Entre linhas e olhares

Os dias seguintes passaram rápido, mas deixaram Aurora inquieta. O lago, o silêncio compartilhado com Davi e as revelações inesperadas pareciam ter mexido mais com ela do que estava disposta a admitir. Era como se as peças de um quebra-cabeça finalmente estivessem começando a se encaixar, mas o quadro completo ainda permanecesse fora de alcance.

Na manhã de segunda-feira, Aurora entrou na sala de aula e encontrou Davi sentado na última fileira, com os olhos fixos em um caderno. Ele parecia absorto, rabiscando algo que ela não conseguiu identificar à distância.

— Alguma coisa interessante aí? — Aurora perguntou, aproximando-se e se sentando ao lado dele.

Davi deu um pequeno sorriso, fechando o caderno rapidamente.

— Só anotações. Nada demais.

Ela estreitou os olhos, desconfiada.

— Desde quando você faz “anotações”?

Ele riu, recostando-se na cadeira.

— Não posso tentar ser organizado?

Antes que ela pudesse responder, o professor entrou na sala, e a conversa foi interrompida. Aurora, no entanto, não conseguia tirar os olhos de Davi. Havia algo diferente nele naquela manhã, mas ela não sabia dizer o quê.

Mais tarde, durante o intervalo, Aurora decidiu confrontá-lo novamente. Encontrou Davi no jardim da escola, sentado sob uma árvore, com o mesmo caderno aberto em seu colo. Desta vez, ele parecia estar escrevendo algo com cuidado.

— Não adianta tentar esconder. — Ela disse, sentando-se ao lado dele.

Davi suspirou, fechando o caderno mais uma vez.

— Por que você é tão insistente?

— Porque você está agindo estranho. — Ela respondeu. — O que tem nesse caderno que você não quer me mostrar?

Ele hesitou por um momento antes de responder.

— São só ideias. Coisas que eu escrevo para tentar organizar meus pensamentos.

— Posso ver? — Aurora perguntou, sua curiosidade agora completamente desperta.

Davi pareceu considerar por um instante, mas balançou a cabeça.

— Ainda não.

Aurora cruzou os braços, fingindo indignação.

— Você sabe que agora estou ainda mais curiosa, não sabe?

— Eu sei. — Ele respondeu, sorrindo de lado.

O toque do sinal interrompeu a conversa mais uma vez, mas Aurora sentia que havia algo mais naquela história.

No final da tarde, Aurora e Davi saíram juntos da escola, como vinham fazendo com frequência nos últimos dias.

— Então, qual é a próxima surpresa? — Aurora perguntou, tentando arrancar alguma informação.

— Sem surpresas hoje. — Davi respondeu. — Mas tenho uma pergunta para você.

Ela arqueou uma sobrancelha, intrigada.

— Pergunte.

— O que você faria se pudesse fazer qualquer coisa, sem medo?

Aurora ficou em silêncio por um momento, pegando Davi de surpresa com a seriedade em seu olhar.

— Acho que viajaria pelo mundo. Conheceria cada canto, cada cultura. Sempre sonhei em fazer isso, mas… parece tão distante.

Davi a observou atentamente, como se tentasse gravar cada palavra que ela dizia.

— E você? — Aurora perguntou, virando a pergunta para ele.

Ele deu de ombros.

— Acho que escreveria um livro. Algo que pudesse deixar uma marca, mesmo que pequena.

Aurora sorriu, surpresa com a resposta.

— Um escritor? Nunca teria imaginado isso.

— É algo que sempre gostei. Mas é difícil saber se o que escrevemos vale a pena, não é?

Ela olhou para ele com seriedade.

— Se é algo que você ama, já vale a pena.

Davi ficou em silêncio por um momento, como se estivesse processando aquelas palavras.

— Talvez você tenha razão.

Aurora sorriu, satisfeita por ter plantado aquela semente de confiança.

Enquanto se despediam na esquina de suas casas, Aurora sentiu que havia algo especial naquelas conversas. Davi estava se abrindo para ela de maneiras que nunca esperava, e, aos poucos, ela se via querendo saber mais, entender mais.

Quando entrou em casa, Aurora subiu direto para o quarto, deitando-se na cama e encarando o teto. Seu coração parecia bater em um ritmo diferente agora, e ela sabia que não era apenas amizade o que começava a crescer entre eles.

Mas e Davi? Ele sentia o mesmo?

Essas perguntas continuavam a ecoar em sua mente enquanto a noite caía, trazendo com ela um misto de excitação e dúvida.

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