Dissimulação

Desde a última vez que estive com o James no seu kitnet, evitamos novos encontros inesperados. Passamos a tomar mais cuidado também lá em casa. Se era para ajustarmos tudo, que fosse da melhor maneira.

A Victória não ligou mais, não sabia nem disfarçar. Eu então resolvi não levantar suspeitas e a chamei ao celular.

—Oi Vic, tudo bem? Tempão sem falarmos. -Risos

—Oi Lya, bom falar com você! Como estão as coisas por aí?

—Aqui em casa está tudo em paz.

—Que bom amiga! E o James, ainda tem te procurado?

—Sabe Vic, acho que ele não tem o juízo perfeito. Mal fala comigo. Mesmo depois que dançamos na festa.

—Detesto ter que dizer isso...Deixa esse cara de lado. Vai cuidar de arrumar coisa melhor!

—Quero mesmo é estudar Vic. O James não deve permanecer aqui por mais tempo. Está me evitando. Para mim é até melhor.

—Entendo Lya, sinto por você que gosta ainda dele. Mas como disse, estudando esquece.

—Ok Vic! Liguei mesmo para saber como estava. A gente vai se falando. Vê se me liga também. Beijo

—Certo Lya. Beijos e lembranças ao seus pais.

Posso até está enganada, mas... senti um desconforto na voz dela e uma certa frieza.

Existe algo que não foi bem esclarecido, ao menos da parte dela.

Durante a semana estive na loja por causa dos eventos em que a mamãe esteve organizando. Dessa vez era necessário sua presença e não só enviar caixas com compotas. O negócio estava expandido . Chegamos a pensar em contratar uma pessoa. Logo eu iria para faculdade e o tempo estaria escasso.

Para minha surpresa, James veio trazer alguns queijos. Estivemos conversando tranquilamente, assim não haveria suspeitas.

O James foi até a porta de entrada se certificar que não havia ninguém chegando. Me puxou para o interior da loja onde fica o escritório da mamãe. Nos beijamos por alguns minutos e o James saiu. Matei minha saudade!

Não estive mais na kitnet dele por um bom tempo. Precisava me organizar para o início das aulas que em breve iniciariam. Eu e a Vic havíamos passado no vestibular com boas notas, ficamos radiantes com a notícia. Não nos vimos mais depois da festa, quando eu ligava ela atendia, mas não apareceu na minha casa como havia falado que passaria uma semana comigo. Vai ver estava evitando algo.

O James parou de insistir que o visitasse na cidade, acredito que ele acabou se conformando. Nossa relação secreta era perigosa. Eu sofria com isso. Nós mulheres pensamos diferente da grande maioria dos homens. Valorizamos pequenos detalhes, somos metódicas, dramáticas ; já os homens, não querendo generalizar, são práticos até no vestir. Até aqueles mais vaidosos não levam mais que uma carteira na mão e a chave do carro. Deixam para sofrer no ato e não antecipadamente, isso quando sofrem por algo. -risos

Não me lembro de ver o papai preocupado com qual sapato haveria de usar no dia da missa, ele pegava o primeiro que estivesse limpo , novo e ponto final. Já a mamãe ficava num rodízio louco escolhendo aquele que não usou no domingo anterior. Sem contar o que gastamos com produtos de beleza. Há tipos diversos, que no fundo são desnecessários no final das contas. Ainda me lembro de ver mamãe entrando numa loja para escolher cremes faciais. Era no mínimo quatro só para o rosto. Havia até um lembrete bem na sua bancada do banheiro para não esquecer os tais cremes. Eu sou diferente. Meu único pecado são os batons. Sempre gostei desde os quinze anos de usar a cor vermelha. Mas não uso nada na pele. Mesmo porque disfarçar sardas é uma fria. Só uso protetor solar e meu rímel e já stou pronta.

Puxei um pouco ao papai nesse quesito ,"vaidade". Minhas roupas são descoladas. Arrisco dizer que meu estilo é moça do campo. Só que gosto dos shorts curtos, camisetas básicas e muitos vestidos florais. Já meu cabelo por ser ruivo e cacheado, lavo com shampoo neutro sem nenhum outro produto. Gostaria que emocionalmente eu fosse prática assim também.

Mamãe estava com muitos pedidos de eventos para organizar. As festas do fim de ano logo chegariam. Enquanto isso dávamos conta das comemorações de bodas de casamento, aniversários entre outros...

Minha mente estava ocupada ajudando-a mais do que esperava. Isso me alegrava. Minha mãe sempre me apoiou em tudo e não seria agora que eu a deixaria com tantas demandas sozinha. Minha função de contabilista mensal deixou de existir para dar lugar a sua assistente diária até o início do próximo ano, quando finalmente começariam de fato as aulas na faculdade.

Uma coisa nunca havia me passado pela cabeça antes. Pesquisar a fundo a origem do James. Haviam muitos James Cameron espalhados por vários países e aqui mesmo na Philadélfia, ele não era o único. Teria de haver um indício a mais para filtrar sua família . Eu realmente estava preocupada com essa situação dele. Queria pode ajudar de alguma maneira, quem sabe chegar â algum primo e saber mais quem ele era. Não sei! Talvez isso nos afastaria . Ele não tinha outra rede social que mostrasse fotos, pessoas, amigos.

Nosso contato virtual era pelo MSN ou SMS. Pensei em pedir ajuda ao irmão da Vic que era esperto nisso, mas estava apreensiva com os últimos acontecimentos. Ela não parecia ser mais tão confiável, até me falar porque esteve com ele sem me avisar.

