Atropelada pelo destino

—Mãe! A senhora viu a minha calça ?

—Qual delas,Marina?

—A única descente que tenho para sair!

—A jeans escuro?

—Sim!

—Acabei de pendurar na corda.

—Eu tenho uma entrevista às 15h no Centro! E agora?

—Pega uma da sua irmã!

—Ela é chata, não gosta de emprestar nada pra mim!

—Então pega uma minha!

Ela fala com ar de deboche.

—Melhor não, vou pegar uma da Samanta, depois me acerto com ela.

Vou até o guarda roupas da minha irmã e escolha uma das inúmeras calças. Ela é tão consumista! Pra quê tantas roupas, metade tem etiqueta!

Samanta,minha irmã mais velha dois anos, é a única quem está trabalhando de carteira assinada no momento, mas praticamente não ajuda em nada,minha mãe tem quase que implorar para ela pagar uma conta ou inteirar no mercado.

Eu tive que fazer o financiamento estudantil para me formar na faculdade de administração.Não arrumo emprego, estou cheia de de dívidas, não sei de onde tirar dinheiro nem para a passagem de ônibus!

O meu pai, Flávio, foi afastado do trabalho por questões de saúde, ele é motorista de ônibus. Mas até agora nada do benefício do INSS sair, ô luta!

A minha mãe,Adriana, é dona de casa,mas faz os corres dela, vende Natura, Avon, Boticário...além de pegar encomendas de salgados.

Por isso, tenho que conseguir esse emprego, tomara que tudo dê certo, a minha família precisa de mim!

Saio de casa,esperançosa.

—Tchau pai, me deseje sorte!

—Deus te abençoe,minha filha!

—O senhor não está pegando peso não, né?

—Ah...que...não, filha! Que isso!

Ele estava limpando o quintal arrastando as tralhas velhas dele que estavam jogadas nos cantos. Minha mãe surta com essa bagunça,dá uns gritos e ele se mexe.

—Tá pegando peso, Flávio!?

—Você não mandou eu limpar o quintal?

—Mas para fazer coisas leves, está proibido de fazer grandes esforços!

—Se decide mulher! Eu arrumo ou não arrumo o quintal?

—Você quer é arrumar um jeito de me deixar viúva, sai daí!

Ele larga tudo e fala baixinho pra mim.

—Daqui a pouco ela vai até a sala me mandar fazer outra coisa! Eu preciso voltar a trabalhar logo!

—Então cuida desse coração! Te amo!

—Eu também! Boa sorte, minha boneca!

Eu moro em Honório Gurgel, zona norte do Rio,tenho vinte e quatro anos,nasci e cresci aqui no subúrbio, estudando em colégios públicos, passando sufocos, mas dentro de uma família cercada de amor e de bons valores.

Chego até o centro da cidade num dia chuvoso e chato, pego o elevador para o andar da sala aonde acontecerá a entrevista.

—Segurem a porta! - grita um rapaz loiro baixinho.

Eu coloco a mão e a porta recua,ele a segura e um rapaz alto ,de óculos escuros Cartier e com o último IPhone lançado,colado no ouvido, entra.

💭Tem gente que nasce com o c* para a lua...e eu aqui só quero um emprego pra pagar meu FIES ! - penso

Os dois saem priemeiro,eu sigo até o décimo andar.

A sala está lotada, vários candidatos a três vagas de recepcionista de hotel.

Preencho a documentação, as fichas e aguardo cerca de duas horas ate ser a minha vez.

—Então, Marina. Você é formanda em administração, não tem experiência na área, não fala inglês...me diga porque devo contratar você?

—Eu aprendo rápido, sou dedicada e responsável.

—Mas faltam qualificações, para essa vaga o inglês básico é necessário.

—Concordo, agora o senhor me responda, como posso pagar um curso de inglês se não tenho emprego para conseguir o dinheiro para pagar o curso de inglês para conseguir um emprego?

A cabeça do homem parece que deu um nó e ele não soube me responder.

—Sim...mas pelo menos alguns desses critérios você deveria atender. Sem inglês e sem experiência fica difícil!

— Todos nós temos que começar um dia! Se vocês não derem oportunidades, como iremos ter experiência?

—Eu sinto muito, infelizmente você está está eliminada do processo seletivo. - ele fala com ar de arrogância e prepotência e me sobe uma raiva!

—Quer saber? Pega essa vaga e enfia...

Ele arregala os olhos.

—...enfia na carteira de trabalho de outra pessoa! Passar bem!

Saio soltando fogo pelas narinas, esqueci de dizer...tenho pavio curto!

Estou revoltada! Gastei o dinheiro que não poderia pra vir até aqui, passei a tarde toda com fome, num dia frio e chuvoso, pra quê? Ser humilhada por um entrevistador arrogante que parece que nunca esteve do lado de cá da situação.

Vou andando com os pensamentos a mil, decepção, revolta, desânimo...não reparo que o sinal abriu e atravesso a avenida e quando vejo estou jogada no meio de uma poça de água.

O carro parado centímetros de mim, carro não...uma máquina! Uma BMW preta linda, de dentro dela saem dois homens, o rapaz baixinho me levanta,o mesmo que vi subir no elevador.

—Moça, você está bem?!

Começa a chover forte.

—Acho que sim, droga! Estou toda suja e molhada,e ainda rasguei a calça nova da minha irmã, ela vai me matar!

O mais alto, o do IPhone, aparece. Gente,como ele é lindo! Agora sem os óculos consigo vê-lo melhor.

—Vem, moça vamos te levar para o hospital.

