Capítulo 19

Gabriela

Acordei meia hora mais cedo, o que assustou a mãe de Rafaela.

___ Porque está com tanta pressa, vá com calma, ainda temos tempo!

___ Eu queria ir de ônibus!___ Esfreguei o braço esquerdo, nervosa.__ Se não tiver problema, mãe.

___ Tem certeza? A cidade é perigosa e você não está acostumada, além disso, você sabe onde pegar condução.

___ Bem, as duas coisas são verdade, mas vou tomar cuidado e também, posso pedir informação.

___ Não sei não, Rafaela!

___ Confie em mim, eu peguei um ônibus de viagem sozinha!

Ela assentiu.

___ Certo! Confiarei em você, às vezes esqueço o quanto é insistente e determinada.

___ Bem… Vou indo então!

___ Boa aula.

___ Tchau, mãe!

Esperei 10 minutos até entrar no ônibus, completamente cheio, não conseguia nem me mexer e fiquei em dúvida, se deveria agarrar minha mochila ou me segurar para não esmagar ninguém.

Um ponto depois, mais alguém subiu.

“Ah não! Por favor, não!”

___ Buu!

Era Daniel.

___ Oi, por que pegou o ônibus?___ Questionei sem graça.___ Queria tanto me ver assim?

___ Não! Vi seu sofrimento pela janela e resolvi ser solidário.

Mostrei a língua.

___ O que deu em você, hein? Faltou aula ontem, não avisou nada e hoje, do nada, resolve pegar um ônibus. Disse que recuperou a memória, mas ainda age como alguém totalmente diferente.

Respirei fundo.

“E se ele me descobrir?”

___ Eu… Precisava de um tempo, depois daquela situação com a Amanda. Além disso, não me lembrei de tudo, só uma parte, ok?

Franzi as sobrancelhas e o encarei.

___ Tá bom, tá bom! Não se sinta pressionada. O que, você lembra? Já sabe o quanto nós somos próximos?

Um sorriso malicioso surgiu em seu rosto.

___ Não sei, me diga você. O quanto somos próximos?

O ônibus deu uma freada e eu quase caí.

___ Cuidado!__Ele me segurou pela cintura, nossos rostos estavam próximos e seus olhos estavam fixos nos meus, ele devia gostar muito da minha irmã, talvez até a amasse.

___ Precisa segurar direito! Se quer andar de ônibus, não se coloca em perigo, me dá a sua mochila, eu seguro.

___ Mas…

Ele tomou a bolsa de mim, antes mesmo que eu terminasse a frase.

___ Obrigada.

Aproveitei as mãos livres e agarrei firmemente o metal.

Quando chegamos na escola, o diretor chamou Daniel para conversar.

___ Ele deve estar orgulhoso, né? Afinal, o Daniel é uma estrela da escola! Todo mundo gosta dele! Ele provavelmente vai para as olimpíadas um dia! Claro que ele deve receber atenção.

Ergui uma das sobrancelhas.

___ Você está com inveja?

Questionei.

___ Inveja? Eu? Claro que não! Mesmo que eu fosse o filho do diretor, eu nunca seria tratado assim, tenho plena consciência disso!

___ Isso foi meio específico, sabia?

___ Ah, que se dane!

Ele virou as costas e me deixou sozinha após isso.

___ Esse garoto definitivamente é maluco!

Balancei a cabeça em negação, e fui para a sala.

___ Olha só quem resolveu aparecer hoje!___ Disse Alessandra.

___ Não começa!

Revirei os olhos e sentei em meu lugar.

___ O primeiro tempo de hoje é vago.___ Contou Melissa.___ Pega meu caderno, aproveita para colocar a matéria de ontem em dia.

Confirmei com a cabeça.

___ Vou fazer exatamente isso.

Enquanto passava a matéria para meu caderno, as duas não tiravam os olhos de mim.

___ O que foi?

Indaguei, parando de escrever e encarando as duas.

___ É que a sua letra mudou! E muito.___ Observou Alessandra.___ Aqui, isso é um recado que você escreveu para mim, antes do acidente.

Peguei o bilhete e analisei, eu e minha irmã podíamos ter a mesma aparência, mas com certeza isso não se aplicava a nossas caligrafias.

