Isabella terminou de lavar a louça, secou e procurou onde guardar. Observou que tudo na cozinha de Lucas era bem organizado e isso lhe deu uma satisfação enorme. Entre suas manias, havia a organização. Tudo no seu devido lugar.
Enquanto esperava por ele, ficou na sala sentada no sofá olhando algumas fotos nas redes sociais de Gisele. Ela não entendia como as pessoas conseguiam ficar tanto tempo presas a uma vida nas telas. Apesar de ter várias restrições sociais devido ao autismo, Isabella sempre teve preferência ao contato pessoal do que às redes sociais.
Lucas: Estou pronto. Vamos?
Isabella: Vamos! - Disse com um sorriso tímido.
Houve um impasse na hora de saírem do apartamento. Lucas abriu a porta para Isabella passar, mas ela não tinha o costume de sair primeiro quando estava acompanhada, pois sempre queria ser a pessoa a conferir se a porta estava fechada. Ela ficou parada olhando para ele e para o lado de fora como se raciocinasse sobre o que deveria fazer.
Lucas: Hum... se você demorar mais a sair vou achar que não quer mais ir embora! - Brincou.
Isabella: Não! Eu quero ir embora! Não que eu não queira ficar aqui! Quer dizer, eu não quero! É que... Ai... - Respirou fundo de olhos fechados tentando se reorganizar para responder de forma adequada.
Lucas: Tudo bem, eu entendi. Vamos. - Disse gentilmente é tocando delicadamente a mão no ombro de Isabella conduzindo-a à saída.
Isabella travou, não teve a mesma reação de sexta com aquela senhora na rua, mas ficou paralisada sem saber o que fazer. Apesar de tudo, se sentiu confortável com o toque dele, só não sabia como reagir.
Lucas: Oh, me desculpe, Isa. Eu não queria ser invasivo, eu apenas...
Isabella: Não, você não tem culpa. Me desculpe, Lucas. Eu reagi de forma exagerada. - Falou com tom de derrota.
Lucas: Olha, eu não sei o que aconteceu com você, mas eu não sou aquele cara que... Bom, você sabe. Eu só te trouxe aqui para te ajudar, eu fiquei preocupado com você.
Isabella: Deixa só eu passar pela porta depois de você. Por favor. Eu prometo que vou conseguir explicar depois.
Lucas: Tudo bem. Pronto. Passei primeiro! - Disse com um sorriso amarelo no rosto.
Isabella: Obrigada! - Falou aliviada.
Eles desceram o elevador em silêncio. Isabella olhando fixamente para o chão e ele para os botões dos andares. Eram apenas 10 andares, mas para os dois a viagem durou uma eternidade. Quando chegaram à garagem, Isabella saiu quase correndo buscando ar do lado de fora.
Lucas: Nossa, eu não sabia que eu fedia tanto assim, mesmo sendo sábado, o dia de tomar banho. - Brincou.
Isabella: Bobo! Essa piada foi muito ruim! - Disse rindo da piada do rapaz.
Lucas: Ganhei meu dia. Encontrei alguém para rir do meu humor de quinta categoria. - Falou olhando nos olhos de Isabella que rapidamente desviou o olhar.
Isabella: É... qual o seu carro? É aquele?
Lucas: Não, é aquele outro ali. - Disse enquanto apertava o botão de destravar na chaves do veículo.
Ele abriu a porta para ela entrar e logo ocupou seu lugar no banco do motorista.
Lucas: Você prefere janelas abertas ou fechadas?
Isabella: Abertas.
Lucas: Prontinho, janelas abertas. Agora preciso que você coloque no GPS o seu endereço. - Disse entregando o celular nas mãos da moça que estremeceu quando seus dedos se tocaram rapidamente.
Isabella: Pronto.
Lucas: Agora deixa eu conectar aqui. Prontinho! - E deu a partida no carro.
Eles foram conversando amenidades durante o trajeto. Lucas contou que era fotógrafo e que em breve faria uma nova exposição. Isabella contou sobre sua paixão pela arquitetura, livros e dança, mas não entendeu porque ele riu quando ela falou que gostava muito de ler.
Isabella: Qual o problema em gostar de ler?
Lucas: Nenhum.
Isabella: Então por que você riu?
Lucas: Ah, nada não. É que eu também gosto de ler e tenho um gosto um pouco peculiar.
Isabella: Mas não deve ser tão peculiar quanto ao meu. Nem deve ter um ritual de leitura.
Lucas: Ritual?
Isabella: É!
Lucas: Como assim?
Isabella suspirou, achou melhor contar sobre o autismo e como ele interferia em sua vida logo, antes de acabar tratando mal o rapaz de novo e ele não entender nada.
Isabella: Bom, é que eu tenho uns rituais diários, coisas que sigo à risca, porque me causam satisfação mental.
Lucas: Hum... fale mais!
Isabella: Quando eu era pequena, eu deveria ter uns 4 anos, mais ou menos, os adultos perceberam que eu era "diferente". Então comecei a fazer uns testes até que fui diagnosticada com autismo de suporte 1. - Falou com receio do julgamento.
Lucas: Ah... entendi. - Disse aliviado.