—Não precisa ,eu estou bem! Nem bati a cabeça! Eu só preciso...- olho o meu ônibus passando do outro lado - Droga, perdi a condução! Agora só Deus sabe quando virá o próximo!

—Entra no carro,está chovendo muito!

—Eu nem conheço vocês!

—Entra logo moça! Eu lá tenho cara de bandido?

Ele me pega pelo braço, que energia de macho alfa! Chego a ficar mole com o toque firme dele.

Já dentro do carro ele me questiona.

—Você precisa de atendimento, está toda ralada, os braços sangrando, vou te levar na clínica do meu padrinho,você mora aonde?

—Honório Gurgel.

—O quê?! Zona norte, ô Pedro, a clínica do Ítalo fica na Barra!

Hum...então esse é o nome dele...Pedro.

—Ah não se preocupe, me deixe numa UPA qualquer pelo caminho, afinal ,a culpa de tudo foi minha, atravessei sem atenção.

—Isso é verdade! A culpa foi sua!

Preparo uma resposta, mas me calo...estava errada mesmo!

—Eu vou levar você até lá e depois, te coloco num taxi. Pode ser?

—Moço, não sei se deu pra ver pela minha cara, mas eu sou pobre viu? Mal tenho dinheiro para o ônibus!

—Relaxa, será tudo por minha conta!

Ai...que Deus ouça as minhas preces e um dia eu arrume um marido que diga isso pra mim!

......................

Peço para Alex ligar no escritório e avisar do nosso contra tempo, e que não retorno mais hoje.

Olho pelo retrovisor...a menina é bem bonita...aliás é muito bonita! Mas tem uma cara de arisca...

—Qual o seu nome?

—Marina.

—Marina, de Honório Gurgel... - eu dou uma risada.

—Algum problema com o lugar de onde eu sou?

—Nenhum, eu tenho uma amiga que é de lá.

—Quem?

—Anitta.

—Ah para...- ela dá uma risada debochada - Você conhece a Anitta?

—Ah ! Em falar nisso,Pedro, ela está voltando da turnê na Europa e vai dar uma festa na casa dela, pediu pra você confirmar presença.

—Ah não, as festas na casa dela são muito loucas, e meus pais não ficam satisfeitos quando eu frequento. Melhor eu sossegar! Agradeça e decline ao convite,por favor!

Ela fica com os olhos arregalados.

—É sério mesmo!!

Eu dou uma risada da sua reação.O telefone dela toca e ouço a conversa.

📲Oi mãe...está tudo bem sim, vou me atrasar um pouco...por que? É...é...por causa da chuva, sabe como é! Mas está tudo bem comigo!...A entrevista? Isso não foi bem...mais um não!....Ah... alegaram minha falta de experiência, falta do inglês...gastei tempo e dinheiro à toa.

Vejo a decepção no rosto dela, eu quase senti isso, mas no meu caso, eu sabia que o meu pai estava me atrapalhando de propósito.

Na clínica, meu padrinho a atende ,encontro com Brandon na sala de Pietro.

—Atropelou a garota?! - meu cunhado dá uma risada - Mal voltou pra casa e já fez merda de novo!

—Não tive culpa, ela apareceu do nada na minha frente, ela mesma admitiu! Mas ,como quero evitar a fadiga,achei por bem socorrê-la e deixar em casa.

—E esse contrato de casamento? Vai acontecer?

—Vai...mas não sei quem vai topar essa maluquice comigo! Vou acabar casando com a Rafaele mesmo.

—Mas você sabe que com ela vai ser pra valer, né? - fala Brandon

—Eu sei, por isso não quero que seja ela!

Nisso,meu dindo entra com Marina.

—Ela está ótima, foram só algumas escoriações, mas já fiz os curativos,olha - ele mostra o braço dela - Das princesas!

Nós damos uma risada.

—Eu não sabia que ele era pediatra, mas gostei! - ela dá um sorriso pela primeira vez, dentes perfeitos e alinhados!

—Bem,princesa, vamos que irei chamar a sua carruagem! Obrigado, dindo! Tchau rapazes!

Marina anda na frente com ele e Brandon me puxa.

—Tremenda gata, cara!

—É sim, muito bonita! E mora mal,na zona norte. Deixa eu enviá-la logo pra casa antes que fique muito tarde.

—Pedro...ela é uma boa opção!

—Do que você está falando?

—Do contrato !

—Eu nem a conheço direito!

—Mas é um tipo assim que fará dar certo! Ela não vai exigir fidelidade, sentimentos , obrigações de marido, filhos... Ela fará exclusivamente o papel de esposa por contrato, só de fachada, e ganhará uma boa grana por isso. E pelo o que você sabe, ela está precisando...

Fico pensativo... de fato a Marina pode ser uma boa opção, não temos sentimentos um para o outro, eu quero um contrato um casamento de fachada por apenas dois anos e ela quer dinheiro...ótimo ! Esse será o casamento perfeito! Mas tenho que ter cuidado para aborda-la.

Chamo o táxi e eu a coloco dentro, ela me agradece pede desculpas e eu faço mesmo.

—Aqui,tome o meu cartão. Tenho uma proposta para fazer para você.

— Qual tipo de proposta? De trabalho?

— Não exatamente um trabalho, mas entre em contato comigo, a gente conversa.

— Olha só, não faço as coisas que você deve estar pensando, não!Eu hein! respeito comigo!

— Não é nada disso do que você está pensando, é uma proposta séria, que será boa para mim e para você. E eu vou pagar muito bem por isso,pensa com carinho!

Fecho a porta do táxi e ela vai embora olhando para o meu cartão. Tomara que ela me ligue e aceite a minha proposta.

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