CAPÍTULO 19

Meu dia com Margareth passa depressa, ela voltou super animada da casa da irmã que vem para cá na quarta que é quando o Kyle viaja. Alice a fisioterapeuta está aqui, toda segunda, quarta e sexta acontece a fisioterapia para que o lado paralisado do corpo de Margareth volte a recuperar os movimentos, mas é um processo lento e bem cansativo.

- Oi mãe cheguei, está tudo bem aqui?

Kyle entra no quarto, cumprimenta a todos como faz todo santo dia quando chega do trabalho e sai. Parece estar chateado, mas ignoro.

...

Já são seis horas da noite quando termino de arrumar minhas coisas para ir embora, Margareth está jantando na cama e reclamando aos quatro ventos que a fisioterapeuta acabou com ela, aposto que daqui a quinze minutos vai estar no sétimo sono.

- Boa noite Margareth, até amanhã.

Ela sorri e acena enquanto toma uma enorme colherada de sopa inglesa preparada pela master chef safadona.

- Boa noite minha filha, Kyle está lá embaixo esperando para te levar, vão com Deus!

Reviro os olhos, mas hoje está uma churra horrorosa lá fora, a carona de Kyle é muito bem vinda.

- Anny!

Ouço Kyle me chamar e desço para a sala, avisto ele parado com a porta aberta.

- Você tem visita...

Sua voz é rouca enquanto analisa o lado de fora da porta. Só quando chego na sala vejo meu pai em pé, está com a mesma roupa de ontem só que molhada.

- Pai, o que tá fazendo aqui?

Largo minha mochila no sofá e ando rápido para a porta passando por Kyle que continua parado observando meu pai.

- Preciso falar com você, você não estava em casa, preciso da sua ajuda...

Ele fala como se estivesse envergonhado. Me viro para Kyle.

- Não precisa me levar, vou pedir um táxi, vou só pegar minha bolsa...

Ele não me dá passagem.

- Eu vou levar você.

Ele me olha desconfiado e volta o olhar para meu pai. Reviro os olhos com raiva, autoritário!

- Então pode por favor nos dar licença, assim que eu terminar aqui te chamo...

Ele ainda está desconfiado mas assente e nos convida para conversar na sala, recuso pois preciso de privacidade, não quero correr risco de alguém ouvir

- Vou estar no meu quarto, quando acabar me chama.

Confirmo com a cabeça, espero ele subir todos os degraus e fecho a porta da casa.

- Pai você está louco? Você não pode vir no meu trabalho!

Falo o mais baixo que posso

- Filha, eu fiz besteira, eu não consegui pagar!

Seus olhos se enchem de lágrimas.

- Como assim pai? Eu vou te dar os quinhentos que faltam, é só você me encontrar lá na esquina de casa em uma hora

- Não filha, você não está entendendo, eu gastei o dinheiro que você me deu, eu estava com fome

Meu coração acelera.

- Como assim você gastou? O que você comeu com mil e quinhentos dólares pai? Me fala a verdade, com o que você gastou?

Começo a me desesperar, não pelo dinheiro mas pelo estado que ele está.

- Eu paguei um outro homem que eu devia, o que sobrou comprei comida foi só isso filha eu juro, me perdoa

Ele começa a chorar e se ajoelha no chão como se suas pernas não sustentasse mais ficar em pé, ele está bêbado.

- Levanta pai, você precisa sair daqui, aqui é meu trabalho! Vou pedir um táxi, vamos ao banco e eu vou te dar o dinheiro mas você tem que me prometer que vai pagar o que deve, por favor me prometa isso!

- Sim! Sim! Eu juro por tudo minha filha, eu vou pagar!

- Espere aqui, vou pegar minha mochila.

Ele assente e se levanta. Abro a porta devagar, quero fazer o mínimo de barulho possível para que Kyle não note que estou indo embora, assim que passo pela porta vejo que seus olhos azuis escuros estão me observando cauteloso.

- A quanto tempo você tem dado dinheiro para o seu pai?

Merda. Ele ouviu. Que se dane, ele não tem nada a ver com isso.

- Estou indo embora Kyle, não quero que me leve hoje!

Vou até o sofá pegar minha mochila mas ele me puxa.

- Quanto tempo Anny? Me diz!

Ele grita, seu tom não é como se estivesse com raiva e sim desesperado.

- Não se mete nisso Kyle, por favor, só me deixa ir embora!

- Não! Anny, se você der um passo para fora daqui ou algum dinheiro para esse homem eu juro por Deus que vou agora mesmo na sua mãe!

- Você não seria tão baixo!

Eu grito.

- Então tente a sorte!

Ele grita de volta. Estamos nos encarando com muita raiva, ele se afasta e fica de costas para mim puxando ar para os pulmões tentando se acalmar.

- Anny, por favor.

Ele fala baixo, sem se virar para mim.

- Está tudo bem Kyle, ele só precisa de dinheiro...

Falo soluçando segurando as lágrimas que ameaçam cair, ele se vira e segura meu rosto com as duas mãos.

- Sua mãe falou que ele se envolveu com coisa errada Anny, porque você está se envolvendo nisso?

Sua voz sai como um sussurro.

- E-ele é meu pai, está precisando de mim...

Sinto minhas lágrimas quentes sendo enxugadas pelo seu polegar fazendo carinho em meu rosto.

- Fique aqui tá bom? Pode fazer isso por mim?

Concordo com a cabeça. Fico olhando enquanto ele vai até a porta e a fecha ficando sozinho lá fora com meu pai. Fico espantada ao perceber que dá para ouvir tudo daqui.

- De quanto você está precisando?

Não consigo ouvir a resposta do meu pai.

- Você tem alguma conta para que eu possa transferir?

Continuo sem ouvir o que meu pai responde.

- Ok, me dá um minuto.

Ele entra na casa me dando um sorriso tranquilizador, porém não deixa de estar preocupado. Ele sobe as escadas dois degraus de cada vez. Depois de alguns minutos volta com algumas notas e fecha a porta mais uma vez.

- Aqui tem cinco mil, acho que é o suficiente para você pagar o que deve e ainda sobra para suas necessidades básicas. Estou te ajudando dessa vez mas não quero em hipótese nenhuma que você volte a se aproximar da Anny para pedir absolutamente nada você tá me ouvindo? Se alguém encostar em um fio de cabelo dela por conta do senhor, eu vou te achar nem que seja no inferno.

Me sento no sofá e coloco as duas mãos no rosto, será que tem como isso ser mais humilhante? Kyle dando dinheiro ao meu pai!

Ouço a porta abrir mas não tiro as mãos do rosto, nem consigo conter a vergonha que estou sentindo, o sofá se afunda ao meu lado e sinto seus braços ao meu redor. Kyle me abraça com força sem dizer nada enquanto eu choro. Choro pela situação do meu pai, choro por vergonha e choro por causa desse sentimento que eu sei que não embora nunca.

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