Isabella: Entendeu o que? - Perguntou confusa.
Lucas: Eu observei alguns comportamentos seus, a insistência em lavar a louça, aquele impasse na hora de passar pela porta e quando eu te toquei. Tudo me parecia muito rígido, mas agora fazem todo o sentido!
Isabella: E para você é ok isso?
Lucas: Claro! Ser neurodivergente não te torna um E.T., Isa. Mas saber dessa informação me ajuda a agir melhor com você e te proporcionar mais segurança e conforto na minha presença. Obrigado por confiar em mim a ponto de revelar esse detalhe da sua vida.
Isabella: Nossa... até hoje, foram poucas pessoas além dos meus pais da Gisele e uns poucos amigos que conseguiram ter essa sensibilidade comigo. Obrigada! - Disse emocionada.
Lucas: Nada a agradecer! - Falou com um sorriso genuíno. - Agora me fale. O que você gosta de fazer e, principalmente o que você não gosta ou o que te desregula, para que eu possa evitar que isso aconteça?
Isabella: Não entendi bem por que você quer saber isso. Não iremos conviver...
Lucas: Não? Por que não iremos conviver? Eu não sirvo para ser seu amigo? Poxa, fiquei triste. - Fez cara de voz de manhoso.
Isabella: Não, seu bobo! Você é ótimo! Eu só não achava que você fosse se interessar na minha amizade.
"Ah, Isa... se você soubesse que eu quero bem mais que uma amizade com você..." - Lucas pensou enquanto formulava uma resposta menos invasiva.
Lucas: Ah, claro que quero! Você é divertida, simpática, certamente é uma ótima amiga. O que acha?
Isabella: Não sei se sou ótima, mas aceito ser sua amiga. - Respondeu com um sorriso genuíno.
Eles seguiram conversando o caminho todo. Isabella contou sobre a adoção e se sentiu à vontade para falar sobre as crises de ansiedade que retornaram recentemente. Quando chegaram à frente do prédio em que ela morava, trocaram telefone e se despediram com um aceno. Ele estava com receio de abraçá-la e acabar provocando uma crise.
Isabella entrou em casa e ficou encostada na porta pensando na noite que teve e nos desdobramentos. Apesar de ter perdido seu ritual de sábado e passar por um momento de assédio, acabou conhecendo aquele homem que foi o seu "salvador".
Lembrou-se que um dos exercícios que precisava fazer era registrar em uma lista tudo o que a incomodava e tudo o que se fazia se sentir bem. Rapidamente pegou o celular e anotou na lista das coisas que a faziam se sentir bem: Presença do Lucas e o toque dele.
Ela sorriu ao escrever isso e colocou a mão na boca como se quisesse impedir alguém de ver sua satisfação com essa constatação.
No caminho de volta para casa, Lucas foi pensando sobre como deve ser difícil para Isabella tentar se adequar a um mundo com tantos estímulos. Ele sentiu vontade de acolher e cuidar dela, pois a via como uma joia preciosa. Ela não era só bonita e intrigante, ela era gentil, inteligente e, graciosamente tímida, apesar de parecer ser aquele mulherão.
Quando chegou em casa, ficou pensado em maneiras de se aproximar dela. Queria vê-la de novo. Ele se conhecia, estava interessado nela não como amigo.
Lucas: Isa, Isa... O que você foi fazer comigo, garota? Agora eu só penso em você! Estou ferrado! - Disse para si mesmo.
Ele foi para o escritório revisar as questões do patrocínio da exposição, mas não conseguia tirar da cabeça que precisava arrumar uma desculpa para encontrar com ela novamente.
Navegando pelo site da Objetiva, ele viu que a empresa também patrocinava um espetáculo de dança Alma em Movimento do Dance Lab, o estúdio de dança da consagrada bailarina Samantha Motta. Buscando mais informações na Internet, ele descobriu que Samantha era esposa de Gustavo, o proprietário da Objetiva.
Lucas: Já sei! No próximo fim de semana começam as apresentações do espetáculo, vou convidar a Isa para ir comigo.
Sem demora, ele enviou uma mensagem para ela fazendo o convite.
Oi, Isa. Lucas falando.
Na próxima sexta começam as apresentações do espetáculo Alma em Movimento, do Dance Lab. Você está afim de ir assistir? O patrocinador deles é o mesmo que vai patrocinar a minha exposição, eu consigo dois ingressos com ele para nós. O que me diz?
Isabella já havia deixado o celular carregando e foi cuidar da rotina de domingo: colocar roupa para lavar, preparar o jantar da semana etc. Não viu a mensagem que Lucas mandou. Ele ficou esperando ansiosamente por uma resposta quase o dia inteiro e acabou pensando que tinha anotado o número dela errado.
Quando foi por volta de 20h, ele recebeu uma resposta.
- É claro que eu vou! Meu Deus! Eu fui aluna do Dance Lab logo no começo! A Sammy foi minha professora! É claro que eu quero prestigiar! Muito obrigada por lembrar de mim, Lucas!
Era a deixa que ele precisava! A semente estava sendo plantada, agora faltava regar e germinar esse sentimento no coração daquela mulher tão fascinante.
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Atualizado até capítulo 115
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