CAPÍTULO 5

...DIAS ATUAIS...

Entro no ônibus bem mais lenta que o normal, me sento no primeiro lugar livre que encontro. Acabo de sair de um turno de 24 horas, meus pés doem e minha cabeça também, eu amo ser enfermeira, amo cuidar das pessoas, mas preciso admitir que é muito mais cansativo do que os outros trabalhos que já tive. Ganho pouco para o tanto que trabalho, mas minha mãe tem passado por momentos difíceis desde que foi mandada embora, ela e meu pai se separaram tem 2 anos, desde então somos só nos duas.

- Boa noite filha.

Minha mãe está preparando o jantar quando chego em casa.

- Boa noite mãe, Lisa veio aqui?

- Veio sim, te esperou por 2 horas mas precisou ir embora. O que houve que chegou tão tarde?

Jogo minha bolsa em um sofá e caio deitada no outro.

- O plantão foi uma loucura, quase que não venho embora hoje...

- Eles te exploram demais minha filha, você precisa de algo melhor.

- Enquanto não tem outro preciso ficar nesse mãe

Me levanto e vou até a cozinha, lhe dou um beijo no rosto e subo para o quarto. Meu celular vibra e vejo o nome do Mark na tela, não atendo, simplesmente deixo tocar. Conheci Mark no hospital, ele é neurocirurgião e eu sou enfermeira na área, no início não dei muita atenção mas depois de muita insistência acabei dando uma oportunidade. Ah. Que erro. Não temos nada em comum, ele tem síndrome de Deus e só sabe falar dele mesmo o tempo inteiro.

Por dentro sei que não é totalmente culpa dele, sempre tive muito em que comparar, todo mundo que conheço sempre comparo com Kyle, com a forma que me tratava, em como ele me fazia sentir importante, até hoje me pergunto onde estaríamos se ainda estivéssemos juntos, teríamos filhos? Estaríamos casados? São perguntas que nunca saberei a reposta, e até hoje isso me dói. Nunca mais tive notícias dele, seus pais se mudaram alguns meses depois que ele foi embora e venderam a casa, nunca mais ouvi falar neles, mas não tem um dia que eu não me pegue pensando em Kyle.

...

- Filha, telefone para você.

Acordo com batidas fortes na porta, estou tão cansada que apaguei, não me lembro nem de ter jantado ontem, pego o celular e vejo que são 9:40 da manhã, tem 12 ligações perdidas do hospital então imediatamente já sei quem é no telefone fixo.

- Pode entrar mãe, a porta está aberta.

Ela entra com uma xícara de café na mão e o telefone fixo na outra, ela me entrega o café quente e agradeço sem som lhe dando um beijo na bochecha, é incrível como ela sempre sabe do que eu preciso. Tomo um gole do café e atendo o telefone.

- Oi, bom dia chefe.

- Bom dia Anny, duas pacientes deram entrada com AVC e a Rebeca ficou doente, teria como você vir?

Reviro os olhos.

- Eu estou acabada Nick, eu preciso descansar.

Meu chefe bufa do outro lado da linha.

- Anny por favor, só tem você, te pago um extra.

- Ok.

Confirmo imediatamente porque estou precisando desse dinheiro, até mamãe arrumar outro emprego é o meu salário que tem bancado a casa.

...

Faz duas horas que cheguei no hospital, não parei nem para tomar água, cheguei e preparei a papelada de um falecimento, infelizmente essa é a parte ruim do trabalho mas independente de quantos pacientes já perdi, eu nunca me acostumo, sempre sinto aquele vazio e tristeza preenchendo a papelada. Assim que termino vou nos leitos das duas pacientes que deram entrada hoje a tarde me apresentar e dar início oficialmente ao meu plantão. A primeira é uma senhorinha, vejo em sua ficha que tem 77 anos.

- Olá dona Maria, me chamo Anny, sou sua enfermeira daqui para frente, o que precisar só apertar esse botão que venho correndo ok?

Ela me dá um sorriso triste, meu coração se aperta.

- Você é muito bonita Anny, me lembra minha filha que Deus a tenha.

Converso mais um pouco e vou para o quarto da segunda paciente nova e pego sua ficha, Margareth, 52 anos.

- Olá dona Margareth, me chamo...

- Oi Anny, não lembra de mim? Que bom ver você.

Meu coração da uma cambalhota na hora em que minha filha cai, é Margareth, mãe do kyle.

- Margareth! E-eu não acredito, vocês sumiram, nunca mais tive notícias de vocês.

Puxo uma cadeira e sento ao lado da cama, nos abraçamos por alguns minutos e seguro seu braço esquerdo com acesso parado no lugar.

- Que bom ver você minha filha, você é enfermeira? Que profissão linda!

Estou em choque, absorvo suas palavras com dificuldade, quero lhe perguntar o que houve, quero lhe perguntar sobre kyle, mas ao invés disso fico paralisada lhe olhando.

- É, tive um AVC isquêmico, meu braço esquerdo está totalmente paralisado e me colocaram aqui presa para fazer mais exames e ver qual é a gravidade e se estou com alguma lesão.

- Ah Margareth, eu sinto muito.

Ela sorri como quem diz para não me preocupar, ela sempre foi uma mulher tão forte e agora parece tão debilitada.

- Kyle voltou para Boston, ficou sabendo? Eu sempre achei que veria vocês dois se casarem...

Fico corada na hora, meu coração não para de palpitar a cada segundo.

- C-como ele está?

- Ele está bem, foi para a legião estrangeira, é sargento. Pediu para vir para Boston comigo, é aqui o meu lugar, quero fazer meu tratamento no melhor lugar do mundo, Boston.

Sorrio, eu me lembro como ela sempre comentou amar Boston, embora eu não veja nada demais aqui, pelo contrário tenho muitas lembranças tristes.

- Anny, emergência!

Nick aparece na porta me chamando, confirmo com a cabeça.

- Margareth preciso ir, mas daqui a pouco dou uma passadinha aqui, é tão bom te ver novamente, uma pena que nosso reencontro seja aqui.

Ela sorri e segura minha mão.

- Até mais minha filha. Posso te confessar uma coisa? Você sempre vai ser a melhor nora do mundo para mim.

Seguro as lágrimas ao sorrir, nos abraçamos mais uma vez e saio da sala. Cinco horas depois quando finalmente fico livre volto correndo para o quarto, querendo tomar coragem para perguntar tudo sobre kyle, mas ela não está mais lá. Fico encarando a técnica de enfermagem limpando o leito e penso na chance que perdi.

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