Culpa e arrependimento

**Elis**

Estou deitada no sofá, abro os olhos e vejo que estou com a cabeça no colo da Suzi, Rita está com um vidro de álcool nas mãos e chega perto pra eu cheirar. Não sei se isso realmente funciona mas o fato é que voltei do desmaio para esse pesadelo, o mais horrível de todos, Gabriel ainda está ali. Levanto ainda meio tonta.

Eu: Gabriel me leva com você, eu não vou ficar aqui esperando.

Gabriel: Elis é melhor não.

Eu: Por favor Gabriel me leva, eu preciso ir, Isso tudo é culpa minha.

Suzane: Elis foi um acidente ninguém teve culpa.

Eu: Claro que teve, eu tive a culpa, se não tivesse ido naquele barzinho, se não tivesse bebido, se não tivesse...

Não consigo mais falar, quando lembro que a última vez que toquei nele foi quando dei aquele tapa, seu último olhar pra mim foi de raiva e mágoa. Sinto vontade de morrer, minha cabeça dói, parece que vai explodir.

Todos tentam me consolar dizendo o quanto ele estava apaixonado, o quanto me amava e estava mais feliz. Mas pensar nisso só me faz sentir mais culpa ainda, saber que causei dor e sofrimento ao homem que eu amo, que provoquei esse acidente. Me sinto uma assassina, como vou continuar vivendo carregando dentro do peito essa culpa?

Todos choram, até Suzane que mal o conhece. Gabriel foi se fazendo de forte mas também estava no limite, E Rita que viu Henrique nascer, cuidou dele a vida toda, no fundo devia me odiar por causar tudo isso, eu mesma estou me odiando.

Mas estou decidida a ir com Gabriel, preciso passar por isso, é como se eu quisesse provocar em mim mesma mais dor e sofrimento. Acho que nem assim vou me perdoar pelo que fiz. Penso nos pais dele nos Estados Unidos sem saber de nada.

De repente a gente ouve vozes do lado de fora, acho que estou louca mas parece que ouço a voz de Henrique. Quando olho pros outros todos estão se olhando espantados. Então não estou louca, pode ser um milagre, uma segunda chance que Deus está me dando. Corro em direção a porta, paro quando vejo a maçaneta girar, meu coração em frangalhos parece que vai saltar do peito.

A porta se abre e lá está ele, o milagre que eu esperava, o amor da minha vida, ali na minha frente de novo. Esqueço de tudo e de todos, me jogo em seus braços, ele me pega no colo e dentro de mim toda angústia vai embora. Beijo seu rosto, sua boca, molho ele com minhas lágrimas, o tempo todo repetindo o quanto o amo e estou arrependida.

Ele vem andando comigo pendurada em seus braços, ele senta no sofá, parece exausto, seu cabelo está bagunçado e seus olhos estão abatidos. Saio do seu colo e sento ao seu lado, Rita vem abraça-lo chorando. Suzane agradece a Deus baixinho e lhe dá boas vindas. Gabriel tem os olhos cheios de lágrimas, mas consegue segurar e dá boas vindas ao amigo querido.

Gabriel: Cara que susto você deu na gente.

Rita: Filho o que houve com você, tá tão abatido?

Henrique: Tive uma noite e uma manhã de cão meu amigo. Vou contar tudo pra vocês.

Henrique disse que depois do que ele classificou como nosso "mal entendido" ele pegou uma estrada qualquer e saiu dirigindo pra espairecer. Depois que ficou mais calmo viu que já estava muito longe, tentou ligar mas estava sem sinal. Resolveu então dirigir mais pois já era madrugada e estava numa estrada deserta.

Mais adiante ele parou porque estava cansado, o celular já dava sinal. Foi quando o pior aconteceu.

Nesse momento fiquei tão encolhida no sofá que nem sei se ele percebeu minha presença ali. Durante todo o relato ele não me olhou nenhuma vez. Espero que um dia ele me perdoe.

Ele estava do lado de fora do carro, porta aberta, tentando ligar pro Gabriel, quando veio passando outro carro. Segundo ele o carro parou e um homem saiu pedindo pra ligar para um hospital porque estava com a esposa grávida em casa e ela ficaria preocupada se ele não desse notícias.

Henrique acreditou e emprestou o celular, de repente o homem sacou uma arma e colocou na cabeça dele, mandou que ele fosse pro outro lado da rua ou atiraria nele ali mesmo. A chave estava no carro, carteira, o celular na mão, tudo que restou foi sua roupa e sapatos.

O homem entrou no carro e arrancou fugindo rápido dali. Henrique correu até o carro do assaltante, mas além de ser um carro muito velho estava sem combustível, não daria pra andar mais de 100 metros.

