O PESO DO SONHO

UM MÊS DEPOIS...

Eu saí da audição com aquele papel amassado nas mãos, o coração pesado e a sensação de que mais uma vez tinha sido apenas uma figurante.

O script, como sempre, não tinha nada de interessante. Eu era a amiga que dá conselhos, mas nunca tem tempo para os próprios problemas. A personagem podia ser descartada na primeira cena, sem ninguém nem se lembrar dela depois.

A cada audição, a frustração só aumentava. O que mais eu poderia fazer? O mercado estava saturado, e o talento era praticamente irrelevante. Eu sabia que o que importava de verdade era quem você conhecia, o quanto você se encaixava no molde da "atriz perfeita", não a qualidade do seu trabalho.

Eu ficava aqui, jogando todas as minhas energias para um sonho que parecia cada vez mais distante.

Olhei para o celular. Uma mensagem do meu agente: 'Boa audição, Ariane! Não se preocupe, logo um grande papel vai aparecer. Só continue se esforçando!'

 Esforço. Só isso.

O mercado estava tão saturado que esforço não fazia diferença. Eu podia ser a melhor atriz do mundo, mas se não tivesse o "perfil" certo, não passaria de mais uma opção descartável.

Deitei na cama, olhando para o teto, e me permiti dar uma risada amarga.

'Cinderela, você conquistou meu coração! Case-se comigo!"'

 Eu podia até ouvir a voz do príncipe encantado dizendo essas palavras. Mas, sinceramente, o príncipe encantado na minha vida não apareceria.

Eu não estava esperando um homem maravilhoso, com cavalos brancos, que viesse me salvar. O que estava me 'salvando' eram os contatos de um mercado implacável, e nem isso parecia ser suficiente.

Pura mentira. Oque? É verdade!

Mentem para nós. Nos fazem acreditar que devemos ser bonitas, inocentes, e esperar pelo príncipe que vai nos salvar de toda maldade do mundo. Mas a realidade é bem diferente. O príncipe está mais preocupado em olhar para a bunda da madrasta má do que para a beleza da sua 'Cinderela'.

Não era inveja.

Eu não estava ressentida, mas era impossível não ver que o que acontecia no teatro e no cinema não tinha nada a ver com o sonho que me venderam. As pessoas que conseguiram os papéis grandes não estavam lá só pelo talento.

 Eles estavam lá porque sabiam fazer os contatos certos, agradar as pessoas certas, e... bem, alguns ainda tinham os jeitos mais “práticos” de conseguir o que queriam.

Eu pensava, com um suspiro irônico, na atriz que conseguiu o papel principal na última produção.

Ah, claro. Ela só conseguiu porque dormiu com o diretor. Não é inveja, é óbvio. Nunca, em um milhão de anos, aquela perna de elefante caberia no sapato de cristal. E ninguém vai me convencer do contrário.

Era isso. Eu era mais uma 'Gata borrareira', esperando que algum diretor me notasse, me desse o papel dos meus sonhos, e que tudo mudasse de uma hora para a outra. Mas a verdade era dura: o conto de fadas não existia.

O que existia era um mercado com seus próprios interesses, com regras que ninguém te conta até você já estar preso nelas.

Eu olhei para o celular de novo, esperando ver algo mais otimista, mais animador, mas a verdade é que nada mais me animava.

Poliana, minha nova colega de casa, sempre me dizia: 'Você vai conseguir, Ária! Seu talento é imenso. Vai chegar lá!'

 E ela acreditava nisso. Ela acreditava que tudo o que eu precisava era de uma oportunidade. Mas ela não entendia. Ela não sabia como as coisas realmente funcionavam por trás das cortinas.

Eu me levantei da cama e fui até o espelho.

 Me olhei de frente. Eu sabia que eu era boa. Mas o mundo ao meu redor não parecia se importar com isso.

 O mundo queria algo diferente. Ele queria Cinderelas, mulheres prontas para serem moldadas, para se encaixar no que queriam que fôssemos. Mas eu não era uma dessas mulheres. Não ia ser salva por ninguém. Só eu podia escrever a minha própria história.

E que se dane a ideia do príncipe encantado! — pensei.

 Eu sou minha própria protagonista.

Acordei no dia seguinte com o som irritante do despertador. Estava um pouco tarde, e eu sabia que tinha que me apressar, mas o peso da noite anterior ainda estava em mim. Eu me sentia exausta, não apenas fisicamente, mas emocionalmente. Mais uma audição falhada. Mais uma esperança esmagada. A vida parecia insistir em me ensinar a dureza do caminho que eu tinha escolhido, e eu não sabia até quando conseguiria continuar.

Peguei meu celular sem vontade, apenas para confirmar que, mais uma vez, nada de novo tinha acontecido. O mesmo feed vazio. Nenhuma nova notificação. Nenhuma mudança.

Joguei o telefone de lado e fechei os olhos. Até quando? Até quando eu ia me iludir achando que algo diferente aconteceria? Talvez fosse melhor desistir logo e arranjar um emprego normal.

Suspirei. Peguei o celular de novo, só por hábito.

Mas, então, apareceu uma mensagem no topo da tela. Era do meu agente, Rogério. Ele nunca me mandava mensagens de madrugada, então a curiosidade fez com que eu abrisse imediatamente.

...'"Ariane, precisamos conversar. Essa pode ser a sua chance, mas preciso te explicar os detalhes. Me liga assim que puder."...

Eu fiquei imóvel por alguns segundos. Aquilo era real? Uma oportunidade de ouro? Ele nunca falou assim antes.

Eu quase não acreditava. Eu sabia que ele não era de fazer promessas vazias, mas, ao mesmo tempo, tinha uma sensação estranha de que eu estava me precipitando. Depois de tanto tempo recebendo papéis sem graça, sem profundidade, seria mesmo essa a chance que eu estava esperando?

Me levantei da cama, ainda pensando na mensagem. O café estava pronto, mas eu não tinha muita fome. Só queria saber o que Rogério queria dizer com aquela "grande virada". Seria um papel importante, um filme de destaque? Ou apenas mais uma dessas propostas vazias, que só pareciam boas no início e depois se mostravam fracas demais?

Respirei fundo e resolvi mandar uma resposta, sem saber bem o que esperar:

..."Oi, Rogério. Quero saber mais. O que você tem para mim?"...

Enquanto esperava a resposta, comecei a me questionar se eu realmente estava preparada para o que quer que fosse.

A ideia de finalmente pegar um papel que realmente significasse algo me fez sentir uma mistura de excitação e ansiedade.

 Mas eu sabia, no fundo, que esse poderia ser o meu último suspiro nesse sonho que parecia estar tão distante de mim.

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