A primeira coisa que eu aprendi sobre Clarissa na minha primeira semana, foi que ela nunca, jamais, ficaria fora de cena.
Se eu desse um passo para trás, ela dava dois para frente, com sua energia e presença inconfundíveis. Eu não sabia o que fazer com isso. De um lado, me sentia grata por ela ser tão calorosa, mas, por outro, estava começando a me sentir sufocada, como um animal de estimação que não sabia mais quando podia respirar sozinho.
Logo na manhã seguinte, quando a campainha tocou e vi Clarissa chegar toda animada com seu uniforme brilhante e um sorriso tão largo quanto o mundo, eu sabia que não poderia passar outro dia sendo arrastada por ela para cada lugar que ela desejava ir.
“Ária! Vamos! Eu tenho planos para hoje! Eu sei exatamente onde você vai adorar ir!” — ela disse, já estendendo a mão como se me puxasse para um passeio pelo paraíso.
Eu tentei disfarçar meu pânico e dar o que seria meu melhor sorriso.
“Ah, Clarissa, hoje eu estava pensando em dar uma olhadinha na escola sozinha... sabe, para explorar, entender melhor onde ficam as coisas. Vai ser legal, né?” — tentei parecer animada, mas estava mais para alguém tentando escapar de um labirinto.
Ela me olhou, por um segundo, como se eu tivesse dito que estava indo para a lua sozinha, sem ajuda nenhuma.
“Sozinha? Mas você tem que vir comigo! A escola é grande e você vai se perder! Além do mais, eu já preparei uma rota todinha para nós!” — ela disse, quase como se fosse uma missão de vida.
Eu respirei fundo. Ela não ia desistir tão fácil, então era hora de um plano B.
— “Clarissa , sabe o que? Vou dar uma olhada no meu cronograma de aulas e ver se consigo organizar as coisas por aqui primeiro. Você tem razão, a escola é grande... eu posso ficar perdida se eu não souber ir sozinha, né?” — menti com a maior naturalidade que pude reunir.
Ela deu uma risadinha, achando que eu estava apenas sendo cautelosa, mas não parecia nem um pouco disposta a me deixar sair dessa com facilidade.
“Ai, eu vou te esperar aqui! Só me avise quando for ver suas aulas! Eu te mostro tudo depois, prometo!” — ela insistiu, ainda com o sorriso de quem estava ganhando a batalha.
“Claro,” eu acenei.
Mas a ideia de escapar sozinha se tornou mais forte a cada segundo. Assim que ela foi ao banheiro, aproveitei para pegar a minha bolsa e sair discretamente, sem fazer alarde.
Sabendo que ela não iria dar o braço a torcer tão fácil.
Eu não estava fugindo de Clarissa, só queria um pouco de espaço para mim mesma. E, claro, também queria encontrar a minha sala de aula sozinha.
Eu não sabia ainda o que me esperava, mas o que eu sabia era que, se eu continuasse a ceder às expectativas de Clarissa, acabaria me perdendo em algum lugar quando estivesse sozinha.
O corredor estava mais calmo do que eu imaginava. As paredes adornadas com cartazes de produções anteriores do teatro me faziam sentir uma mistura de ansiedade e excitação.
Eu estava em casa, mas, ao mesmo tempo, uma estranha sensação de estar à deriva tomava conta de mim. Quando vi a porta da sala de teatro, me senti aliviada.
Mas, ao entrar, percebi que tinha entrado na sala errada. O que parecia ser um auditório logo se revelou apenas um salão vazio e sem uso. Eu olhei para os lados, tentando entender onde estava, mas tudo o que vi foram corredores longos e desmoronados de portas fechadas.
Eu havia me perdido. Estava em um local que não conhecia, e meu coração acelerou. O que eu iria fazer agora?
Me afastei de forma furtiva e tentei voltar pelo caminho que vim, mas, quanto mais eu tentava, mais as paredes e portas pareciam se multiplicar à minha frente, criando um labirinto sem fim.
