo, você é meu patrão, nada de intimidades.

—Será que essa diferença será maior do que uma amizade?

—Amizade? - pergunto

—É amizade, eu...quero ser o seu amigo...

Nos olhamos dentro dos olhos, a minha respiração ficou rápida e o meu coração parecia que iria saltar do meu peito de tão disparado.

Ele se aproxima mais, eu fecho os olhos e nossos lábios de tocam, ele me beija devagar e me puxa mais para perto,nos abraçamos enquanto continuamos a nos beijar,esse é o meu primeiro beijo.Após,terminarmos o beijo, ele me olha assustado,como se tivesse acabado de acordar.

—Me desculpa Amália! Eu não deveria ter feito isso!

—Por que?

—Eu ...eu sou noivo! E você é uma moça de respeito...me desculpa! Isso nunca mais vai se repetir.

Meus olhos se enchem de lágrimas e saio correndo em direção à minha casa,escuto ele me gritar por duas vezes, não paro de correr até chegar em casa e me jogar na cama. Fabinho estava cochilando e se assusta.

—O que aconteceu,mana?

—Nada!

Choro forte,de soluçar ,ele entende e me abraça.

—Eu te avisei ,Amália! Eu te avisei!

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