Em um momento de calmaria na loja, pesquisei no Google o Sobrenome”Cameron”

Apareceu diversos. Mas havia um que chamou minha atenção: Albert James Cameron-. Era um site relacionado a garotos que faziam eventos para festas de despedida de solteiro. A data era de quatro anos antes. Poderia ser ele, ou não!

Busquei fotos desse Albert, mas o rosto estava bloqueado. O site não revelava a face , se não houvesse um cadastro mediante um termo especificando o motivo de solicitação daquele escolhido.

Eu estava de mãos atadas! Mesmo porque eu pagaria para fazer um orçamento, mas o cartão de crédito era de meus pais, eu era sua dependente. Eles não aceitavam outra forma de pagamento. O jovem da foto estava sentado com uma sunga, botas de cowboy e um colete. Parecia menos forte que o James hoje. Quatro anos muda alguém de alguma maneira. Não havia tatuagens na foto, e o James, tinha uma no braço esquerdo . Minha única iniciativa seria perguntar há quanto tempo ele tinha essa tatuagem?! Seria um bom começo. Por outro lado, descobrir que James mentia pra mim seria sinistro demais.

Eu voltei ao trabalho na lojinha, não podia viver em função dos meus sentimentos. A mamãe dependia de alguém que cuidasse de tudo nesse momento. Eu era um exemplo de organização e dedicação. Não seria diferente agora.

Final da tarde fomos para casa . Mamãe precisava descansar. No dia seguinte haveria um dos eventos e ela estava que não cabia de felicidade em ver seu projeto crescendo .

Chegamos em casa, para minha surpresa, encontro James na cozinha. Imaginei que sairia mais tarde por algum motivo. Mas ele disse que estava sentindo enxaqueca e não conseguia dirigir, preferia dormir por lá mesmo.

Pediu para avisar ao papai. Eu perguntei se queria alguma ajuda, ele disse que já havia pedido a Ruth analgésicos. Só estava na cozinha pegando a garrafa com café e alguns bolinhos, caso sentisse fome mais tarde.

Pedi que deixasse o celeiro aberto que mais tarde ir vê-lo. Ele concordou.

Fui a sala e avisei ao papai que ele dormiria não voltaria a cidade .

Minha mãe para minha surpresa, pediu que levasse jantar para o James e ver como estava.

Para mim foi excelente, assim não precisaria me arriscar indo lá às escondidas

Avisei a mamãe tomaria uma ducha para levar o jantar.

Entrei no celeiro. Ele estava deitado. Havia uma pequena luz no canto da cama para não incomodar . Toquei nele bem devagarinho. Ele despertou e me puxou pra cima dele abraçando bem forte!

—Que bom Lya, você veio!

Eu estou me sentindo bem melhor,mas fico receoso de vomitar estando sozinho. Se eu piorasse ao menos teria a quem recorrer.

— Meus pais ficaram preocupados. Em todo este tempo aqui, você nunca manifestou enxaqueca. É comum você ter?

—Não com frequência. Na verdade, só sinto quando me estresso ou algo me preocupa demais .

—Você se aborreceu com alguém James?

—Desta vez não. Eu fiquei sentindo sua falta demais. Você não me ligava. Há dias você sai com sua mãe e como eu estou ocupado na instalação da nova baia, não tenho ido com vocês a cidade. Creio que seja isso.

Hoje com essa enxaqueca, foi mais um motivo para te ver.

—Sabe que ando as mil voltas com a mamãe. Uma coisa é distribuir compotas para a cidade. Outra coisa é montar evento com compotas e participar delas. Esse mês, e no próximo com as festas natalinas, não vamos respirar. Você precisa compreender, se não tivesse mudado para a cidade, aqui seria mais fácil de nos vermos.

— Eu sei Lya, fui precipitado em pensar que seria melhor para nós dois a mudança de endereço.

—De certa forma foi boa a idéia. Mas, nem sempre poderei ir quando chamar. Principalmente quando as aulas começarem. Serão pela manhã e a tarde terei outras obrigações pelo que vejo. Além de apoiar a mamãe eu terei que estudar muito.

Os fins de semana serão mais livres e poderemos combinar algo.

—Lya, pelo que vejo já está com tudo planejado. É assim que me deseja?

—Está de brincadeira não é James? Uma coisa nada tem a ver com outra. Amo você, mas a vida caminha.

—Eu preciso voltar. Só vim trazer o jantar. Meus pais ainda estão acordados e vão desconfiar se perceber que demorei aqui.

—Por que então você não deixou pra vir mais tarde? Assim você dormiria comigo. Cedinho sairia.

—Hahaha, James! Tá com febre? Eu dormir aqui. Se meus pais me chamam na madrugada o que eu diria?

—Entendi Lya, já não vale a pena tanto esforço não é?

Já me conquistou, agora que se dane!

—Pode sair. Obrigada pelo seu jantar. Deixa aí que como mais tarde.

—James... está me expulsando?

— Não poderia expulsar a dona da própria casa. Apenas estou pedindo para sair que minha cabeça voltou a doer.

Não posso falar mais.

Tentei beijar o James, ele virou o rosto.

Então disse:

—Boa noite James, fica bem qualquer coisa me liga.

—Ok, mas não será preciso!

Voltei para casa, deixei James descansando mas dentro de mim, algo sinalizava problemas futuros.

....

“Uma mulher, por mais que ame ao seu homem... deve amar a sí mesma com a dedicação que merece. Essa é a receita para não cair na idolatria.”

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