E então, em meio à minha crescente frustração, vi uma japonesa, mexendo em seu celular.
Desesperada, aproximei-me dela, tentando não parecer completamente perdida.
“Ei... desculpa, você pode me ajudar? Eu estou... não sei exatamente onde estou...” — perguntei, com um sorriso sem graça.
Mas ela não me ouviu.
"Ei!" Tentei de novo, mais alta.
"Eu não quero assinar nada," ela respondeu sem tirar os olhos da tela do celular.
"O quê? Eu não quero que você assine nada!"
Ela parou de mexer e olhou para mim de cima a baixo, negando com a cabeça. "Se não é para ajudar os cachorros de rua, é para quê então? Bolinhos de escoteiras?"
"Não! Eu só quero saber onde fica a sala de teatro."- entreguei o papel da matrícula para a garota, na esperança de que ela me ajudasse.
Ela olhou para mim com uma expressão indiferente. "Oh... a coitadinha está perdida?" - a ironia em suas palavras fez meu estômago revirar.
"Sim, mas já que você não pode me ajudar..." - comecei a pegar o papel de volta, resignada com a falta de educação dela.
"Claro que posso, lindinha." - ela sorriu com um sorriso muito mais amigável do que eu esperava.
"Pode mesmo?" — perguntei, um pouco surpresa.
Talvez eu estivesse errada. Nem todas as pessoas eram estranhas nessa ilha, afinal.
"Sei como é difícil ser novata," - disse ela com um sorriso que parecia genuíno, antes de me puxar para o final do corredor: "Sabe aquelas salas do outro lado do campus?" - ela apontou na direção oposta.
"Assim tão longe, das outras turmas?" - perguntei, incerta.
"Sim, os alunos de teatro têm uma grande diferença dos meros mortais." - ela se divertia com a situação, mas eu apenas acenei com a cabeça, agradecida por sua ajuda.
"Obrigada," - disse, tentando parecer confiante.
"Vai logo, antes que bata o sinal," - a japonesa falou com um sorriso sarcástico. Quando terminei de dar um passo, o sinal tocou, e ela começou a se afastar.
"Obrigada... eu nem sei seu nome." - tentei chamar sua atenção. Quem sabe ela poderia ser uma nova amiga, com alguém que não me visse como seu animal de estimação.
"Você vai saber, quando menos esperar," - ela disse, já virando a esquina do corredor.
Fiquei perdida por alguns minutos, mas finalmente consegui atravessar o ‘campus’ e, ao chegar à sala de teatro, percebi que algo estava estranho.
A porta estava trancada, e ninguém atendia.
Desistindo de bater, comecei a me afastar, quando uma velhinha apareceu do nada.
"O que há, minha jovem? Você não deveria estar cabulando aula."
"Não estou cabulando nada, seja qual for o significado. Sou nova aqui e estou tentando entrar na sala, mas ninguém atende." Rebati, batendo novamente na porta.
"Isso porque só abre daqui a meia hora," a velhinha disse, mostrando as chaves e girando a fechadura. "É a biblioteca." - ela falou enquanto acendia as luzes.
"Mas... eu estava procurando aula de teatro." - suspirei, frustrada, sentindo que nada estava saindo como eu planejava.
"Então por que veio para o outro lado do campus? Era só virar à direita na entrada do corredor."
"Eu... eu estava lá! Perguntei para uma menina japonesa, e ela me disse que era aqui." - eu sabia que devia ter desconfiado daquela garota. Parecia que ninguém nesse lugar estava realmente interessado em me ajudar.
"Olha, já que é seu primeiro dia, vou te dar uma ajudinha. Da próxima vez, pergunte a um responsável. Esses alunos macabros são maldosos." - ela me deu uma autorização de atraso e sorriu de forma calorosa.
"Obrigada," disse, sorrindo de volta, aliviada por finalmente ter uma resposta do lugar que eu estava me metendo, mesmo que não fosse a que eu esperava.
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Atualizado até capítulo 33
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