O peso das entrelinhas

Os dias seguintes foram como um jogo silencioso entre Aurora e Davi. Cada olhar, cada conversa, parecia carregado de algo que nenhum dos dois se atrevia a dizer em voz alta. O ambiente escolar já não era suficiente para as trocas que vinham acontecendo entre eles, e Aurora percebia que sua rotina começava a orbitar ao redor daqueles momentos fora da sala de aula.

Naquela sexta-feira, enquanto o último sinal do dia ecoava pelos corredores, Aurora foi surpreendida pela presença de Davi já esperando por ela na porta da sala.

— Sem planos para hoje, certo? — Ele perguntou com um meio sorriso.

— Depende. O que você tem em mente? — Aurora respondeu, cruzando os braços e fingindo desconfiar.

— É surpresa.

— Espero que não seja outro lugar abandonado.

— Dessa vez, prometo que é diferente.

Curiosa como sempre, Aurora aceitou. Eles pegaram o ônibus até o centro da cidade, onde Davi a guiou até um pequeno café escondido entre prédios antigos. Era um lugar acolhedor, com estantes repletas de livros e uma trilha sonora de jazz suave.

— Você vem aqui sempre? — Aurora perguntou, olhando ao redor.

— Quando preciso de silêncio ou inspiração. — Davi respondeu, puxando uma cadeira para ela.

Eles pediram chocolate quente e, por um tempo, ficaram apenas observando o ambiente. Aurora percebeu que, ali, longe da escola e dos conhecidos, Davi parecia mais à vontade, quase como se estivesse mostrando outra faceta de si.

— Então, o que te inspira aqui? — Aurora perguntou, quebrando o silêncio.

Davi olhou para a estante de livros e deu um leve sorriso.

— As histórias. Saber que cada pessoa que senta aqui tem a sua própria história, seus próprios segredos.

Aurora inclinou a cabeça, intrigada.

— Você pensa muito sobre isso, né? Sobre as pessoas, suas vidas, o que elas escondem.

— Acho que é inevitável. — Ele respondeu. — É como tentar montar um quebra-cabeça sem todas as peças.

Aurora sentiu que ele estava prestes a dizer algo mais profundo, mas, como sempre, Davi mudou de assunto antes que o momento se tornasse intenso demais.

— Quer escolher um livro?

Eles passaram algum tempo explorando as estantes. Aurora escolheu um romance clássico, enquanto Davi pegou uma coletânea de poemas. Quando voltaram para a mesa, ele começou a folhear o livro, lendo alguns trechos em voz alta.

— Você tem uma voz boa para isso. — Aurora comentou, sorrindo.

— Para ler poesia?

— Para contar histórias.

Davi parou por um momento, pensativo.

— Talvez eu devesse tentar um dia.

Aurora sentiu vontade de incentivá-lo, mas algo em sua expressão a fez hesitar. Ele era talentoso, disso ela tinha certeza, mas parecia carregar um medo constante de se expor demais.

— E você? — Davi perguntou, desviando o foco. — Se pudesse fazer qualquer coisa agora, o que faria?

Aurora mordeu o lábio, considerando a pergunta.

— Talvez viajar. Conhecer lugares novos, pessoas diferentes.

— Onde você iria primeiro?

— Itália. Sempre quis ver as paisagens de lá, a cultura, as pessoas.

Davi sorriu, como se pudesse imaginá-la caminhando pelas ruas de Roma ou Florença.

— É um bom plano. Quem sabe um dia você não vá mesmo?

Aurora riu baixinho, mas o desejo em suas palavras era genuíno.

Quando saíram do café, o céu estava tingido de tons alaranjados, e o vento carregava o cheiro das folhas secas no outono.

— Obrigada por hoje. — Aurora disse enquanto caminhavam pela calçada.

— Eu que agradeço. — Davi respondeu. — Às vezes, a companhia certa faz toda a diferença.

Aurora sentiu o coração acelerar, mas apenas sorriu em resposta.

Enquanto se despediam no ponto de ônibus, Aurora percebeu que as palavras não ditas pesavam mais do que qualquer conversa que haviam tido até agora. Davi parecia prestes a dizer algo, mas o ônibus chegou antes que ele pudesse se decidir.

— Até segunda-feira. — Ele disse, com um sorriso discreto.

— Até.

Aurora entrou no ônibus, observando-o pelo vidro enquanto o veículo se afastava. Mais uma vez, sentiu que havia algo entre eles que ambos insistiam em ignorar. Mas, agora, ela começava a se perguntar quanto tempo mais conseguiriam evitar.

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