Então ele se viu sozinho, sem celular e sem dinheiro, numa estrada deserta. O dia estava amanhecendo, ele então resolveu andar, depois de horas ele chegou num posto de gasolina e conseguiu carona.

Gabriel: Porque você não me ligou do posto eu teria ido te buscar.

Henrique: Achei melhor não incomodar, eu já tinha conseguido carona. Não imaginava que estariam todos assim tão preocupados.

Rita: A gente quase morre de preocupação meu filho.

Henrique: Mas eu avisei o Gabriel que precisava de um tempo sozinho, que não ia fazer nenhuma besteira.

Gabriel: O cara que roubou seu carro sofreu um acidente, rolou numa ribanceira perto de uma cidadezinha. Encontraram sua carteira com todos os seus documentos, seu celular. Me ligaram pra identificar o corpo.

Henrique: Então vocês pensaram que eu...

Gabriel: Pensamos que era seu corpo, que você estava morto. Ficamos todos loucos.

Suzane: Minha amiga quase morreu de preocupação, e culpa.

Nessa hora senti seu olhar sobre mim, não tive coragem de encara-lo, permaneci imóvel, olhando meus dedos que eu apertava no colo pra pararem de tremer. Ele olhou de volta pros outros.

Henrique: Eu sinto muito ter deixado vocês tão preocupados assim. Não sabia do acidente com o ladrão.

Rita: Bom o importante é que você está bem. Meu filho você deve estar com fome.

Henrique: Com fome, exausto, louco por um banho.

Gabriel: Seu carro deu perda total, vou até lá pegar seus pertences e explicar o que houve. Estou feliz por você estar aqui meu amigo.

Suzane: Também vou embora amiga, seu maridão tá são e salvo, tá tudo bem, descansa, eu aviso na faculdade que você está passando mal e não vai hoje.

Me levanto e dou um abraço em Suzane, me despeço do Gabriel, agradeço por tudo. Gabriel oferece uma carona pra Suzi, ela olha desconfiada mas aceita. Volto a ficar muda, cabeça baixa. Rita já foi pra cozinha preparar alguma coisa. A tensão entre nós é clara.

Henrique se vira e vai andando em direção a escada, olho pra ele e sinto meu coração apertado dentro de mim. Vou atrás dele.

Eu: Henrique por favor...

Henrique: O que foi?- ele pergunta sem se virar.

Eu: Não me trate assim, me xingue, me bata, me expulse de uma vez da sua vida, sei que mereço, mas por favor não me despreze. - começo a chorar de novo com as mãos no rosto.

Ele volta, se aproxima de mim, me abraça. Encosto no peito dele e choro até soluçar. Ele acaricia meu cabelo, espera pacientemente eu me acalmar. Ele levanta meu rosto, seca minhas lágrimas e fica um tempo me olhando.

Henrique: Achou mesmo que eu seria capaz de expulsa-la da minha vida?

Eu: Acho que eu mereço depois de tudo que eu fiz.

Henrique: Você errou sim Elis, não vou negar. Mas eu te amo muito. Quando aquele ladrão colocou a arma na minha cabeça eu pensei que fosse morrer. O primeiro rosto que veio na minha mente foi o seu, eu só pensava em você, em tudo que ainda temos pra viver.

Eu: Eu tive tanto medo de te perder. Minha vida não teria mais sentido se eu te perdesse. Eu te amo.

Henrique: Também te amo meu amor. A gente vai conversar sobre o que aconteceu, mas não agora. Preciso de um banho urgente e estou muito cansado e com muita fome. Andei por horas, peguei chuva, não dormi a noite toda.

Subimos juntos pro quarto, preparei a banheira, Henrique entrou, fiquei parada olhando.

Henrique: Entre também, não vou morder você.

Tiro minha roupa e entro, fico de cabeça baixa olhando a água. Nunca agi tão mal com alguém, esse sentimento de culpa é muito ruim.

Eu: Ainda me sinto muito culpada, se tivesse acontecido alguma coisa com você eu não me perdoaria nunca. - olho em seus olhos - Me perdoe por favor.

Henrique: Vem cá - ele me estende a mão, me aproximo , sento no seu colo de frente pra ele, nossos corpos reagem a proximidade.- Eu amo você, não precisa ficar assim, sei que no fundo você não fez por mal. Só por favor, não beba mais desse jeito, nem deixe ninguém tocar em você, quase morri de ciúmes.

Eu: Não precisa ter ciúmes, sou completamente sua meu amor.

Selamos esse momento com um beijo longo e apaixonado.

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