___ Engraçado! Nos filmes, mesmo quando a pessoa perde a memória, o corpo lembra das coisas que ela fazia, é uma espécie de memória muscular.

“ Droga, o que eu faço?”

Dei de ombros.

___ Bem, Melissa, os filmes muitas vezes mostram coisas totalmente diferentes da realidade, não é?

Daniel entrou na sala nesse momento.

___ Ei Daniel!___ Chamou a loira.___ Acha que seria capaz de lembrar como nadar, mesmo com amnésia.

Ele ficou pensativo por alguns minutos.

___ Acho que sim.

As duas olharam para mim, como se esperassem que eu explicasse o porquê das letras estarem tão diferentes. Respirei fundo e me levantei.

___ Ei, o que foi?___ Indagou Alê.

___ Vou ao banheiro, jogar uma água no rosto, já volto!

Os olhos de Daniel não saíram de cima de mim.

Fui para o telhado do colégio e observava todos andando lá embaixo, debruçada na beirada, enquanto tentava me acalmar.

___ Cai fora!

Tomei um susto e olhei por cima do ombro, procurando quem estava ali.

___ Ah, é você, Sandro.

___ Sim, sou eu e você está no meu lugar particular de soneca.

___ Foi mal, mas vou ficar aqui mais um pouco.

___ Que seja! Você já me acordou, mesmo!

Ele ficou ao meu lado, debruçando-se também. Um carro passou na rua, seu rádio estava ligado no último volume, de modo que podemos ouvir tudo.

“ A atriz Natália Naspoline anunciou que vai se casar novamente nesse fim de semana…”

Sandro começou a rir, do nada.

___ Você já procurou um psiquiatra?

___ Quem jogar um jogo?

___ Com você? Hum… Não sei não.

___ Eu começo então, quem contar a maior mentira ganha! Tenho duas, hein! A primeira é que, eu sou filho do diretor.

Comecei a gargalhar.

___ Uau! Você realmente quer ganhar isso!

___ Nunca notou como somos parecidos? Aliás, sabe qual é o sobrenome do diretor? É Hwang também!

___ Não sabia que ele era coreano, bem brasileiro é tão misturado que ás vezes me confunde! Mas, me diz, qual é a segunda mentira?

___ A segunda é que, a Natália Naspoline é minha mãe.

___ Para com isso, Sandro.

Ele não disse nada.

___ Minha vez então, na verdade, você não devia acreditar em nada que eu digo. Sou uma completa mentirosa, a minha maior mentira é essa: meu nome é Rafaela Albuquerque.

___ Ah!___ Ele revirou os olhos!___ Você estragou tudo, Rafaela!

Irritado, Sandro foi embora.

Quis dizer para ele esperar, mas o que eu diria? A verdade? Sem muita escolha, resolvi voltar também.

À noite, quando estava voltando para casa, após ter saído rapidamente, vi Hwang andando vento um louco no meio da rua, por entre vários carros.

Balancei a cabeça em negação, quando ele finalmente veio para a calçada, ficando no mesmo caminho que eu.

___ Rafaela.___ Chamou.___ Eu quero ficar sozinho essa noite.

Franzi a sobrancelha e sem entender nada, me virei para ir embora.

___ Espera! Isso também era parte daquele jogo.

Não pude evitar dar um sorriso.

Sandro me levou para um karaokê.

___ Isso é bem popular lá na Coreia, quando era criança, sempre ia com a minha avó, então tenho boas lembranças.

Assenti.

___ Pode escolher a música.

Olhei para o menu, tentando achar algo que gostasse.

“ Será que essa mínima ação, vai entregar que não sou a Rafaela?”

Acabei escolhendo uma internacional, mesmo que não conseguisse cantar direito, o que o fez rir de mim. A noite acabou sendo incrivelmente divertida.

Mas, a manhã seguinte trouxe uma surpresa nada agradável.

___ Temos uma aluna nova.___ Anunciou o professor de matemática, logo em seguida Maria Eloísa entrou na sala.

___ Espero que todos sejamos amigos!

Meu coração acelerou na hora em que ela pôs seus olhos em mim.

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